II - EXERCÍCIO
DE LEITURA DE UM TEXTO FILOSÓFICO
Da leitura ao comentário de um texto filosófico
3.1. DIRETRIZES DA LEITURA
ANALÍTICA:
Segundo o esquema
proposto por Severino, podemos seguir as etapas abaixo na leitura analítica de
um texto:
1. Análise
textual.
2. Análise
temática.
3. Análise
interpretativa.
4. Problematização.
5. Reelaboração
reflexiva (comentário).
Para
a assimilação do método de leitura analítica, propomos o estudo de três textos
da filosofia antiga: Carta a Meneceu
de Epicuro (nível simples), a Metafísica
(nível complexo) e Apologia de Sócrates (nível
intermediário).
3.2. TEXTO A SER LIDO:
1ª
Delimitação do texto – sempre quando vamos fazer uma
leitura analítica de um texto devemos delimitar um trecho. Em seguida, devem-se
enumerar os parágrafos para facilitar a localização das passagens.
2ª
Elaboração da ficha de leitura – para compreensão da
obra é importante ter as informações gerais do texto e do autor. Considera-se
neste passo também o contexto.
A - CARTA A MENECEU:
Ficha de leitura:
Tema: Felicidade.
Área:
Ética.
Bibliografia:
SAMOS, Epicuro de. Carta a Meneceu.
Tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore. São Paulo: UNESP, 2020.
Autor:
Epicuro de Samos (341-270 antes de Cristo).
Gênero literário:
carta instrutiva / epístola didática.
Escola:
epicurismo.
Epicuro
envia suas saudações a Meneceu
1. Que
ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo
depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho
para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à
filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda
não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil
tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se
rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o
jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é
necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que,
estando presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la. Pratica
e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que
eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz.
2. Em
primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado,
como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja
incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança;
pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e
imortalidade.
3. Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento
que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não
existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses, ímpio não
é quem rejeita os em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os
falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos
deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de
que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos
bons.
4. Irmanados
pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus
semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles.
5. Acostuma-te
à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal
residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A
consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a
fruição da vida efémera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando
o desejo de imortalidade.
6. Não
existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que
não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo
da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige
a própria espera: aquilo que não nos perturba quando presente não deveria afligir-nos
enquanto está sendo esperado.
7. Então,
o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente
porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário,
quando a morte está presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é
nada, nem para os vivos, nem para os mortos, já que para ela não existe, ao
passo que estes não estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora
foge da morte como se fosse o maior dos males, ora deseja como descanso dos
males da vida.
8. O
sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não
é um fardo e não-viver não é um mal.
3º
passo - Depois de uma leitura panorâmica, devemos
identificar os conceitos, palavras-chave, autores e teorias. Podemos
assinalá-los no texto e anotar numa folha de rascunho. Os autores e conceitos
que são citados, mas, não são apresentados ou devidamente explicados devem ser
esclarecidos através da consulta de dicionários e manuais.
Epicuro
envia suas saudações a Meneceu
9.
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto
jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é
demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem
afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já
passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo,
a filosofia é útil tanto ao jovem
quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer
através da grata recordação das coisas que
já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem
sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a
felicidade, já que, estando presente, tudo temos, e, sem ela, tudo
fazemos para alcançá-la. Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que
sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz.
10. Em
primeiro lugar, considerando a
divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a
percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua
imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito
dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.
11. Os deuses
de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das
pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que
têm dos deuses, ímpio não é quem rejeita os em que a maioria crê, mas sim quem
atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em
noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam
os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons.
12. Irmanados
pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo
que seja diferente deles.
13. Acostuma-te
à ideia de que a morte para nós não é
nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das
sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efémera,
sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de
imortalidade.
14. Não
existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que
não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo portanto quem diz ter medo da morte, não porque a
chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera: aquilo que não nos perturba quando
presente não deveria afligir-nos enquanto está sendo esperado.
