TEORIA DO CONHECIMENTO NO “DISCURSO
DO MÉTODO” E NAS “MEDITAÇÕES METAFÍSICAS” DE DESCARTES
1.
Introdução
No século XVI, como herança da contestação
dos valores medievais surgiu um novo ceticismo. O principal expoente foi Michel
de Montaigne. A suspensão do juízo tornou-se a nova atitude filosófica. Isso representou o ultimo movimento do
Renascimento. Porem, isso conduziu ao salto epistêmico que René Descartes dará
inaugurando a Filosofia Moderna.
O filósofo reage ao ceticismo de seu tempo,
considerando que a dúvida pode ser acolhida somente como método e não como
fundamento da pesquisa. Em Descartes, encontramos uma Teoria do Conhecimento e
uma Teoria do Método Científico. Abordaremos tais questões a partir do
“Discurso do Método” e das “Meditações Metafísicas”.
O “Discurso” é uma autobiografia
intelectual. Nela há afirmação de que o conhecimento confiável é o do tipo
matemático e da possibilidade de dedução de um princípio epistemológico seguro.
Nas Meditações Metafísicas, o filósofo desenvolve conceitos importantes de seu
sistema como as substâncias, a classificação das ideias e o papel dos sentidos
e da razão.
2.
Conceituação
de termos técnicos em Descartes
Comecemos por elucidar alguns termos
importantes da linguagem cartesiana no que diz respeito ao conhecimento:
ANÁLISE: É
a divisão racional de um objeto de estudo em partes e cada parte deve ser
evidente.
DEDUÇÃO:
É a formulação de uma demonstração universal.
DÚVIDA METÓDICA:
É o procedimento metodológico de colocar todo conhecimento sob suspeita até que
verifique sua veracidade. Difere-se da dúvida cética.
EVIDÊNCIA:
É uma ideia clara e distinta; que não necessidade de justificação visto que não
há possibilidade de confundi-la com outra coisa.
INTUIÇÃO:
É apreensão de uma ideia imediata, clarividente e indubitável.
3.
O
princípio da dúvida metódica
Enquanto investigadores, nós podemos
duvidar dos sentidos porque eles podem nos enganar; do mundo; e da razão que
pode se evocar sobre operações matemáticas.
A id eia
fundamental da qual não podemos duvidar é da nossa existência: Cogito ergo sum. É a primeira e basilar
ideia que resiste à dúvida metódica. Esta é, portanto, uma ideia inata.
Quanto à origem de nossas ideias, Descartes
as classifica em três classes: a) Ideias inatas: são aquelas que fazem parte da
própria razão, nasceram com o sujeito. B) Ideias adventícias: são aquelas que
surgem da experiência. C) Ideias factícias: são resultadas da imaginação e da
vontade.
4.
As
três substâncias
A partir da certeza fundamental da
existência do eu. Descartes identifica três substâncias:
SUBSTÂNCIA
PENSANTE: A substância e o próprio pensamento.
SUBSTANCIA
EXTENSA: E a realidade corpórea e o mundo.
SUBSTÂNCIA
INFINITA: É a substância que leva os atributos de perfeição e
de infinitude.
5.
Crítica
à pedagogia escolástica
Descartes inicia o “Discurso do Método”
com uma crítica da pedagogia escolástica, principalmente, da educação que
recebeu no Colégio La Flèche.
a) O
bom senso é algo bem distribuído entre os homens e o poder de julgar e de
distinguir o verdadeiro do falso é comum a todas as pessoas.
b) Existe
uma diversidade de opiniões e conduzimos nossos pensamentos por caminhos
diferentes. Não basta ter um bom espírito é preciso usá-lo bem.
c) A
razão é a habilidade que torna os homens diferentes dos animais. É a marca
distintiva do ser humano.
d) É
necessário um método. Com o método, temos os meios de aumentar gradativamente o
conhecimento.
e) Em
seus estudos Descartes admirava a exatidão e a evidência da matemática, mas não
compreendia a sua utilidade. A teologia não achava indispensável, pois não é
necessário para ir ao céu e, além disso, seu conteúdo está além da
inteligência. A filosofia não trazia novidades. As ciências tornavam-se
temerosas porque não havia fundamentos firmes para elas.
6.
A
construção da certeza fundamental
A primeira consideração sobre o método
científico proposto por Descartes é: “Não há tanta perfeição nas obras
compostas de várias pecas e feitas pelas mãos de diversos mestres”. O trabalho
de um só funciona melhor por tender para o mesmo fim.
