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quarta-feira, 22 de abril de 2020

Eclesiastes e helenismo


6 – APROXIMAÇÕES ESTOICAS E EPICÚREAS DO COHÉLET



Muitas especulações foram feitas a respeito da temática comum do livro do Antigo Testamento, o Cohélet ou Eclesiastes, e a filosofia helenista. É difícil demonstrar uma influência de filósofos gregos direta sobre o autor deste livro. Embora, a data mais recente para a sua composição, de 350 a 180 antes de Cristo[1], coincida com um período de influência helenista sobre Israel. Mas outras datas mais antigas são propostas. As éticas helenistas se inserem na tradição filosófica grega e o Cohélet, na Hokhmah, a tradição sapiencial judaica. Neste texto, vou considerar apenas uma coincidência de temas.
O livro do Cohélet tem muitas idéias afins ao estoicismo e a o epicurismo. Mas também com o ceticismo de Arcesilau e com os filósofos cínicos.[2] Vamos identificar alguns temas do Cohélet e sua relação com as éticas helenistas:
1.       Transitoriedade: O Cohélet considera tudo na vida como transitório (Ecl 1,2). As gerações se sucedem, mas a terra permanece a mesma (1,3). Marco Aurélio compartilha este pensamento estóico dizendo que tudo ao mesmo desde sempre, não importa e alguém vive cem ou duzentos anos (Med., II, 14).
2.       Não há legado. A morte de algum modo é boa porque faz cessar o sofrimento. O Cohélet reclama que a sorte dos mortos é melhor do que dos vivos. O homem e o animal têm o mesmo destino (Ecl 3, 19). Epicuro de Samos também aconselha para não temermos a morte justamente por ela ser a extinção de todas as sensações. Cícero, um pensador eclético, considera igualmente a morte como um bem.
3.       Acúmulo de bens. Não há vantagem em ser rico e conquistar muitas coisas, tudo é vaidade (Ec2). O sábio e o insensato têm o mesmo destino.Além disso, a morte é o destino certo para os bons e os maus (Ecl 9,2). O Cohélet louva a obediência aos mandamentos e o estóico e epicurista, a razão.
4.       O prazer é o fundamento da felicidade. Segundo o Cohélet, “a felicidade do homem é comer e beber” (Ecl 2,3). Esta constatação coincide com os fundamentos do epicurismo. Epicuro defendia que o prazer era o princípio da felicidade. O Cohélet repete esta fórmula mais duas vezes: “não há felicidade a não ser no prazer e no bem-estar” (Ecl 3,12); “não existe felicidade para o homem debaixo do sol, a não ser o comer, o beber e o alegrar-se” (Ecl 8,15). A mesma alternativa aparece, indiretamente, uma terceira vez, quando ele afirma que resta ao homem comer, beber, alegrar-se, perfumar-se e desfrutar com sua amada (Ecl9, 7-9).
5.       O controle das emoções.  A agitação do desejo traz sofrimento. Mas vale contar com o que se tem diante dos olhos (Ecl 6,9). O estoicismo possui o conceito de representação. Não devemos nos prender na representação, na expectativa que fazemos do mundo. A realidade não obedece nossos desejos.
6.       A importância da sabedoria. O conhecimento e a reflexão ajudam a reconhecer o mal (Ecl 7, 26). Seguir os mandamentos é a solução da vida virtuosa (Ecl 8,5). Os epicuristas e os estoicistas consideram que a razão e a reflexão auxiliam o homem a viver uma vida moral correta. Para Cícero, a vida virtuosa é inclinar-se para os bens verdadeiros.
Concluindo, o Cohélet concorda com o epicurismo ao colocar a felicidade nos prazeres naturais como a comida e a bebida. Assim como a reflexão é importante para os filósofos helenistas, observar os mandamentos também é importante para o Cohélet. Com o estoicismo, o Cohélet compartilha a idéia de que não se deve apegar aos prazeres e as vantagens do mundo porque tudo é vaidade. Todas as nossas conquistas serão apagadas com a morte. Muito desejo causa sofrimento. Portanto, o homem deve se contentar com os prazeres naturais e observar os mandamentos para viver bem.

Textos:

Bíblia de Jerusalém.
GAMMIE, John. Stoicism and Anti-Stoicism in Qoheleth.Tulsa, p. 174.




[1]GAMMIE, John. Stoicism and Anti-Stoicism in Qoheleth.Tulsa, p. 174.
[2]GAMMIE, John. Stoicism and Anti-Stoicism in Qoheleth.Tulsa, p. 174.


O poder da enkráteia


 5 – A RESISTÊNCIA DO SÁBIO CÍNICO



O movimento cínico foi um dos movimentos filosóficos mais impactantes da antiguidade. Vamos buscarem Diógenes de Sinope, o cínico por excelência, as orientações para a vida feliz.

A felicidade é viver de acordo com a natureza; (2) a felicidade é algo disponível para qualquer pessoa disposta a se dedicar a um treinamento físico e mental suficiente; (3) a essência da felicidade é o autodomínio, que se manifesta na capacidade de viver feliz mesmo nas circunstâncias mais seriamente adversas; (4) autodomínio é equivalente a, ou envolve, um caráter virtuoso; (5) a pessoa feliz, assim entendida, é a única pessoa verdadeiramente sábia, nobre e livre; (6) as coisas convencionalmente julgadas necessárias para a felicidade, como riqueza, fama e poder político, não têm nenhum valor na natureza; (7) os principais impedimentos à felicidade são falsos juízos de valor, juntamente com as perturbações mentais e o caráter vicioso que derivam desses juízos falsos.

            Primeiramente, a fórmula da felicidade é viver de acordo com a natureza e é uma condição que está ao alcance de todos.  Além disso, podemos ser feliz nos tempos bons e nas adversidades. Através do autodomínio, desenvolvem-se todas as virtudes. Os falsos juízos de valor nos impedem de ser felizes. Os cínicos tinha desprezo pelas convenções sociais, pela riqueza e pela fama. Neste ponto, todas as éticas helenistas estão de acordo, a riqueza não traz felicidade.
            O autodomínio (enkráteia) é o exercício mais forte na ética cínica. Vários filósofos gregos concordam que o autodomínio ajuda o homem viver bem, evitando atitudes indesejáveis. O sábio cínico levava muito a sério o autodomínio. Ele se abstinha de todas as necessidades supérfluas, era indiferente a tudo que é convencional, mundano. No lugar de se preocupar com vantagens, riquezas e famas, o cínico concentrava seus esforços em controlar seus instintos e paixões. Os estoicos também recomendava isso também. Vencer a si mesmo deve ser a maior preocupação do sábio.
            Os cínicos consideravam os animais como os grandes exemplos de bem viver. Eles procuram somente o necessário para a sua vida. Estes filósofos são chamados exatamente de cínicos, de kyon “cão”.  Isso nos leva ao segundo conceito mais importante do cinismo, a autossuficiência. Isto é, bastar a si mesmo, não ter muitas necessidades e preocupações. O homem sábio deve ser totalmente livre das circunstâncias.
            Podemos notar algumas coincidências entre a filosofia helenista e a tradição bíblica. O livro do Eclesiastes apresenta temas comuns ao estoicismo e ao epicurismo. Nesta direção, alguns estudiosos já indicaram também uma semelhança entre Jesus e os filósofos cínicos. Jesus desaconselhava o acúmulo de riqueza, a resistência interior e orientava que a cada dia basta a sua preocupação.

Textos:

DIAS, Rafael Parente Ferreira Dias. A importância da felicidade na filosofia cínica. Griot– Revista de Filosofia, Amargosa, Bahia – Brasil, v.10, n.2, dezembro/2014.

A atitude adoxástica


4 - O ENFRENTAMENTO DAS AFLIÇÕES E A SUSPENSÃO DAS OPINIÕES



O ecletismo foi um dos movimentos filosóficos do período helenista que tendem absorver um pouco de cada ética. Um dos principais representantes desta filosofia é o escritor romano Cícero (106-43 a. C.).  O filósofo considerava que o domínio de si é a grande força para se viver uma vida virtuosa. Existem muitos bens, mas o homem e a mulher devem se centrar nos bens da alma.  As riquezas e a fama são desaconselhadas.
A força de vontade (tensão) é o impulsor do autodomínio. Mesmo tendo um claro propósito de sempre buscar o bem, a pessoa precisa de exercitar a virtude, ter o auxílio dos outros e procurar a conversação anterior. Cícero não acreditava no sábio perfeito. A tranquilidade, grande meta das éticas do helenismo, também é recomendada pelos ecléticos.  O homem precisa utilizar o autodomínio para enfrentar a dor e o sofrimento. A aflição diante do sofrimento só aumenta os males. O que mais nos aflige são ideias que temos sobre o sofrimento, se buscarmos a reflexão superaremos melhor.
O ceticismo foi um movimento filosófico que questionava os limites do conhecimento, mas também que gerava uma atitude ética. Pirro de Élida foi o iniciador desta filosofia. Segundo uma citação de Eusébio de Cesareia, o fundador do ceticismo dizia que quem deseja ser feliz deve examinar a natureza das coisas. Elas são indiferenciadas, instáveis e indecidíveis.  Não devemos confiar nos sentidos. A atitude do cético é permanecer sem emitir opinião (adoxastos). Em geral, o preceito é viver na indiferença e na imperturbabilidade.

Texto:

CÍCERO. Disputas Tusculanas I e II.

Hedonismo epicurista


3 - O PRAZER COMO FONTE DE FELICIDADE



O epicurismo foi um movimento filosófico da antiguidade que valorizava o prazer como fonte da felicidade. Seu fundador foi Epicuro de Samos (341-270 a. C.). Uma das fontes para o conhecimento do pensamento de Epicuro é o livro X da obra As Vidas dos Filósofos de Diógenes Laércio. Os textos principais são a Carta a Meneceu, Carta a Heródoto, Carta a Pitocles e Sentenças Vaticanas.
Segundo Epicuro, “todo prazer, por sua própria natureza, é um bem, não tem que escolher todos”.  O comportamento instintivo de todos os animais são guiados para buscar o prazer e evitar a dor. Porém, quando se fala em prazer, muitos, logo, vão pensar no hedonismo de uma vida sem limites. Mas Epicuro entendia o prazer como “ausência de sofrimentos físicose de perturbações da alma”.
Os prazeres devem ser escolhidos com sabedoria. Existem muitas formas de prazer, mas nem todos devem ser procurados. Se a busca por um prazer causa a alguém mais males do que bem-estar, então, este é um prazer desaconselhável. A regra procurar prazeres que não impliquem grandes dores.
O impulso para a busca do prazer é o desejo. Epicuro ensinava que devemos saber classificar os desejos. Alguns são naturais e necessários, mas outros são naturais e não são necessários. Assim como existe uma terceira classe que envolve desejos que não são nem naturais e nem necessários.
Diferentemente do que uma mente contemporânea espera, a ética epicurista valoriza a parcimônia, a frugalidade. Os desejos de riqueza e de fama são prazeres transitórios e não-naturais. A regra da vida é não causar e nem receber nem um dano.

Textos:

SAMOS, Epicuro de. Carta a Meneceu. 130.

SAMOS, Epicuro de. Máximas Capitais. VIII.

Representação e Prudência


1.   AS REPRESENTAÇÕES NEGATIVAS



Em tempos de crise, vamos buscar consolações na filosofia. Epicuro de Samos (341-270) e Epicteto são filósofos da antiguidade que podem nos ajudar muito com seus conselhos morais. Epicuro é o fundador do epicurismo. Enquanto, Epicteto é um estóico. Apesar de terem concepções opostas, são éticas que podem atuar juntas.
Segundo Epicteto, “as coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas”. Em tempos de crise, devemos procurar manter uma opinião sobre os fatos que nos possibilitem encontrar a tranquilidade. A opinião que temos do sofrimento e da morte torna tudo mais difícil.
As coisas não inquietam os homens, mas as opiniões sobre as coisas. Por exemplo a morte nada tem de terrível ou também a Sócrates teria se afigurado assim , m as é a opinião a respeito da morte de que ela é terrível que é terrível! Então, quando se nos apresentarem entraves ou nos inquietarmos ou nos afligirmos, jamais consideremos outra coisa a causa, senão nós mesmos isto é as nossas próprias opiniões.[1]
A opinião sobre um acontecimento faz toda a diferença. Existem muitas possibilidades sobre o futuro. Se você escolhe se preocupar com as possibilidades menos relevantes, comprometerá o cuidado com o momento. Portanto, procure pensar na possibilidade de que as coisas vão ocorrer bem e esteja firme para fazer o que é necessário no tempo oportuno. O pensamento negativo sobre o futuro compromete nosso presente. Se superarmos as representações nocivas sobre os fatos, conseguiremos manter a nossa tranquilidade.
Diante das adversidades, Epicteto aconselhava a criar virtudes de resistência. Ninguém pode evitar alguns acontecimentos, mas pode trabalhar sua representação sobre eles sem os desejos. Não deixar ser afetados pelos acontecimentos é uma virtude. O mundo nem sempre corresponde aos nossos desejos. Portanto, somos nós que temos de adequar nossos desejos.[2] Só podemos mudar o que pode ser mudado e devemos nos conformar com aquilo que não pode ser mudado.
Com o pensamento positivo, teremos mais condições de tomar nossos cuidados. De acordo com Epicuro, a vida feliz depende da prudência.[3] Ser prudente é prever os futuros danos e se antecipar no cuidado. Muitas vezes, para termos prazer no futuro, devemos renunciar algumas coisas. A prudência manda a gente prevenir e saber medir as perdas e os ganhos. Não temos certeza do desenrolar das coisas, mas se agirmos com cautela, nós não teremos motivos para arrependimentos.

Textos:

EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto.  São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012.

EPICURO. Carta sobre a Felicidade. São Paulo: Editora UNESP, 2002.




[1] EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto.  São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012, p. 19.
[2]EPICTETO. O Encheirídion de Epicteto.  São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2012.
[3]EPICURO. Carta sobre a Felicidade. São Paulo: Editora UNESP, 2002. P. 45.

Introdução às éticas helenistas I


1.   OS SÁBIOS HELENISTAS



            Depois da morte de Alexandre Magno em 323 antes de Cristo, como resultado de seu domínio sobre os povos do Oriente, formou-se um tipo de cultura na antiguidade que chamamos de helenismo. Segundo Battista Mondin, helenismo é a “universalização da língua e da cultura grega, de sua expansão pelos países orientais”, impulsionada pelo império de Alexandre.[1] Depois de 322, inicia-se um período na história da filosofia chamado de pós-aristotélico ou helenista.
            A nova tendência dentro da filosofia neste período helenista, que se estende até século III depois de Cristo, foi marcada por discussões eminentemente éticas. Quatro movimentos filosóficos são notáveis nesta época: o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo, o ecletismo e o ceticismo. Por ora, vamos nos deter nas duas principais éticas daquele tempo. São a ética estóica e a ética epicurista. Estes movimentos transformaram a filosofia em algo prático. Eles atraíram muitos adeptos porque compreendiam a filosofia como arte de viver.[2]
            Comecemos pelo estoicismo. O iniciador do estoicismo foi Zenão de Cítio que viveu de 333 a 262 antes de Cristo. Esta escola filosófica teve várias fases e se estendeu do século IV antes de Cristo até o III depois de Cristo. Esta escola influenciou bastante a moral do cristianismo.
            Segundo a ética estóica, o objetivo da vida é a felicidade. Mas ninguém pode alcançá-la se não viver de acordo com a natureza. Viver segundo a natureza é conformar-se com a necessidade. O homem e a mulher para serem virtuosos eles devem ser governados pela razão. Eles devem manter uma harmonia interna entre a razão e as emoções. Estas duas dimensões humanas são extremas e opostas.
            A pessoa virtuosa deve superar as emoções, procurando ser indiferente às contingências da vida e sem se preocupar com aquilo que não está sob seu poder. Para o sábio estóico, uma noção importante para ser feliz é entender que existem acontecimentos que dependem de nós e há aqueles que não dependem. Portanto, dirija seu pensamento para aquilo que depende de você, evite se apegar àquilo que está sujeito às mudanças. Epicteto dizia que devemos nos comportar como se fôssemos um simples hóspede neste mundo.
            A primeira lição do estoicismo que vamos deixar aqui é apátheia. Trata-se do desapego das coisas e dos acontecimentos. Isso se faz anulando aquelas emoções que nos prendem ao que é passageiro. O filósofo Marco Aurélio aconselhava “não permitas que te arrastem os acidentes exteriores”. A pré-noção que temos delas nos aprisiona. Ainda nem aconteceu e já estamos sofrendo por antecipação. A vida feliz depende do desapego e da harmonia interior. Deixe-se ser guiado pela natureza, pela razão.

Textos:

MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 1981.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. Antiguidade e Idade Média. Volume I. São Paulo: Paulus, 2003.

SHARPLES, R. W. Stoics, Epicureans and Sceptics: An Introduction to Hellenistic Philosophy. London; New York: Routledge, 1996.



[1]MONDIN, Battista. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulus, 1981, p. 107.
[2] MONDIN, 1981, p. 108.

 

Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001