Social Icons

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Quando os filósofos falam de felicidade

 

Neste dossiê que desenvolvemos com os alunos do 1º ano de Filosofia do Seminário Diocesano, procuramos reunir as propostas de vários filósofos sobre felicidade. O projeto de pesquisa integrou a proposta de iniciação científica dentro das aulas de Dissertação Filosófica no ano de 2022. Baixe gratuitamente: https://www.academia.edu/91579403/Quando_os_fil%C3%B3sofos_falam_de_felicidade

 


 

domingo, 15 de maio de 2022

ESCOLA SEXTIANA: UMA PARCERIA ENTRE FILOSOFIA E MEDICINA

 

          A escola sextiana ou escola dos Sêxtios corresponde a uma corrente de filósofos do período helenista inciada por Quinto Sêxtio, o Velho (50 antes de Cristo). São associados à escolas os nomes de  Sêxtio Níger, filho de Sêxtio; Sótion, Papírio Fabiano, Crassício Pasides, Celso Cornélio. Eles associavam medicina e filosofia. As fontes sobre Sêxtio são duas: Claudiano Mamerto e Sêneca.

          Os sextianos cultivavam uma filosofia moral com enfoque no problema da felicidade. Além de conceitos, eles se centravam em práticas para o aperfeiçoamento da alma, dentre essas estavam:

Ø Realização de exames de consciência todas as noites;

Ø Proibição de comer carne;

Ø Manutenção de uma vida frugal;

Ø Afastamento dos vícios;

Ø Crença num poder incorpóreo que percorria o corpo dando-lhe unidade.

          Algumas fontes preservaram ideias dos membros da escola. Quinto Sêxtio defendia uma dieta sem alimento animal. Ele argumentava que já existe alimento suficiente, de modo que os homens não dependem mais de usar a crueldade com os animais para obter a carne.

          Sêxtio Níger se interessava por medicina. Ele acreditava que a alma era incorporal, ilocal e aespacial.

          Sótion de Alexandria também defendia que não deve consumir carne e ensinava seus alunos a suspenderem o juízo.

          Papírio Fabiano (35 antes de Cristo) criticava a riqueza, defendia que o bem deve ser procurado como um fim em si mesmo, a precaução quanto à imprevisibilidade do destino. E acreditava na paligênese universal (um dilúvio que destruiria tudo).

          Crassício Pasciles tinha uma escola de gramática e não se sabe sobre seus ensinamentos, somente que foi adepto dos sextianos. Aulo Cornélio Celso não permaneceu na escola. O mesmo ocorreu com Sêneca, o Jovem.

 

Referência

  DI PAOLA, Omar. The Philosophical Thought of the School of the Sextii. Epekeina, vol. 4, n. 1-2, 2014, p. 327-339, 2014.

Artigo recomendado: O pensamento filosófico da escola dos Sextii.

domingo, 3 de abril de 2022

Hipácia de Alexandria: conhecendo uma pensadora neoplatônica

 

José Aristides da Silva Gamito[1

 

Hipátia, interpretada por Rachel Weisz no filme Alexandria.

1 Vida, pensamento e obras

 

Hipácia de Alexandria nasceu em 375 depois de Cristo, em Alexandria, no Egito. Era filha do matemático Teão. Oriunda de uma cultura que negava a oportunidade da educação para as mulheres, Hipácia recebeu uma formação sólida e se tornou uma intelectual bem sucedida. Ela nasceu numa fase de transição entre paganismo e cristianismo. Depois da liberdade religiosa conferida pelo Império Romano aos cristãos, o paganismo acabou perdendo espaço. Mais tarde, os pagãos passaram a ser perseguidos. Em Alexandria, grande centro cultural do Egito da época, as disputas por hegemonia na cultura e na política geraram grandes desentendimentos e enfrentamentos.

A época de Hipácia foi muito desafiante para os egípcios porque representa uma transição dos valores pagãos para os cristãos. No meio do crescimento do cristianismo, o Museum resistia como um reduto dos intelectuais pagãos. Teão, pai de Hipácia, foi exímio professor de matemática e astronomia nessa instituição. A filósofa provavelmente foi escolarizada pelo pai e acabou tendo acesso às aulas de outros mestres do Museum. Naquela época, estava em voga em Alexandria a escola neoplatônica (WAITHE, 1992, p. 170).

