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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Introdução da Filosofia no Brasil e o "saber de salvação"


UM CURSO SOBRE A HISTÓRIA DA FILOSOFIA BRASILEIRA

Prof. Msc. José Aristides da Silva Gamito


1. Introdução

     Muitos de nós, filósofos e professores de filosofia, ainda não estamos convencidos de que exista uma filosofia brasileira. Fomos acostumados com a explicação de que tudo que se fazia no Brasil era cópia do que acontecia na Europa. De fato, como colônia portuguesa, a vida intelectual nacional estava em sintonia com o pensamento europeu. Mesmo depois da independência, a filosofia não formou uma grande tradição que influenciasse outros países. Porém, o descuido da história do pensamento nacional foi decisivo para que tivéssemos esta visão negativista da filosofia brasileira.
     Atualmente, vivemos um tempo propício para se falar de filosofia. A mídia consagrou alguns professores universitários brasileiros como Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal, Luís Felipe Pondé, Clóvis de Barros como filósofos. A filosofia que era somente discutida na academia ganhou algumas vias de popularização. Além do meio universitário, as mídias sociais têm levantado novas vozes sob o título de filósofo como Olavo de Carvalho. Esta situação nos faz pensar de que temos uma dívida com o pensamento brasileiro. Não valorizamos nossos pensadores. A popularização atual decorre muito mais da tendência de transformar pessoas públicas em estrelas pelas redes sociais do que de um compromisso de valorização da história do pensamento filosófico brasileiro.
     As aulas introdutórias à História da Filosofia no Brasil, comumente, discutem a existência de uma filosofia nacional. Há três respostas para a questão. A posição negativa considera que o brasileiro não é tão bom em filosofia, ele é sentimento e mais afeito à literatura. Em parte, nós não podemos negar, a literatura brasileira é uma marca forte. A posição positiva afirma que temos uma filosofia nacional, porém, temos problemas diferentes da Europa. Miguel Reale, Antônio Paim e Washington Vita consideram que temos uma filosofia, mas ela não é desvinculada da tradição ocidental.
     Quero considerar que temos uma filosofia brasileira que começa no século XIX e se torna mais original a partir da II Guerra Mundial. Ela não é desvinculada da tradição ocidental como as demais filosofias dos países latino-americanos. Por razões históricas e políticas, o ensino de filosofia demorou a ter uma autonomia. Este ensino esteve encerrado nos seminários e como disciplinas auxiliares em alguns cursos superiores de humanidades. A filosofia nunca foi tradição contínua no ensino básico. Portanto, é um saber que não teve merecida consideração para ter uma tradição respeitada. Mas, nem por isso, deixou de desenvolver uma história que mereça ser conhecida e estudada.
A primeira fase da filosofia no Brasil só poderia ser chamada, com um termo mais exato, de filosofia luso-brasileira. O ensino da filosofia esteve a cargo de estrangeiros e refletia as tendências do pensamento das universidades portuguesas. A partir do século XIX, sob a influência do pensamento moderno, começam as primeiras construções filosóficas no país[1] e se consolidam no século XX. Para esta síntese, vamos utilizar o método da periodização histórica para traçar uma linha evolutiva da filosofia nacional.

2.  A filosofia como disciplina soteriológica: a introdução do ensino de filosofia no Brasil (1572-1759)

O ensino de filosofia no Brasil tem seu início dentro da Segunda Escolástica (séculos XVI a XVIII).[2] O currículo era determinado pela Ratio Studiorum. Uma das regras deste diretório determinava que as obras filosóficas que deveriam ser postas à disposição dos alunos eram as obras de Aristóteles e a Suma Teológica de Tomás de Aquino.[3] As primeiras experiências com o ensino de filosofia no Brasil aconteceu com os jesuítas. Em 1572, eles introduziram o ensino de filosofia no Colégio da Bahia. E, em 1580, no Colégio de Olinda. No século XVII, o Colégio do Rio passou a ensinar filosofia em nível superior. Esta escola forma os primeiros pensadores em terras brasileiras que representaram um tipo de filosofia voltado para as necessidades da realidade brasileira da época. As graduações no Brasil, de fato, só começaram a partir de 1808.
Este pensamento é chamado de “saber de salvação” e seus principais representantes são Manoel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. O “saber de salvação” é uma pedagogia que preparava o homem para a valorização da transcendência em detrimento da imanência.[4] Os assuntos de interesse desses pensadores eram a moral e as orientações para a salvação do homem.
 Nuno Marques Pereira (1652-1728) é o típico representante do “saber de salvação”. Sua obra é o “Compêndio narrativo do peregrino da América”. Este livro consiste de aconselhamento de um peregrino aos moradores ao longo do caminho que percorre. A obra tem uma finalidade moral. A sua compreensão do papel da filosofia ainda é dependente do uso medieval, ela está submissa à teologia. A moral é a parte da filosofia mais superior. Portanto, todo o esforço filosófico é para tornar o homem virtuoso e merecedor da salvação. A exaltação da vida futura faz com que o tempo presente seja visto como transitório, um motivo para o desprezo da condição humana. Os grandes inimigos do homem são aqueles da moral católica tradicional: carne, mundo e demônio. A filosofia é um conhecimento instrumentalizado como reflexão moral católica.
A fase do “saber de salvação” será interrompida pela expulsão dos jesuítas do Reino de Portugal, em 1759. Todo o ensino de filosofia na metrópole e nas colônias seguiam as diretrizes pedagógicas da companhia contidas na Ratio Studiorum.[5]




[1] CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. Revista Filosófica de Coimbra, n. 39, 2011, p. 163-192.
[2] Paim explica: “o período da filosofia portuguesa que se inicia com Pedro da Fonseca (1528/1597) e se estende até meados do século XVIII, foi sugerida a Joaquim de Carvalho pela obra de Carlo Giacon”.  E “a Segunda Escolástica Portuguesa compreenderia duas fases: o período barroco (meados do século XVI às primeiras décadas do século XVII) e o período escolástico propriamente dito” (meados do século XVII a meados do XVIII) (PAIM, 2007, p. 10).
[3] PAIM, Antônio. História das Ideias Filosóficas no Brasil. 6ª edição. Londrina: Edições Humanidades, 2007, p. 14.
[4] SANTOS, Thiago Ferreira dos. Panorama Histórico da Filosofia no Brasil: da chegada dos jesuítas ao lugar da filosofia na atualidade. Seara Filosófica, N. 12, Inverno, 2016, p. 126-140.
[5] PAIM, p. 10.



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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001