UMA APROXIMAÇÃO DA
FILOSOFIA DE TOMÁS DE AQUINO
José Aristides da
Silva Gamito
Tomás de Aquino (1225 – 1274) foi um
frade dominicano italiano natural da região de Nápolis. Era filho de Landulfo
de Aquino e Teodora. Era um teólogo da Idade Média e se situa dentro do período
escolástico. Durante seus estudos na Universidade de Nápoles conheceu a
filosofia de Aristóteles. Estudou com Santo Alberto Magno e foi professor na
Universidade de Paris.
Seu mérito se deve à síntese que ele
realizou entre a filosofia de Aristóteles e a doutrina cristã. Suas obras mais
importantes são a Summa Theologiae e
a Summa contra Gentiles. Mais tarde
seus escritos foram condenados em Paris e em Oxford.
Na obra de Tomás de Aquino os temas de
filosofia e de teologia estão postos juntos, tanto é que apesar do consenso em
torno de seu papel como filósofo, Bertrand Russell e Armand Maurer não o
consideraram como tal.
I - DEUS
Deus segundo Tomás de Aquino é “o
princípio e o fim de todas as coisas”. Ele é a causa eficiente das criaturas e
simultaneamente a causa final. Todas elas tendem a Deus. Este contém a
totalidade da perfeição das coisas encontradas nas criaturas. Portanto, é
possível ter uma fé racional na existência de Deus. Esta existência pode ser
demonstrada logicamente.
Primeiramente, para se demonstrar a
existência de Deus não parte da suposição de que argumentar que “Deus não
existe” seja uma contradição. E que se pode encarar essa demonstração como se
faz ao demonstrar existência das coisas na natureza. Deus não é um objeto
físico e esse impede uma percepção natural de sua existência. Portanto, na vida
o homem não pode ter um conhecimento direto de Deus.
Então, nosso conhecimento de Deus
começa a partir do mundo que conhecemos. Tomás sintetiza cinco maneiras de
demonstrar a existência de Deus. Por influência de Aristóteles, a primeira
prova trata de movimento no mundo. Tudo que se move é movido por alguma coisa (omne quod movetur ab alio movetur). São as chamadas cinco vias: 1ª Tudo que move é
movido por outra coisa, mas aquilo que dá o ponto de partida a todos os motores
é imóvel:
A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é
certo e verificado pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo.
Ora, todo o movido por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto
potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato.
Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato; assim, o cálido
atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em cálido atual e dessa
maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e
potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista
diversos; pois, o cálido atual não pode ser simultaneamente cálido potencial,
mas, é frio em potência. Logo, é impossível uma coisa ser motora e movida ou
mover-se a si própria, no mesmo ponto de vista e do mesmo modo, pois, tudo o
que é movido há-de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor também se move, é
necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se pode assim
proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por conseqüência,
outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão movidos pelo
primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário
chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de
Deus. (Summa Theologiae, I, q. 2, a.
3).
2ª Todo efeito depende de uma
causa, a primeira delas não é causada por nenhuma outra:
A segunda via procede da natureza da
causa eficiente. Pois, descobrimos que há certa ordem das causas eficientes nos
seres sensíveis; porém, não concebemos, nem é possível que uma coisa seja causa
eficiente de si própria, pois seria anterior a si mesma; o que não pode ser.
Mas, é impossível, nas causas eficientes, proceder-se até o infinito; pois, em
todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é causa da média e esta, da
última, sejam as médias muitas ou uma só; e como, removida a causa, removido
fica o efeito, se nas causas eficientes não houver primeira, não haverá média
nem última. Procedendo-se ao infinito, não haverá primeira causa eficiente, nem
efeito último, nem causas eficientes médias, o que evidentemente é falso. Logo,
é necessário admitir uma causa eficiente primeira, à qual todos dão o nome de
Deus (Ibid.).
3ª
Todos os seres são passageiros, mas para que o mundo se sustente o primeiro
deles é absoluto:
A
terceira via, procedente do possível e do necessário, é a seguinte — Vemos que
certas coisas podem ser e não ser, podendo ser geradas e corrompidas. Ora,
impossível é existirem sempre todos os seres de tal natureza, pois o que pode
não ser, algum tempo não foi. Se, portanto, todas as coisas podem não ser,
algum tempo nenhuma existia. Mas, se tal fosse verdade, ainda agora nada
existiria pois, o que não é só pode começar a existir por uma coisa já
existente; ora, nenhum ente existindo, é impossível que algum comece a existir,
e portanto, nada existiria, o que, evidentemente, é falso. Logo, nem todos os
seres são possíveis, mas é forçoso que algum dentre eles seja necessário. Ora,
tudo o que é necessário ou tem de fora a causa de sua necessidade ou não a tem.