Hipácia estudou filosofia, matemática e astronomia. Tornou-se professora nessas ciências e chegou a dirigir a escola neoplatônica de Alexandria. Ela atingiu o feito raríssimo de ser uma professora remunerada pelo Estado, isto é, pelo Império. Isso se deveu à boa reputação que tinha entre os magistrados e com o prefeito da cidade, Orestes (MARTINO; BRUZZESE, 1996; SALISBURY, 2001). Apesar de ser uma professora famosa e requisitada até por estudantes de nações distantes, ela sofria a oposição dos cristãos alexandrinos por ser pagã. O bispo Cirilo estava travando uma ofensiva contra os pagãos da cidade e um grupo de monges nitrianos enraivecidos atacaram Hipácia, dilaceraram seu corpo e o queimaram. Ela morreu em 415 como vítima de intolerância religiosa. A perseguição que sofreu fazia parte desse contexto turbulento no qual cristãos e pagãos procuravam dominar a cultura e a política no Egito do século V (MARTINO; BRUZZESE, 1996; SALISBURY, 2001).

Hipácia escreveu três obras que são o Comentário sobre o Arithméticum de Diofanto, Comentário sobre a Sýntaxis Mathemática de Ptolomeu e o Comentário sobre as Seções Cônicas de Apolônio Pergeu. As obras foram perdidas, provavelmente, durante a destruição da biblioteca de Alexandria (WAITHE, 1992, p. 174). O pensamento filosófico de Hipácia pode ser reconstituído de modo indireto e hipotético visto que não chegou até nós nenhuma obra sua de assunto filosófico. Hipácia ensinou a filosofia de Platão, de Aristóteles e de Plotino. A informação que temos de que ela foi diretora da escola neoplatônica a filia diretamente na corrente do neoplatonismo (WAITHE, 1992, p. 193).

 

2 A reconstituição do pensamento filosófico de Hipácia

 

O ponto de partida é a recepção das doutrinas de Platão no Egito do século III. Plotino (205-270 d. C.) foi o fundador do neoplatonismo. Essa extensão do platonismo se desenvolveu no Egito e teve influência diretamente sobre Hipácia. Esse pensamento representa a fusão entre as ideias de Platão e as religiões pagãs existentes no Egito. O neoplatonismo busca elevar a visão de mundo dessas religiões. Segundo os neoplatônicos, Deus é único e sua natureza não pode ser expressa por meio de qualidades humanas. Ele é totalmente distinto do mundo. Assim ele é inatingível pelas criaturas imperfeitas. Essas procedem de Deus, mas são imperfeitas e inferiores (MONDIN, p. 126-127).

Plotino ensinava que o Uno (isto é, Deus) pode ser reconhecido imediatamente pelos seres humanos. O universo aponta para isso. Mas esse reconhecimento da existência do divino não torna o ser humano capaz de descrever Deus e de enumerar as suas características. No mínimo, podemos dizer o que Deus não é (essa abordagem chama-se teologia negativa). Tudo que se possa pensar sobre o Uno, ele é mais. Enfim, ele é indizível e inominado. Essa visão sobre o divino traz como consequência uma postura mística, de busca do divino sem a pretensão de descrevê-lo (MONDIN, p. 127-128).

A filosofia de Plotino considerava que todas as coisas procedem do Uno sem prejuízo para a sua integridade. Todas as coisas foram originadas dele. Isso significa que Plotino não acreditava em criação do mundo, mas em processão/emanação. A imagem utilizada para a explicação desse processo é o sol e seus raios. A multiplicidade de criaturas no universo procede do Uno sem alterar a sua existência como os raios provêm do sol sem diminuir sua luz. A processão acontece partindo das criaturas mais perfeitas para as imperfeitas. A criação é toda hierarquizada no pensamento de um neoplatônico. A matéria é a emanação derradeira do Uno e, portanto, é a mais imperfeita e, consequentemente, má. Por isso, ela é fonte de ignorância, sofrimento, envelhecimento, morte. Mas esteja atento para esse ponto. Ela não é um mal absoluto, apenas a negação do bem (MONDN, p. 129-130).

O homem é o ponto central da emanação. Ele reflete os dois extremos da existência: o espírito e a matéria. A alma é entendida por Plotino como distinta do corpo e preexistente a este. A união de corpo e de alma aconteceu por necessidade da existência. Em outras palavras, elas são os pontos de contato entre a realidade perfeita, superior e a imperfeita, inferior. Essa composição provoca no homem um conflito: a alma o eleva e o corpo o rebaixa. Ou seja, enquanto a alma o impulsiona para a realidade espiritual, o corpo quer levá-lo a usufruir da matéria. O dever do homem é reestabelecer a unidade das duas partes com o Uno. O retorno da alma é fruto da liberdade humana e do empenho de sua vontade. Por fim, o caminho para a união com o Uno passa pela ascese (exercícios das virtudes cardeais), a contemplação (através da filosofia) e o êxtase (união mística com o Uno). O resultado final da existência humana é o confundir-se da alma com o Uno (MONDN, p. 130-132).

Considerando os fundamentos teóricos do neoplatonismo, podemos dizer que Hipácia de Alexandria pensava a realidade de modo dualista; Deus era entendido no sentido da teologia negativa; o estudo da filosofia e a prática da virtude eram meios para aperfeiçoar o ser humano moralmente, misticamente. Todas essas ideias eram enriquecidas por uma visão matemática do universo. Esse é um caminho possível para redescobrir a filosofia de Hipácia. Outras leituras podem e devem ser feitas.

 

REFERÊNCIAS

 

MARTINO, Giulio de; BRUZZESE, Marina. Las filósofas. Traducción de Mónica Poole. Valencia: Universitat de València, 1996.

 

MONDIN, Batista. Curso de Filosofia. Volume 1. São Paulo: Paulus, 1981.

 

SALISBURY, Joyce. Encyclopedia of Women in the Ancient World. California: Abc-clio, 2001.

 

WAITHE, Mary Hellen. A History of Women Philosophers. 600 BC – 400 AD. Volume 1. Dordrecht: Springer, 1992.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Pré-socráticos nas obras de Filodemo de Gádara

 AS FONTES PARA OS PRÉ-SOCRÁTICOS NOS PAPIROS HERCULANENSES[1]

 

José Aristides da Silva Gamito[2]

 

1.    Introdução

 

Os pré-socráticos são aqueles primeiros filósofos que viveram entre os séculos VII e V antes da era comum. São eles que inauguraram a história da filosofia na Grécia, no entanto, por causa das poucas obras em fragmentos que chegaram até nós existe uma dificuldade em compreender suas teorias. A dificuldade do acesso passa a impressão de que eles são menos importantes.

Existe um esforço em recuperar suas teorias por meio de fragmentos e de testemunhos de outros autores antigos. As fontes são de dois tipos: os fragmentos que são citações dos pré-socráticos em outras fontes e os testemunhos que são explicações que outros autores deram sobre suas ideias. Além de Platão e Aristóteles que dependeram de explicar algumas ideias dos pré-socráticos para depois apresentar suas próprias doutrinas, temos Entre 75 e 50 a. c. - Sýntax ton philosóphon de Filodemo de Gádara, entre 55 e 43 a. c. – testemunhos de Cícero. No século II d. C. – Sexto Empírico. No século III d. C. – Vidas e Opiniões dos Filósofos Ilustres de Diógenes Laércio.

Para quem já se aventurou na história da filosofia já se deparou com esses primeiros comentadores ou compiladores de filósofos antigos.  Quero aprender as fontes menos conhecidos e supreendentes que vieram dos papiros herculanenses que foram encontrados na Itália no século XVIII.

Nas obras do epicurista Filodemo de Gádara encontramos testemunhos sobre cerca de 40 pré-socráticos. O pesquisador Christian Vassallo fez um trabalho de levantamento dessas fontes recentemente, vou apresentar uma síntese de parte desse material. Além das obras De Rhetórica, De Pietate, Filodemo foi o primeiro a escrever uma história da filosofia.  A obra chamada de Sýntax ton philosóphon continha as seguintes seções:

 

a)      A História da Academia ou Academicorum Index (PHerc. 1691/1021 e PHerc. 164);

b)      A História da Stoá ou Stoicorum Index (PHerc. 1018);

c)      A História do Jardim ou Epicureorum Index (PHerc. 1780);

d)     A História de Sócrates (PHerc. 495 e PHerc. 558).

e)      A História da Escola Pitagórica (PHerc. 1508).

f)       A História das Escolas Eleata e Atomista (PHerc. 327).

 

A seguir transcrevemos e traduzimos alguns testemunhos sobre os pré-socráticos nas obras de Filodemo de Gádara:

 

2.    Os pré-socráticos nos papiros herculanenses

 

I – DE RHETÓRICA. O Livro IV da Retórica de Filodemo que se encontra nos papiros PHerc. 1423 e PHerc. 1673/1007 apresenta os seguintes testemunhos:

 

Pré-socrático

Testemunho

01

Anaxágoras de Clazômena

“todas as coisas estão no todo”

02

Metrodoro de Quio - atomista

“o não saber e o nem saber é a mesma coisa”

03

Parmênides de Eleia

“o todo seja um e que o fato das sensações é enganoso”

04

Nausífanes de Téos

Só referência

(VASSALLO, 2015).

 

II – DE PIETATE. Filodemo apresenta as opiniões de vários filósofos nessa obra sobre teologia e critica a posição dos pré-socráticos. É uma obra importante para entender a relação entre ateísmo e crenças em deuses na antiguidade. Estão no PHerc. 1428.

 

Pré-socrático

Testemunho

01

Anaxímenes de Mileto

“Deus é ar”, “ele erroneamente concebe Deus como desprovido de sensibilidade”.

02

Anaxágoras de Clazômena

“é por casa da Mente que impõe ordem ao universo que o movimento sempre esteve, é e será” [...] “a Mente regula e governa todas as coisas”. “dá a impressão de eliminar os deuses”.

03

Pitágoras de Samos

Os deuses não falam, nem ouvem e nem têm tamanho, beleza ou forma.

04

Xenófanes de Cólofon

“Deus move todas as coisas e de maneira nenhuma é movido por outras coisas”.

05

Parmênides de Eleia

Pensou o primeiro Deus como inanimado.

06

Empédocles (?) de Agrigento

Prestou culto aos deuses.

07

Demócrito de Abdera

Zeus não tratava com desprezo as coisas humanas.

08

Heráclito de Éfeso

“Deus é fogo”, “Zeus governa tudo” e todos os opostos coincidem com o divino.

09

Diógenes de Apolônia

Elogiou Homero por falar dos deuses sem mitologia. Homero acreditava que Zeus era ar.

 

Pródico de Ceos e Deágoras

Os deuses não existem (Pródico). Os deuses eram todos bons (Deágoras).

(VASSALLO, 2018).

 

III – HISTORIA PHILOSOPHORUM. Nesta obra Filodemo desenvolve uma síntese da história da filosofia até o século I antes da era comum. De seu testemunho sabemos que:

 

Pré-socrático

Testemunho

01

Parmênides de Eleia

«(várias linhas faltando) então, estes [são os fatos relativos ao seu (scil. Vida de Parmênides. No que diz respeito ao seu pensamento, por outro lado, ele (scil. Parmênides) foi o primeiro a sustentar, contra as crenças] de Xenófanes, que [a Terra] tem uma forma esférica. Na verdade, Xenófanes, em vez disso, pensou que (scil. a Terra) afunda suas raízes no infinito] (várias linhas faltando)”

02

Xenófanes

Parece que acreditava que a Terra se estendia ou se confundia como infinito.

(VASSALLO, 2014).

 

Referências:

 

VASSALLO, Christian. Xenophanes in the Herculaneum Papyri Praesocratica Herculanensia IV. Archiv für Papyrusforschung 60/1, 2014.

______________. Testimonianze su Anassagora e altri Presocratici nella Retorica di Filodemo. Lexicon Philosophorum 3, 2015.

_____________. The ‘Pre–Socratic Section’ of Philodemus’ On Piety: A New Reconstruction Praesocratica Herculanensia X. Archiv für Papyrusforschung 64/1, 2018.

 

Referências sobre os pré-socráticos:

 

BORNHEIM, Gerd A. Os pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1998.

 

COLLI, Giorgio. La sabiduría griega II. Tales. Anaximandro. Anaxímenes. Madrid: Trotta, 2008.

 

___________. La sabiduría griega III. Heráclito. Madrid: Trotta, 2010.

 

LAMI, Alessandro. I presocratici: testemonianze e frammenti da Talete a Empedocle. Milano: Rizzoli, 1995.

SOUZA, José Cavalcante de (Org.). Pré-Socráticos. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2000.

 



[1] Notas de pesquisa sobre epicurismo e Filodemo de Gádara.

[2] Professor de filosofia e mestre em ciências das religiões. E-mail: joaristides@gmail.com.

 

Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001