OS
ESQUECIMENTOS E OS SILENCIAMENTOS DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA
Prof.
José Aristides da Silva Gamito[1]
Os manuais didáticos de
filosofia utilizados até recentemente possuem uma característica comum e
evidente, eles elencam apenas filósofos europeus, brancos e masculinos. A
filosofia, com raras exceções, é uma atividade orginalmente aristocrática. A historiografia
oficial utilizada por séculos no ensino de filosofia traz esquecimentos e
silenciamentos de classes, de gênero e de etnias. Mesmo as tradições mais
libertárias não conseguiram filosofar de modo plural. E qual é o maior
problema?
Por trás dos
esquecimentos e dos silenciamentos da história da filosofia existe o
esquecimento do corpo. Quem filosofa não é uma entidade metafísica,
desenraizada no espaço e atemporal. Quando a atividade do filósofo se faz
levando em conta o corpo, você percebe que há gênero, há etnia, há uma
diversidade de corpos que pensam, categorizam e se posicionam no cenário das
ideias. No nosso do ensino de filosofia no Brasil, há três esquecimentos
fundamentais: a mulher filósofa, o filósofo africano e a filósofa africana e o
filósofo brasileira e a filósofa brasileira. Esses silenciamentos percebidos
nos manuais tradicionais provocam três perguntas: a) Onde estão as mulheres na
história da filosofia? b) Há uma filosofia africana e negra? c) Existe uma
filosofia nacional, brasileira?
Os textos e as teorias
canonizadas na filosofia trazem como autores apenas homens: Platão, Aristóteles,
Descartes, Locke, Kant etc. As mulheres estão completamente esquecidas nessas
referências. Desde minha graduação em filosofia que isso me inquietava e fiz a
minha primeira incursão no tema para produzir o TCC “Esboço da História das
Filósofas: Resgatando a tradição filosófica feminina” (2010). Então, descobri
que nos mesmos espaços onde estavam Pitágoras, Sócrates e muitos ouros nomes,
estavam Temistocleia, Esara de Lucânia, Areta de Cirene, Diotima de Mantineia e
tantas outras mulheres que foram filósofas na antiguidade. E assim, em todas as
eras da história da filosofia. