UM CURSO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOSOFIA BRASILEIRA
Prof. Msc. José Aristides da Silva Gamito
1. Introdução
Muitos de nós, filósofos e professores de filosofia, ainda não
estamos convencidos de que exista uma filosofia brasileira. Fomos acostumados
com a explicação de que tudo que se fazia no Brasil era cópia do que acontecia
na Europa. De fato, como colônia portuguesa, a vida intelectual nacional estava
em sintonia com o pensamento europeu. Mesmo depois da independência, a filosofia
não formou uma grande tradição que influenciasse outros países. Porém, o
descuido da história do pensamento nacional foi decisivo para que tivéssemos
esta visão negativista da filosofia brasileira.
Atualmente, vivemos um tempo propício para se falar de
filosofia. A mídia consagrou alguns professores universitários brasileiros como
Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal, Luís Felipe Pondé, Clóvis de Barros como
filósofos. A filosofia que era somente discutida na academia ganhou algumas
vias de popularização. Além do meio universitário, as mídias sociais têm
levantado novas vozes sob o título de filósofo como Olavo de Carvalho. Esta
situação nos faz pensar de que temos uma dívida com o pensamento brasileiro.
Não valorizamos nossos pensadores. A popularização atual decorre muito mais da
tendência de transformar pessoas públicas em estrelas pelas redes sociais do
que de um compromisso de valorização da história do pensamento filosófico
brasileiro.
As aulas introdutórias à História da Filosofia no Brasil,
comumente, discutem a existência de uma filosofia nacional. Há três respostas
para a questão. A posição negativa considera que o brasileiro não é tão bom em
filosofia, ele é sentimento e mais afeito à literatura. Em parte, nós não
podemos negar, a literatura brasileira é uma marca forte. A posição positiva
afirma que temos uma filosofia nacional, porém, temos problemas diferentes da
Europa. Miguel Reale, Antônio Paim e Washington Vita consideram que temos uma
filosofia, mas ela não é desvinculada da tradição ocidental.
Quero considerar que temos uma filosofia brasileira que começa
no século XIX e se torna mais original a partir da II Guerra Mundial. Ela não é
desvinculada da tradição ocidental como as demais filosofias dos países
latino-americanos. Por razões históricas e políticas, o ensino de filosofia
demorou a ter uma autonomia. Este ensino esteve encerrado nos seminários e como
disciplinas auxiliares em alguns cursos superiores de humanidades. A filosofia
nunca foi tradição contínua no ensino básico. Portanto, é um saber que não teve
merecida consideração para ter uma tradição respeitada. Mas, nem por isso,
deixou de desenvolver uma história que mereça ser conhecida e estudada.
A primeira fase da
filosofia no Brasil só poderia ser chamada, com um termo mais exato, de
filosofia luso-brasileira. O ensino da filosofia esteve a cargo de estrangeiros
e refletia as tendências do pensamento das universidades portuguesas. A partir
do século XIX, sob a influência do pensamento moderno, começam as primeiras construções
filosóficas no país[1]
e se consolidam no século XX. Para esta síntese, vamos utilizar o método da
periodização histórica para traçar uma linha evolutiva da filosofia nacional.
2. A
filosofia como disciplina soteriológica: a introdução do ensino de filosofia no
Brasil (1572-1759)
O ensino de filosofia
no Brasil tem seu início dentro da Segunda Escolástica (séculos XVI a XVIII).[2] O
currículo era determinado pela Ratio
Studiorum. Uma das regras deste diretório determinava que as obras
filosóficas que deveriam ser postas à disposição dos alunos eram as obras de
Aristóteles e a Suma Teológica de Tomás de Aquino.[3] As
primeiras experiências com o ensino de filosofia no Brasil aconteceu com os
jesuítas. Em 1572, eles introduziram o ensino de filosofia no Colégio da Bahia.
E, em 1580, no Colégio de Olinda. No século XVII, o Colégio do Rio passou a
ensinar filosofia em nível superior. Esta escola forma os primeiros pensadores
em terras brasileiras que representaram um tipo de filosofia voltado para as
necessidades da realidade brasileira da época. As graduações no Brasil, de
fato, só começaram a partir de 1808.
Este pensamento é
chamado de “saber de salvação” e seus principais representantes são Manoel da
Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. O “saber de
salvação” é uma pedagogia que preparava o homem para a valorização da
transcendência em detrimento da imanência.[4] Os
assuntos de interesse desses pensadores eram a moral e as orientações para a
salvação do homem.
Nuno Marques Pereira (1652-1728) é o típico
representante do “saber de salvação”. Sua obra é o “Compêndio narrativo do
peregrino da América”. Este livro consiste de aconselhamento de um peregrino
aos moradores ao longo do caminho que percorre. A obra tem uma finalidade
moral. A sua compreensão do papel da filosofia ainda é dependente do uso
medieval, ela está submissa à teologia. A moral é a parte da filosofia mais
superior. Portanto, todo o esforço filosófico é para tornar o homem virtuoso e
merecedor da salvação. A exaltação da vida futura faz com que o tempo presente
seja visto como transitório, um motivo para o desprezo da condição humana. Os
grandes inimigos do homem são aqueles da moral católica tradicional: carne,
mundo e demônio. A filosofia é um conhecimento instrumentalizado como reflexão
moral católica.
A fase do “saber de
salvação” será interrompida pela expulsão dos jesuítas do Reino de Portugal, em
1759. Todo o ensino de filosofia na metrópole e nas colônias seguiam as
diretrizes pedagógicas da companhia contidas na Ratio Studiorum.[5]
[1]
CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. Revista
Filosófica de Coimbra, n. 39, 2011, p. 163-192.
[2]
Paim explica: “o período da
filosofia portuguesa que se inicia com Pedro da Fonseca (1528/1597) e se
estende até meados do século XVIII, foi sugerida a Joaquim de Carvalho pela
obra de Carlo Giacon”. E “a Segunda
Escolástica Portuguesa compreenderia duas fases: o período barroco (meados do
século XVI às primeiras décadas do século XVII) e o período escolástico propriamente
dito” (meados do século XVII a meados do XVIII) (PAIM, 2007, p. 10).
[3]
PAIM, Antônio. História das Ideias Filosóficas no Brasil.
6ª edição. Londrina: Edições Humanidades, 2007, p. 14.
[4]
SANTOS, Thiago Ferreira
dos. Panorama Histórico da Filosofia no Brasil: da chegada dos jesuítas ao
lugar da filosofia na atualidade. Seara
Filosófica, N. 12, Inverno, 2016, p. 126-140.
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