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terça-feira, 11 de agosto de 2020

SEMANA DA FILÓSOFA E DO FILÓSOFO

 

OS ESQUECIMENTOS E OS SILENCIAMENTOS DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

 

Prof. José Aristides da Silva Gamito[1]

 

Os manuais didáticos de filosofia utilizados até recentemente possuem uma característica comum e evidente, eles elencam apenas filósofos europeus, brancos e masculinos. A filosofia, com raras exceções, é uma atividade orginalmente aristocrática. A historiografia oficial utilizada por séculos no ensino de filosofia traz esquecimentos e silenciamentos de classes, de gênero e de etnias. Mesmo as tradições mais libertárias não conseguiram filosofar de modo plural. E qual é o maior problema?

Por trás dos esquecimentos e dos silenciamentos da história da filosofia existe o esquecimento do corpo. Quem filosofa não é uma entidade metafísica, desenraizada no espaço e atemporal. Quando a atividade do filósofo se faz levando em conta o corpo, você percebe que há gênero, há etnia, há uma diversidade de corpos que pensam, categorizam e se posicionam no cenário das ideias. No nosso do ensino de filosofia no Brasil, há três esquecimentos fundamentais: a mulher filósofa, o filósofo africano e a filósofa africana e o filósofo brasileira e a filósofa brasileira. Esses silenciamentos percebidos nos manuais tradicionais provocam três perguntas: a) Onde estão as mulheres na história da filosofia? b) Há uma filosofia africana e negra? c) Existe uma filosofia nacional, brasileira?

Os textos e as teorias canonizadas na filosofia trazem como autores apenas homens: Platão, Aristóteles, Descartes, Locke, Kant etc. As mulheres estão completamente esquecidas nessas referências. Desde minha graduação em filosofia que isso me inquietava e fiz a minha primeira incursão no tema para produzir o TCC “Esboço da História das Filósofas: Resgatando a tradição filosófica feminina” (2010). Então, descobri que nos mesmos espaços onde estavam Pitágoras, Sócrates e muitos ouros nomes, estavam Temistocleia, Esara de Lucânia, Areta de Cirene, Diotima de Mantineia e tantas outras mulheres que foram filósofas na antiguidade. E assim, em todas as eras da história da filosofia. Uma das pioneiras no resgate desta tradição foi a professora Mary Ellen Waithe com sua obra em quatro volumes, A History of Women Philosophers. Finalmente, foi respondida a primeira questão. Sim, existiram e existem filósofas. Os programas de ensino de filosofia precisam devolver os espaços para as filósofas. De modo geral, existe uma necessidade de recanonização dos filósofos e dos textos.

O segundo esquecimento da história da filosofia está no fato de ela ser a história apenas de brancos europeus. Quando estudamos filosofia, os africanos são apresentados como se fossem europeus, gregos vivendo no continente africano. Mal enxergamos que a Escola Cirenaica, por exemplo, é marca da presença da filosofia no continente africano desde a antiguidade. Os filósofos egípcios de Alexandria não são vistos como africanos, nem os pensadores cristãos de Cartago e nem os de Hipona. Um silêncio total impera sobre a África Negra. A África do centro e do sul é totalmente desconhecida nos nossos textos didáticos. O pretexto da ausência de escrita e do predomínio da oralidade justifica o desinteresse pela filosofia africana. Alguns termos como nyerereísmo, nkrumahismo, filosofia ubuntu e filosofia yorubá são estranhos para nós. Até pouco tempo, eu desconhecia quase tudo sobre filosofia na África.

A visão eurocêntrica da filosofia reina na nossa desconfiança também sobre a existência de uma filosofia latino-americana e, principalmente, brasileira, nacional. O seu ensino está no Brasil desde a chegada dos jesuítas. Em 1572, iniciou-se o ensino de filosofia no Colégio da Bahia. Muitos brasileiros se dedicaram a ensinar e a escrever no campo da filosofia. São pouco conhecidos nomes como Silvestre Pinheiro Ferreira, Antônio Pedro de Figueiredo, Eduardo Ferreira França, Escola de Recife, Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis. Antônio Paim resgatou muitas riquezas da filosofia nacional na sua obra História das Ideias Filosóficas no Brasil.