Mas não é possível proceder ao infinito, nos seres necessários, que têm a causa
da própria necessidade, como também o não é nas causas eficientes, como já se
provou. Por onde, é forçoso admitir um ser por si necessário, não tendo de fora
a causa da sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros; e a
tal ser, todos chamam Deus (Ibid.).
4ª Há graus de perfeição nos seres, mas
há um que contém todos os graus:
A quarta via procede dos graus que se
encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção maior e menor o
bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e
o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um
máximo, diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do
maximamente cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e,
por conseqüente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são
maximamente seres, como diz o Filósofo1. Ora, o que é
maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende;
assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como no mesmo
lugar se diz2. Logo, há um ser,
causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e
chama-se Deus (Ibid.).
5ª O Universo é organizado, isso exige uma
inteligência ordenadora:
A quinta procede do governo das coisas — Pois, vemos
que algumas, como os corpos naturais, que carecem de conhecimento, operam em
vista de um fim; o que se conclui de operarem sempre ou freqüentemente do mesmo
modo, para conseguirem o que é ótimo; donde resulta que chegam ao fim, não pelo
acaso, mas pela intenção. Mas, os seres sem conhecimento não tendem ao fim sem
serem dirigidos por um ente conhecedor e inteligente, como a seta, pelo
arqueiro. Logo, há um ser inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se
ordenam ao fim, e a que chamamos Deus (Ibid.).
Segundo Tomás, Deus tem os seguintes
atributos: Bom, perfeito, inteligente, poderoso e eterno. Porém, isso não pode
pensado fora dele. Por exemplo, a bondade de Deus significa Deus mesmo. Deus,
portanto, é seus atributos. No capítulo
XIV da Summa contra Gentiles encontramos
o método empregado pelo filósofo para descrever os atributos de Deus:
Para
estudiar la substancia divina hemos de valernos principalmente del método de remoción,
porque, sobrepasando por su inmensidad todas las formas de nuestro
entendimiento, no podemos alcanzarla conociendo qué es. Sin embargo, podemos
alcanzar alguna noticia conociendo ―qué no es, y tanto mayor será cuanto más
niegue de ella nuestro entendimiento (...). (Summa contra Gentiles, livro
1, cap. 14).
Não podemos conhecer Deus por
vias afirmativas, o que nos resta identifica suas diferenças negativas para
distingui-lo de outros seres.
II - HOMEM
O ser humano é um animal. Tomás diz na Summa Theologiae (I, q. 75, art. 4) “é
manifesto que este não é só a alma, mas algo composto de alma e corpo”. O homem é essencialmente material. Ele
concebe a alma como o princípio primeiro da vida: “Para discutir a natureza da
alma, é necessário pressupô-la como o primeiro princípio da vida dos seres
vivos; assim, dizemos que os seres animados são vivos e as coisas inanimadas
carecem de vida.” (Summa I, q. 75,
art. 1).
A alma racional é a perfeição e a
potência intelectiva do homem. A alma possui três faculdades. A alma
intelectiva possui as potências da razão e da vontade. A primeira ordena à
verdade e a segunda ao bem. A alma sensitiva possui as potências: concupiscível
que leva a conseguir os bens sensíveis e evitar os males sensíveis, e,
irascível que conduz a alma a bens difíceis de conseguir e a males difíceis de
evitar. E por fim, temos a alma vegetativa que é responsável pelas funções de
crescimento e diminuição.
III -
CONHECIMENTO
A ciência de acordo com Tomás de Aquino está
no intelecto, porém, se este não conhece os corpos não tem ciência sobre a
natureza. As características desta
ciência dependem das operações sensitivas são elas o conhecimento das causas do
movimento e da matéria.
O filósofo rebate a teoria das ideias de
Platão porque esta considera que o conhecimento depende de espécies inatas
introduzidas na alma. Se fosse assim o cego de nascença teria conhecimento das
cores, situação que não ocorre.
A operação cognitiva depende da união entre
corpo e alma. Com base em Agostinho, o
filósofo proporá dois modos de conhecer. O primeiro é reservado aos
bem-aventurados que vêem tudo em Deus. O segundo é próprio da vida presente e
depende das razões eternas. Neste caso, o conhecimento dependerá das operações
sensitivas e da iluminação intelectual que garante a participação nas razões
eternas.
A operação intelectual é causada pelos
sentidos porque estes oferecem a matéria do conhecimento. O intelecto se serve
dos phantasmata para inteligir. Estes
phantasmata são causados pelos
sentidos que apreendem as coisas particularmente. Todo o conhecimento depende
das coisas sensíveis por causa da união entre corpo e alma. “Se os sentidos ficarem bloqueados, o intelecto não
tem como voltar-se a seu objeto próprio de conhecimento, o que impossibilita a
ocorrência de algum juízo perfeito de sua parte”.
IV - ÉTICA
O pensamento ético de Tomás de Aquino
foi influenciado pelo pensamento de Aristóteles. A difusão do pensamento do
estagirita aconteceu na Europa no século XIII e Tomás acolheu essa influência
tanto em sua epistemologia quanto em sua ética.
O homem age livremente e os atos de sua
vontade tendem à felicidade. A felicidade não pode ser encontrada nos bens
criados, somente em Deus. O conhecimento do amor de Deus e a prática das
virtudes são as ações que auxiliam na busca da felicidade. A moral depende de
Tomás para ser compreendida precisamos definir ato voluntário e ato moral. Ato
voluntário é um ato intrínseco com conhecimento de fim. Ato moral é uma ação
voluntária sobre o bem ou o mal.
A lei moral é um princípio racional que
ordena os atos humanos. Tal ordenação se dá em função do fim último. As
virtudes morais são os hábitos operativos bons. As virtudes se dividem em
virtudes intelectuais (voltadas para a razão) e morais (voltadas a vontade e os
apetites sensíveis). São virtudes morais o intelecto, a sindéresis e a
sabedoria. São virtudes morais a prudência, justiça, fortaleza e temperança. Os
vícios são desordens do intelecto e da vontade.
Segundo Wolfgang Kluxen é possível
pensar uma filosofia moral a partir da Summa Theologiae.
V – BEM
E LEI NATURAL
Tomás de Aquino faz uma crítica à tese
do dualismo moral. Assim como Agostinho ele considera que o mal não tem
essência. Nenhum ente é essencialmente
mau. Nenhuma coisa tende para o que lhe
é contrário. “Tomás argumenta que a razão considera como boas aquelas coisas
para as quais temos inclinação natural. Conservar a própria existência,
procurar abrigo, ter uma vida social, procurar o sentido da vida etc., são
inclinações fundamentais.”
A lei natural depreende dessas inclinações
naturais. A medida do que é moral é a razão. Essa lei é constitutiva da
natureza humana, mas não é inata. Existe no homem um hábito natural (sindérese)
que o leva a compreender os princípios que guiam as boas ações. Tomás distingue
três tipos de leis: Lex aeterna, Lex naturalis
e Lex humana. Acima de todas está
a lei divina.
A lex aertena é o plano racional de Deus,
a ordem do universo inteiro, através da
qual a sabedoria dirige todas as coisas para o seu fim. É o plano da
Providência conhecido unicamente de Deus e dos bem-aventurados. Entretanto, há
uma parte dessa lei eterna da qual, como natureza racional, o homem é
partícipe. E tal partecipatio legis
aeternae in rationali creatura se chama lei natural (REALE, 2003, pp.
566-567).
O núcleo dessa lei natural é o
princípio “deve-se fazer o bem e evitar o mal”. É essa inclinação natural de
conservação, de reprodução e de crescimento da espécie. Isso que é instintivo
nos animais é racionalizado no homem. A lex humana é a lei feita pelo
homem. A finalidade desta lei é
desencorajar os homens a praticarem o mal. Ela é promulgada pela comunidade
visando o bem comum. A lei positiva que contradiz a lei natural é injusta.
Justiça na concepção de Tomás é a
disposição de espírito que leva a querer dar a cada um o que é seu por direito.
Segundo o aquinate, temos de obedecer às leis, mas se elas forem tirânicas e
contra a lei divina. As leis humanas são para fins humanos, a bem-aventurança
depende da lei divina.
BERGER, André
de Deus. Teoria do Conhecimento em Tomás de Aquino: A necessidade da ação dos
sentidos em Suma de Teologia iª, 84. Cadernos da Graduação, Campinas, nº 08, 2010, pp. 37-42.