O método tem como finalidade reformar os
próprios pensamentos de Descartes. A busca do conhecimento exige a adoção de
rumo e de analise minuciosa do objeto. Ele recorre à Lógica para estabelecer
suas regras e reduz a grande quantidade de princípios da lógica tradicional a
quatro: 1) Aceitar somente o que é evidente, claro e distinto; 2) Dividir e
analisar cada parte do problema; 3) Raciocinar de modo ordenado e progressivo,
partindo do simples para o complexo; 4) Enumerar e revisar o processo para
apurar possíveis omissões.
As vantagens deste método é o fato de ele
já ser utilizado pelos geômetras e permite utilizar a razão em cada parte do
processo.
Enquanto, Descartes faz sua reforma do
pensamento, ele propõe uma moral provisória. Já que o problema moral não pode
ficar suspenso. Em seguida, o filósofo conta que resolveu rejeitar tudo que
tivesse a menor dúvida e fingir que tudo que lhe ocorria era falso. Ele chega às
seguintes conclusões:
a) Mesmo
que alguém pretenda que tudo seja falso, mas o fato de pensar é alguma coisa
que não pode ser negadas. Portanto, a mais firme das afirmações é “eu penso,
logo, sou”.
b) Mesmo
que eu subtraia toda a existência das coisas ao meu redor, não posso duvidar de
que eu existo. Sou uma substância cuja essência é pensar.
c) O
conhecimento é maior do que a dúvida. Tudo aquilo que concebemos de modo claro
e distinto é verdadeiro.
d) Como
o imperfeito não poderia pensar a imperfeição, portanto, tal ideia poderia ser
colocada por Deus na mente humana.
e) A
afirmação de que um conhecimento para ser verdadeiro precisa passar primeiro
pelos sentidos impede a concepção de Deus e da alma: “Os nossos sentidos
poderiam jamais assegurar-nos de qualquer coisa, se nosso entendimento não
interviesse”.
f) A
garantia da verdade se dá pela certeza das ideias claras e distintas. O
conhecimento de Deus e da alma dão a certeza dessa regras. Devemos, portanto,
nos guiar unicamente pelos caminhos da razão, não dos sentidos.
7.
O
conhecimento nas “Meditações Metafísicas”
A Primeira Meditação trata da
necessidade da dúvida metódica, do engano dos sentidos; da extensão da dúvida
às proposições matemáticas e da hipótese do gênio maligno. A segunda diz
respeito à certeza do cogito, à
realidade do pensamento e clareza e distinção oferecida pelo espírito. A
Terceira fala do critério da clareza e da distinção, da classificação das ideias
e da realidade forma e objetiva, do princípio de causalidade, provas da
existência de Deus e sua natureza inata.
Na Terceira Meditação, define que coisa
pensante é sentido amplo o que duvida, afirma, nega, entende, odeia, imagina e
sente. Tanto a imaginação quanto a sensação estão no eu. Os pensamentos são
imagens das coisas. Mas são também vontades, afetos e juízos. As ideias e a
vontade em si mesmas não podem ser propriamente falsas, isso ocorre nos juízos
que fazemos delas.
As ideias são imagens no eu tiradas das
coisas externas e que podem ser deficitárias em relação às essas coisas, não
podem ser mais perfeitas. Ideias como a alma, Deus são inatas. Já o ruído, o
fogo, o sol, são adventícias. Estas não dependem da nossa vontade, decorrem das
sensações e há discrepâncias entre o objeto e a ideia (Ex.: perceber o sol
pequeno). Mas as sereias e as entidades míticas são inventadas (factícias).
Na Sexta Meditação, Descartes afirma o
papel da razão ao relatar que sua confiança nos sentidos foi abalada por
algumas experiências como as ilusões da visão. Por isso, ele considerou que
utilizar as coisas do sentido para o conhecimento é errôneo.
Leituras
Recomendadas:
a) As
partes segunda e quarta do “Discurso do Método” (As regras do Método e a
certeza fundamental do Cogito.
b) As
meditações terceira e sexta das “Meditações Metafísicas” (Conceito de coisa
pensante, classificação das ideias e os enganos da experiência).
O EMPIRISMO INGLÊS DO SÉCULO XVII
1.
As
características do empirismo
Os empiristas ingleses entram na discussão
sobre a origem do conhecimento para opor o inatismo cartesiano. Eles continuam
a tradição empirista do século XIII e precedem o iluminismo. As principais
proposições do empirismo são:
a) Tábula rasa:
Não existem ideias inatas e conteúdos mentais independentes da experiência.
b) Sensibilidade:
A experiência é critério de sentido e de verdade do conhecimento.
c) Princípio de associação:
Através de dados simples sensíveis combinados chega-se ao conhecimento
complexo.
d) Universais:
Não existem e não são objetivos, cada coisa tem existência individual e são
apenas nomes.
e) A
teologia e a metafísica não têm valor.
f) Limites do saber:
É ciente dos limites do saber, não é possível uma verdade absoluta e
definitiva.
g) Ética:
Tende a individualizar o bem e associá-lo à utilidade social.