Portanto, é dever das novas gerações de professores de filosofia adotarem um ensino da história da filosofia que seja mais justo. Isso exige reaprendizagem e precisamos aproveitar os espaços já existentes para um novo olhar para a história da filosofia.

 

Algumas referências:

CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. Revista Filosófica de Coimbra, n. 39, p. 163-192. 2011.

PAIM, Antônio. História das Ideias Filosóficas no Brasil. 6ª edição. Londrina: Edições Humanidades, 2007

MAWERE, Munyaradzi; MUBAYA, Tapuwa R. African philosophy and Thought Systems. Bamenda: Laanga RPCIG, 2016.

WAITHE, Mary Ellen. A History of Women Philosophers: Ancient Women Philosophers 600 B.C. — 500 A.D. Volume I. Dordrecht: Springer, 1989.

 

Semana da Filósofa e do Filósofo:

 

Pensando no aprofundamento desses temas, nosso coletivo de professores de filosofia está realizando de 13 a 15 de agosto de 2020, online, três videoconferências gratuitas com o tema geral: “Os esquecimentos e os silenciamentos na história da filosofia”:

 

Dia 13/08, quinta-feira, às 19 horas – “A existência e a legitimidade de uma Filosofia Brasileira”, com prof. espta. Flávio Gonçalves, SME-Cariacica/ES.

 

Dia 14/08, sexta-feira, às 19 horas – “Epistemicídio: o caso da Filosofia Africana”, com prof. dra. Adna Cândido de Paula, UFVJM.

 

Dia 15/08, sábado, às 19 horas – “os desafios de método na recuperação de mulheres na história da filosofia, analisando os casos de Elisabeth da Bohemia e Émilie du Châtelet.”, com prof. dra. Katarina Peixoto, UERJ.

 

As transmissões podem ser acessadas livremente nos links: www.facebook.com/assoc.concipa , www.facebook.com/filosofiahodierna, e no canal do YouTube: Associação Sociocultural Concipa. Mais informações pelo e-mail: assoc.socioculturalconcipa@gmail.com.

 

 

terça-feira, 23 de junho de 2020

Abertura da I Semana Online de Filosofia


TEVE INÍCIO NESTA SEGUNDA-FEIRA A I SEMANA ONLINE DE FILOSOFIA


Com o objetivo de popularizar a filosofia e oferecer oportunidades gratuitas de aperfeiçoamento cultural, os professores de filosofia Eldécio Luiz da Silva, José Aristides da Silva Gamito e Vinícius Melo se reuniram para organizar um evento online, a I Semana Online de Filosofia, com a Associação Sociocultural Concipa. A semana tem um tema geral que é “Educação filosófica em tempos de incerteza”. Ela acontece de segunda até sábado, de 22 a 27 de junho, com as conferências transmitidas por lives na página do facebook Filosofia Hodierna.
Abriu a semana nesta segunda-feira o professor José Aristides da Silva Gamito, de Conceição de Ipanema, com o tema “Os desdobramentos sociopolíticos de uma ética do corpo a partir de Epicuro de Samos”. Confira toda a programação do resto da semana: No dia 23, professor Eldécio Luiz da Silva, de Inhapim, apresenta a conferência “A angústia para o despertar da existência autêntica em Heidegger.”
No dia 24, professor Vinícius Melo, de Carangola, desenvolve o tema: “Elucubrações platônicas: Uma analogia entre a alegoria da caverna e o estado de isolamento social.” No dia 25, professor Wanderson Fernandes de Oliveira, de Santa Magarida, traz como tema: “Uma pitada de filosofia: De uma escrava que se tornou santa.” No dia 26, professor Romildo Alves, de Pocrane, apresenta: “Filosofia, educação e psicanálise.”
A semana se encerra no sábado, às 19 horas, com o professor Luís Carlos Pinto, de Guanhães, com o tema: “Byung-Chul Han e a Sociedade do desempenho: uma reflexão sobre o trabalho docente em tempos de pandemia.” Todas as lives podem ser acompanhadas na página do facebook: https://www.facebook.com/filosofiahodierna. Quem não conseguir assistir ao vivo, poderá fazê-lo no dia seguinte no Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC65dvdFmIs0MpvT8PqYRMOg?view_as=subscriber.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Introdução da Filosofia no Brasil e o "saber de salvação"