15. Então,
o mais terrível de todos os males, a
morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos
vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está
presente, nós é que não estamos. A morte, portanto, não é nada, nem para os
vivos, nem para os mortos, já que para ela não existe, ao passo que estes não
estão mais aqui. E, no entanto, a maioria das pessoas ora foge da morte como se
fosse o maior dos males, ora deseja como descanso dos males da vida.
16. O
sábio, porém, nem desdenha viver, nem teme deixar de viver; para ele, viver não é um
fardo e não-viver não é um mal.
4º
passo - Agora é o momento de esquematizar o texto para se
ter uma noção geral da sua estrutura e temas gerais.
a) Epicuro
faz equivaler a atividade filosófica ao tempo de ser feliz. É justamente porque
ele entendia que conhecimento ajuda a aprender a viver bem.
b) Em
seguida, ele cita duas condições que ameaçam os homens: os deuses e a morte.
c) A
respeito dos deuses, ele tem uma visão deísta. Os deuses felizes e importais e
não se ocupam dos problemas humanos. Portanto, eles não nos fazem males.
d) A
morte é a privação das sensações. Não devemos temê-la. O sentimento de medo da
espera da morte é pior do que o próprio fato de morrer.
e) Conclusão:
O sábio não teme viver e nem teme morrer.
3.3.
COMENTÁRIO:
A
função terapêutica da filosofia
Epicuro
inicia sua carta a Meneceu discorrendo sobre a função da filosofia. Ela tem um
propósito sapiencial e terapêutico em sua dimensão ética. Não existe restrição
de idade para se dedicar à filosofia por se tratar de um conhecimento
necessário para toda a vida. Em todas as idades, precisamos de sabedoria para viver
bem e alcançar a felicidade.
Há
dois procedimentos que Epicuro recomenda para viver bem cada idade. Quem está
envelhecendo se consola através da grata recordação das coisas que viveu. A
memória tem uma função consoladora na biografia do sábio. Ao jovem, ele pode
aprender a não sentir medo das coisas futuras. A ocupação mais importante da
vida do sábio deve ser com as coisas que se referem à felicidade e a filosofia
trata disso.
Em
seguida, Epicuro tenta dissipar dois medos que podem atormentar a vida e
impedir a felicidade. Eles têm a ver com a vida além da natureza e além do
tempo. O primeiro é o medo que os gregos tinham da punição dos deuses, do
destino. Embora, injustamente, muitos antigos autores consideravam Epicuro
ateu, isso não é verdade. Ele acreditava na existência dos deuses. Porém, faz
uma crítica à visão popular sobre os deuses e se posiciona como um politeísta
deísta. É uma visão quase única na antiguidade. Ele rejeita a ideia de
providência e de interferência dos deuses no mundo. Eles são felizes, imortais
e se bastam a si mesmos. Então, não fazem mal aos homens. Um ser plenamente
feliz não tem motivação para causar danos aos outros. O conceito de deus de
Epicuro é um além do bem e do mal. Os gregos antigos viviam atormentados porque
tinham crenças falsas sobre a natureza dos deuses no entender de Epicuro.
Já
que não há motivo para temer a deus, como enfrentamos a morte? Ela é o medo
mais universal. O bem e o mal residem nas nossas sensações corporais. Se nós
tememos sofrimentos, a morte é justamente a privação de todas as sensações.
Então, ela não é um mal. Além disso, é um fenômeno que não podemos vivenciá-lo
já que ocorre estando nós inconscientes. Morte e homem não se encontram.
A
atitude do sábio diante da vida é esta: Ele não despreza a vida e se esforça
para vivê-la bem, mas também não teme a morte. Aliás, Epicuro até censura o
suicídio. A máxima conclusiva de Epicuro é “viver não é um fardo e não-viver
não é um mal.”
A
- Palavras-chave: filosofia, felicidade, temor aos deuses,
medo da morte.
B
- Problematização: A filosofia pode ter um efeito
terapêutico sobre os grandes medos? Quais os argumentos favoráveis à função
terapêutica da felicidade?