2.
Crítica
de John Locke ao inatismo
O conhecimento ocorre sem quaisquer
impressões inatas. Como Descartes afirmava, de fato, existem princípios que são
de consenso universal, mas isso não serve como prova do inatismo. Locke
considera pouco inteligível a afirmação de que existe algo impresso na alma. Se
assim fosse, as crianças e as pessoas com certas deficiências mentais teriam
essas ideias e as usariam. Seria insensato considerar que a maturidade faria
revelar conhecimentos que a criança já sabia.
Segundo Locke, “os sentidos inicialmente
tratam das ideias particulares, preenchendo o gabinete ainda vazio, e a mente
se familiariza gradativamente com algumas delas, depositando-as na memória”.
Mais tarde vai acontecendo a abstração. Algumas distinções a criança sabe antes
do uso da razão. O assentimento imediato a uma proposição não é prova de
inatismo. As
crianças não têm ideias inatas. Elas têm apenas vagas ideias de necessidades
instintivas.
3.
A
teoria do conhecimento de John Locke
John Locke (1632-1704) publicou o
“Ensaio sobre o Entendimento Humano em 1689. E inicia uma crítica ao inatismo.
Os inatistas colocam todo o conhecimento do mundo natural ou sobrenatural sob axiomas
especulativos, ou seja, teóricos que não dependem de provas.
Segundo Locke a razão é limitada porque é a
experiência que fornece material para o conhecimento. Da experiência derivam ideias
simples e ideias complexas. As ideias simples são formadas pela impressão dos
sentidos. Essas ideias são todo o material do conhecimento e provêm da sensação
e da reflexão. As duas fontes principais
do conhecimento são as sensações e as operações da mente.
A mente pode repetir, comparar e unir as ideias
formando novas ideias. Ela não é capaz de inventar uma ideia simples nova. As
ideias de sensação são aquelas derivadas da ação dos sentidos. Quando estas são
trabalhadas pela mente se tornam ideias de reflexão. São exemplos de ideias de sensação a cor, a
temperatura, o sabor. São as qualidades primárias de um corpo. As ideias de
reflexão são a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, o
conhecer e o querer. São ideias “que se dão ao luxo de seres tais apenas quando
a mente reflete acerca de suas próprias operações”.
Locke entende por ideia “todo e qualquer
objeto do entendimento, ou seja, tudo aquilo a que a mente se aplica a pensar”.
As ideias simples a partir da reflexão se tornam ideias complexas e são de três
tipos: Modo, relação e substância. Modo são as ideias conceituais; relação são
as ideias de causa e efeito, de identidade e de diferença; e substância.
Pela intuição, as ideias simples são
recebidas pela experiência. Essas ideias se tornam complexas pelo processo da
síntese. As ideias abstratas se formam através da análise de várias ideias
semelhantes, tomando os elementos comuns, forma-se uma nova ideia. A ideia
abstrata se diferencia da essência, pois esta é incognoscível.
4.
Hume
e a causalidade como fundamento do raciocínio
David Hume distingue impressões e ideias.
As impressões são as percepções fortes e nítidas e as ideias são aquelas fracas
e apagadas. Esta é a distinção entre sentir e pensar. Elas se dividem em
simples e complexas. As ideias simples representam as impressões simples. Já as
ideias complexas conservam pouca semelhança das impressões originais. As
impressões são causa das ideias.
Hume divide as impressões em impressões de
sensação e impressões de reflexão. As impressões de sensação têm sua origem na
alma. As impressões de reflexões nascem das ideias. Uma impressão nos faz
perceber uma sensação. Na mente, há uma cópia que corresponde a esta sensação
mesmo depois que ela cesse. Assim a
sensação se volta para a alma produz a impressão de desejo ou aversão, de
esperança ou temor, e dela surgem as impressões de reflexão. A memória e a imaginação recebem ideias.
Segundo David Hume, a base de nossos
raciocínios é a causalidade. A crença é fruto de um mecanismo em que a relação
de causa e efeito constitui espinha dorsal. A inferência causal é a expectativa
de que uma coisa se seguirá a outra. É o hábito que exerce essa influência. O
hábito influencia a expectativa de um observador em esperar o aparecimento de
um objeto na sequência ao anterior.
Portanto, “é aquele princípio único que faz
com que nossa experiência nos seja útil e nos leve a esperar, no futuro, uma
sequência de acontecimentos semelhantes aos que se verificaram no passado.”
Leituras
Recomendadas:
a) Livro I e II do “Ensaio sobre o
Entendimento Humano”.
b) de David Hume (seções II – origem e
associação de ideias, pp. 35-39; Relações de ideias e de fatos, causa e efeito;
pp. 47-49).
Referências