UM CURSO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOSOFIA BRASILEIRA

Prof. Msc. José Aristides da Silva Gamito


1. Introdução

     Muitos de nós, filósofos e professores de filosofia, ainda não estamos convencidos de que exista uma filosofia brasileira. Fomos acostumados com a explicação de que tudo que se fazia no Brasil era cópia do que acontecia na Europa. De fato, como colônia portuguesa, a vida intelectual nacional estava em sintonia com o pensamento europeu. Mesmo depois da independência, a filosofia não formou uma grande tradição que influenciasse outros países. Porém, o descuido da história do pensamento nacional foi decisivo para que tivéssemos esta visão negativista da filosofia brasileira.
     Atualmente, vivemos um tempo propício para se falar de filosofia. A mídia consagrou alguns professores universitários brasileiros como Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal, Luís Felipe Pondé, Clóvis de Barros como filósofos. A filosofia que era somente discutida na academia ganhou algumas vias de popularização. Além do meio universitário, as mídias sociais têm levantado novas vozes sob o título de filósofo como Olavo de Carvalho. Esta situação nos faz pensar de que temos uma dívida com o pensamento brasileiro. Não valorizamos nossos pensadores. A popularização atual decorre muito mais da tendência de transformar pessoas públicas em estrelas pelas redes sociais do que de um compromisso de valorização da história do pensamento filosófico brasileiro.
     As aulas introdutórias à História da Filosofia no Brasil, comumente, discutem a existência de uma filosofia nacional. Há três respostas para a questão. A posição negativa considera que o brasileiro não é tão bom em filosofia, ele é sentimento e mais afeito à literatura. Em parte, nós não podemos negar, a literatura brasileira é uma marca forte. A posição positiva afirma que temos uma filosofia nacional, porém, temos problemas diferentes da Europa. Miguel Reale, Antônio Paim e Washington Vita consideram que temos uma filosofia, mas ela não é desvinculada da tradição ocidental.
     Quero considerar que temos uma filosofia brasileira que começa no século XIX e se torna mais original a partir da II Guerra Mundial. Ela não é desvinculada da tradição ocidental como as demais filosofias dos países latino-americanos. Por razões históricas e políticas, o ensino de filosofia demorou a ter uma autonomia. Este ensino esteve encerrado nos seminários e como disciplinas auxiliares em alguns cursos superiores de humanidades. A filosofia nunca foi tradição contínua no ensino básico. Portanto, é um saber que não teve merecida consideração para ter uma tradição respeitada. Mas, nem por isso, deixou de desenvolver uma história que mereça ser conhecida e estudada.
A primeira fase da filosofia no Brasil só poderia ser chamada, com um termo mais exato, de filosofia luso-brasileira. O ensino da filosofia esteve a cargo de estrangeiros e refletia as tendências do pensamento das universidades portuguesas. A partir do século XIX, sob a influência do pensamento moderno, começam as primeiras construções filosóficas no país[1] e se consolidam no século XX. Para esta síntese, vamos utilizar o método da periodização histórica para traçar uma linha evolutiva da filosofia nacional.

2.  A filosofia como disciplina soteriológica: a introdução do ensino de filosofia no Brasil (1572-1759)

O ensino de filosofia no Brasil tem seu início dentro da Segunda Escolástica (séculos XVI a XVIII).[2] O currículo era determinado pela Ratio Studiorum. Uma das regras deste diretório determinava que as obras filosóficas que deveriam ser postas à disposição dos alunos eram as obras de Aristóteles e a Suma Teológica de Tomás de Aquino.[3] As primeiras experiências com o ensino de filosofia no Brasil aconteceu com os jesuítas. Em 1572, eles introduziram o ensino de filosofia no Colégio da Bahia. E, em 1580, no Colégio de Olinda. No século XVII, o Colégio do Rio passou a ensinar filosofia em nível superior. Esta escola forma os primeiros pensadores em terras brasileiras que representaram um tipo de filosofia voltado para as necessidades da realidade brasileira da época. As graduações no Brasil, de fato, só começaram a partir de 1808.
Este pensamento é chamado de “saber de salvação” e seus principais representantes são Manoel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. O “saber de salvação” é uma pedagogia que preparava o homem para a valorização da transcendência em detrimento da imanência.[4] Os assuntos de interesse desses pensadores eram a moral e as orientações para a salvação do homem.
 Nuno Marques Pereira (1652-1728) é o típico representante do “saber de salvação”. Sua obra é o “Compêndio narrativo do peregrino da América”. Este livro consiste de aconselhamento de um peregrino aos moradores ao longo do caminho que percorre. A obra tem uma finalidade moral. A sua compreensão do papel da filosofia ainda é dependente do uso medieval, ela está submissa à teologia. A moral é a parte da filosofia mais superior. Portanto, todo o esforço filosófico é para tornar o homem virtuoso e merecedor da salvação. A exaltação da vida futura faz com que o tempo presente seja visto como transitório, um motivo para o desprezo da condição humana. Os grandes inimigos do homem são aqueles da moral católica tradicional: carne, mundo e demônio. A filosofia é um conhecimento instrumentalizado como reflexão moral católica.
A fase do “saber de salvação” será interrompida pela expulsão dos jesuítas do Reino de Portugal, em 1759. Todo o ensino de filosofia na metrópole e nas colônias seguiam as diretrizes pedagógicas da companhia contidas na Ratio Studiorum.[5]




[1] CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. Revista Filosófica de Coimbra, n. 39, 2011, p. 163-192.
[2] Paim explica: “o período da filosofia portuguesa que se inicia com Pedro da Fonseca (1528/1597) e se estende até meados do século XVIII, foi sugerida a Joaquim de Carvalho pela obra de Carlo Giacon”.  E “a Segunda Escolástica Portuguesa compreenderia duas fases: o período barroco (meados do século XVI às primeiras décadas do século XVII) e o período escolástico propriamente dito” (meados do século XVII a meados do XVIII) (PAIM, 2007, p. 10).
[3] PAIM, Antônio. História das Ideias Filosóficas no Brasil. 6ª edição. Londrina: Edições Humanidades, 2007, p. 14.
[4] SANTOS, Thiago Ferreira dos. Panorama Histórico da Filosofia no Brasil: da chegada dos jesuítas ao lugar da filosofia na atualidade. Seara Filosófica, N. 12, Inverno, 2016, p. 126-140.
[5] PAIM, p. 10.



Anais do I Seminário de Epistemologia da Religião de 2019

No dia 21 de junho de 2019, realizamos com a turma do 3º ano de filosofia do Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, em Caratinga, o I Seminário de Epistemologia da Religião. O tema proposto foi: “A racionalidade das crenças religiosas: Uma proposta para debate”. Agora disponibilizamos os artigos no Academia:



quarta-feira, 22 de abril de 2020

Eclesiastes e helenismo


6 – APROXIMAÇÕES ESTOICAS E EPICÚREAS DO COHÉLET



Muitas especulações foram feitas a respeito da temática comum do livro do Antigo Testamento, o Cohélet ou Eclesiastes, e a filosofia helenista. É difícil demonstrar uma influência de filósofos gregos direta sobre o autor deste livro. Embora, a data mais recente para a sua composição, de 350 a 180 antes de Cristo[1], coincida com um período de influência helenista sobre Israel. Mas outras datas mais antigas são propostas. As éticas helenistas se inserem na tradição filosófica grega e o Cohélet, na Hokhmah, a tradição sapiencial judaica. Neste texto, vou considerar apenas uma coincidência de temas.
O livro do Cohélet tem muitas idéias afins ao estoicismo e a o epicurismo. Mas também com o ceticismo de Arcesilau e com os filósofos cínicos.[2] Vamos identificar alguns temas do Cohélet e sua relação com as éticas helenistas:
1.       Transitoriedade: O Cohélet considera tudo na vida como transitório (Ecl 1,2). As gerações se sucedem, mas a terra permanece a mesma (1,3). Marco Aurélio compartilha este pensamento estóico dizendo que tudo ao mesmo desde sempre, não importa e alguém vive cem ou duzentos anos (Med., II, 14).
2.       Não há legado. A morte de algum modo é boa porque faz cessar o sofrimento. O Cohélet reclama que a sorte dos mortos é melhor do que dos vivos. O homem e o animal têm o mesmo destino (Ecl 3, 19). Epicuro de Samos também aconselha para não temermos a morte justamente por ela ser a extinção de todas as sensações. Cícero, um pensador eclético, considera igualmente a morte como um bem.
3.       Acúmulo de bens. Não há vantagem em ser rico e conquistar muitas coisas, tudo é vaidade (Ec2). O sábio e o insensato têm o mesmo destino.Além disso, a morte é o destino certo para os bons e os maus (Ecl 9,2). O Cohélet louva a obediência aos mandamentos e o estóico e epicurista, a razão.
4.       O prazer é o fundamento da felicidade. Segundo o Cohélet, “a felicidade do homem é comer e beber” (Ecl 2,3). Esta constatação coincide com os fundamentos do epicurismo. Epicuro defendia que o prazer era o princípio da felicidade. O Cohélet repete esta fórmula mais duas vezes: “não há felicidade a não ser no prazer e no bem-estar” (Ecl 3,12); “não existe felicidade para o homem debaixo do sol, a não ser o comer, o beber e o alegrar-se” (Ecl 8,15). A mesma alternativa aparece, indiretamente, uma terceira vez, quando ele afirma que resta ao homem comer, beber, alegrar-se, perfumar-se e desfrutar com sua amada (Ecl9, 7-9).
5.       O controle das emoções.  A agitação do desejo traz sofrimento. Mas vale contar com o que se tem diante dos olhos (Ecl 6,9). O estoicismo possui o conceito de representação. Não devemos nos prender na representação, na expectativa que fazemos do mundo. A realidade não obedece nossos desejos.
6.       A importância da sabedoria. O conhecimento e a reflexão ajudam a reconhecer o mal (Ecl 7, 26). Seguir os mandamentos é a solução da vida virtuosa (Ecl 8,5). Os epicuristas e os estoicistas consideram que a razão e a reflexão auxiliam o homem a viver uma vida moral correta. Para Cícero, a vida virtuosa é inclinar-se para os bens verdadeiros.
Concluindo, o Cohélet concorda com o epicurismo ao colocar a felicidade nos prazeres naturais como a comida e a bebida. Assim como a reflexão é importante para os filósofos helenistas, observar os mandamentos também é importante para o Cohélet. Com o estoicismo, o Cohélet compartilha a idéia de que não se deve apegar aos prazeres e as vantagens do mundo porque tudo é vaidade. Todas as nossas conquistas serão apagadas com a morte. Muito desejo causa sofrimento. Portanto, o homem deve se contentar com os prazeres naturais e observar os mandamentos para viver bem.

Textos:

Bíblia de Jerusalém.
GAMMIE, John. Stoicism and Anti-Stoicism in Qoheleth.Tulsa, p. 174.




[1]GAMMIE, John. Stoicism and Anti-Stoicism in Qoheleth.Tulsa, p. 174.
[2]GAMMIE, John. Stoicism and Anti-Stoicism in Qoheleth.Tulsa, p. 174.


O poder da enkráteia


 5 – A RESISTÊNCIA DO SÁBIO CÍNICO



O movimento cínico foi um dos movimentos filosóficos mais impactantes da antiguidade. Vamos buscarem Diógenes de Sinope, o cínico por excelência, as orientações para a vida feliz.

A felicidade é viver de acordo com a natureza; (2) a felicidade é algo disponível para qualquer pessoa disposta a se dedicar a um treinamento físico e mental suficiente; (3) a essência da felicidade é o autodomínio, que se manifesta na capacidade de viver feliz mesmo nas circunstâncias mais seriamente adversas; (4) autodomínio é equivalente a, ou envolve, um caráter virtuoso; (5) a pessoa feliz, assim entendida, é a única pessoa verdadeiramente sábia, nobre e livre; (6) as coisas convencionalmente julgadas necessárias para a felicidade, como riqueza, fama e poder político, não têm nenhum valor na natureza; (7) os principais impedimentos à felicidade são falsos juízos de valor, juntamente com as perturbações mentais e o caráter vicioso que derivam desses juízos falsos.

            Primeiramente, a fórmula da felicidade é viver de acordo com a natureza e é uma condição que está ao alcance de todos.  Além disso, podemos ser feliz nos tempos bons e nas adversidades. Através do autodomínio, desenvolvem-se todas as virtudes. Os falsos juízos de valor nos impedem de ser felizes. Os cínicos tinha desprezo pelas convenções sociais, pela riqueza e pela fama. Neste ponto, todas as éticas helenistas estão de acordo, a riqueza não traz felicidade.
            O autodomínio (enkráteia) é o exercício mais forte na ética cínica. Vários filósofos gregos concordam que o autodomínio ajuda o homem viver bem, evitando atitudes indesejáveis. O sábio cínico levava muito a sério o autodomínio. Ele se abstinha de todas as necessidades supérfluas, era indiferente a tudo que é convencional, mundano. No lugar de se preocupar com vantagens, riquezas e famas, o cínico concentrava seus esforços em controlar seus instintos e paixões. Os estoicos também recomendava isso também. Vencer a si mesmo deve ser a maior preocupação do sábio.
            Os cínicos consideravam os animais como os grandes exemplos de bem viver. Eles procuram somente o necessário para a sua vida. Estes filósofos são chamados exatamente de cínicos, de kyon “cão”.  Isso nos leva ao segundo conceito mais importante do cinismo, a autossuficiência. Isto é, bastar a si mesmo, não ter muitas necessidades e preocupações. O homem sábio deve ser totalmente livre das circunstâncias.
            Podemos notar algumas coincidências entre a filosofia helenista e a tradição bíblica. O livro do Eclesiastes apresenta temas comuns ao estoicismo e ao epicurismo. Nesta direção, alguns estudiosos já indicaram também uma semelhança entre Jesus e os filósofos cínicos. Jesus desaconselhava o acúmulo de riqueza, a resistência interior e orientava que a cada dia basta a sua preocupação.

Textos:

DIAS, Rafael Parente Ferreira Dias. A importância da felicidade na filosofia cínica. Griot– Revista de Filosofia, Amargosa, Bahia – Brasil, v.10, n.2, dezembro/2014.

A atitude adoxástica


4 - O ENFRENTAMENTO DAS AFLIÇÕES E A SUSPENSÃO DAS OPINIÕES



O ecletismo foi um dos movimentos filosóficos do período helenista que tendem absorver um pouco de cada ética. Um dos principais representantes desta filosofia é o escritor romano Cícero (106-43 a. C.).  O filósofo considerava que o domínio de si é a grande força para se viver uma vida virtuosa. Existem muitos bens, mas o homem e a mulher devem se centrar nos bens da alma.  As riquezas e a fama são desaconselhadas.
A força de vontade (tensão) é o impulsor do autodomínio. Mesmo tendo um claro propósito de sempre buscar o bem, a pessoa precisa de exercitar a virtude, ter o auxílio dos outros e procurar a conversação anterior. Cícero não acreditava no sábio perfeito. A tranquilidade, grande meta das éticas do helenismo, também é recomendada pelos ecléticos.  O homem precisa utilizar o autodomínio para enfrentar a dor e o sofrimento. A aflição diante do sofrimento só aumenta os males. O que mais nos aflige são ideias que temos sobre o sofrimento, se buscarmos a reflexão superaremos melhor.
O ceticismo foi um movimento filosófico que questionava os limites do conhecimento, mas também que gerava uma atitude ética. Pirro de Élida foi o iniciador desta filosofia. Segundo uma citação de Eusébio de Cesareia, o fundador do ceticismo dizia que quem deseja ser feliz deve examinar a natureza das coisas. Elas são indiferenciadas, instáveis e indecidíveis.  Não devemos confiar nos sentidos. A atitude do cético é permanecer sem emitir opinião (adoxastos). Em geral, o preceito é viver na indiferença e na imperturbabilidade.

Texto:

CÍCERO. Disputas Tusculanas I e II.

Hedonismo epicurista


3 - O PRAZER COMO FONTE DE FELICIDADE



O epicurismo foi um movimento filosófico da antiguidade que valorizava o prazer como fonte da felicidade. Seu fundador foi Epicuro de Samos (341-270 a. C.). Uma das fontes para o conhecimento do pensamento de Epicuro é o livro X da obra As Vidas dos Filósofos de Diógenes Laércio. Os textos principais são a Carta a Meneceu, Carta a Heródoto, Carta a Pitocles e Sentenças Vaticanas.
Segundo Epicuro, “todo prazer, por sua própria natureza, é um bem, não tem que escolher todos”.  O comportamento instintivo de todos os animais são guiados para buscar o prazer e evitar a dor. Porém, quando se fala em prazer, muitos, logo, vão pensar no hedonismo de uma vida sem limites. Mas Epicuro entendia o prazer como “ausência de sofrimentos físicose de perturbações da alma”.
Os prazeres devem ser escolhidos com sabedoria. Existem muitas formas de prazer, mas nem todos devem ser procurados. Se a busca por um prazer causa a alguém mais males do que bem-estar, então, este é um prazer desaconselhável. A regra procurar prazeres que não impliquem grandes dores.
O impulso para a busca do prazer é o desejo. Epicuro ensinava que devemos saber classificar os desejos. Alguns são naturais e necessários, mas outros são naturais e não são necessários. Assim como existe uma terceira classe que envolve desejos que não são nem naturais e nem necessários.
Diferentemente do que uma mente contemporânea espera, a ética epicurista valoriza a parcimônia, a frugalidade. Os desejos de riqueza e de fama são prazeres transitórios e não-naturais. A regra da vida é não causar e nem receber nem um dano.

Textos:

SAMOS, Epicuro de. Carta a Meneceu. 130.

SAMOS, Epicuro de. Máximas Capitais. VIII.

Representação e Prudência


1.   AS REPRESENTAÇÕES NEGATIVAS



Em tempos de crise, vamos buscar consolações na filosofia. Epicuro de Samos (341-270) e Epicteto são filósofos da antiguidade que podem nos ajudar muito com seus conselhos morais. Epicuro é o fundador do epicurismo. Enquanto, Epicteto é um estóico. Apesar de terem concepções opostas, são éticas que podem atuar juntas.
Segundo Epicteto, “as coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas”. Em tempos de crise, devemos procurar manter uma opinião sobre os fatos que nos possibilitem encontrar a tranquilidade. A opinião que temos do sofrimento e da morte torna tudo mais difícil.
As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas. Por exemplo a morte nada tem de terrível ou também a Sócrates teria se afigurado assim , m as é a opinião a respeito da morte de que ela é terrível que é terrível! Então, quando se nos apresentarem entraves ou nos inquietarmos ou nos afligirmos, jamais consideremos outra coisa a causa, senão nós mesmos isto é as nossas próprias opiniões.[1]
A opinião sobre um acontecimento faz toda a diferença. Existem muitas possibilidades sobre o futuro. Se você escolhe se preocupar com as possibilidades menos relevantes, comprometerá o cuidado com o momento. Portanto, procure pensar na possibilidade de que as coisas vão ocorrer bem e esteja firme para fazer o que é necessário no tempo oportuno. O pensamento negativo sobre o futuro compromete nosso presente. Se superarmos as representações nocivas sobre os fatos, conseguiremos manter a nossa tranquilidade.
Diante das adversidades, Epicteto aconselhava a criar virtudes de resistência. Ninguém pode evitar alguns acontecimentos, mas pode trabalhar sua representação sobre eles sem os desejos. Não deixar ser afetados pelos acontecimentos é uma virtude. O mundo nem sempre corresponde aos nossos desejos. Portanto, somos nós que temos de adequar nossos desejos.[2] Só podemos mudar o que pode ser mudado e devemos nos conformar com aquilo que não pode ser mudado.
Com o pensamento positivo, teremos mais condições de tomar nossos cuidados. De acordo com Epicuro, a vida feliz depende da prudência.[3] Ser prudente é prever os futuros danos e se antecipar no cuidado. Muitas vezes, para termos prazer no futuro, devemos renunciar algumas coisas. A prudência manda a gente prevenir e saber medir as perdas e os ganhos. Não temos certeza do desenrolar das coisas, mas se agirmos com cautela, nós não teremos motivos para arrependimentos.

Textos:

EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto.  São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012.

EPICURO. Carta sobre a Felicidade. São Paulo: Editora UNESP, 2002.




[1] EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto.  São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012, p. 19.
[2]EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto.  São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012.
[3]EPICURO. Carta sobre a Felicidade. São Paulo: Editora UNESP, 2002. P. 45.

Introdução às éticas helenistas I


1.   OS SÁBIOS HELENISTAS



            Depois da morte de Alexandre Magno em 323 antes de Cristo, como resultado de seu domínio sobre os povos do Oriente, formou-se um tipo de cultura na antiguidade que chamamos de helenismo. Segundo Battista Mondin, helenismo é a “universalização da língua e da cultura grega, de sua expansão pelos países orientais”, impulsionada pelo império de Alexandre.[1] Depois de 322, inicia-se um período na história da filosofia chamado de pós-aristotélico ou helenista.
            A nova tendência dentro da filosofia neste período helenista, que se estende até século III depois de Cristo, foi marcada por discussões eminentemente éticas. Quatro movimentos filosóficos são notáveis nesta época: o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo, o ecletismo e o ceticismo. Por ora, vamos nos deter nas duas principais éticas daquele tempo. São a ética estóica e a ética epicurista. Estes movimentos transformaram a filosofia em algo prático. Eles atraíram muitos adeptos porque compreendiam a filosofia como arte de viver.[2]
            Comecemos pelo estoicismo. O iniciador do estoicismo foi Zenão de Cítio que viveu de 333 a 262 antes de Cristo. Esta escola filosófica teve várias fases e se estendeu do século IV antes de Cristo até o III depois de Cristo. Esta escola influenciou bastante a moral do cristianismo.
            Segundo a ética estóica, o objetivo da vida é a felicidade. Mas ninguém pode alcançá-la se não viver de acordo com a natureza. Viver segundo a natureza é conformar-se com a necessidade. O homem e a mulher para serem virtuosos eles devem ser governados pela razão. Eles devem manter uma harmonia interna entre a razão e as emoções. Estas duas dimensões humanas são extremas e opostas.
            A pessoa virtuosa deve superar as emoções, procurando ser indiferente às contingências da vida e sem se preocupar com aquilo que não está sob seu poder. Para o sábio estóico, uma noção importante para ser feliz é entender que existem acontecimentos que dependem de nós e há aqueles que não dependem. Portanto, dirija seu pensamento para aquilo que depende de você, evite se apegar àquilo que está sujeito às mudanças. Epicteto dizia que devemos nos comportar como se fôssemos um simples hóspede neste mundo.
            A primeira lição do estoicismo que vamos deixar aqui é apátheia. Trata-se do desapego das coisas e dos acontecimentos. Isso se faz anulando aquelas emoções que nos prendem ao que é passageiro. O filósofo Marco Aurélio aconselhava “não permitas que te arrastem os acidentes exteriores”. A pré-noção que temos delas nos aprisiona. Ainda nem aconteceu e já estamos sofrendo por antecipação. A vida feliz depende do desapego e da harmonia interior. Deixe-se ser guiado pela natureza, pela razão.

Textos:

MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 1981.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Antiguidade e Idade Média. Volume I. São Paulo: Paulus, 2003.

SHARPLES, R. W. Stoics, Epicureans and Sceptics: An Introduction to Hellenistic Philosophy. London; New York: Routledge, 1996.



[1]MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 1981, p. 107.
[2] MONDIN, 1981, p. 108.

 

Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001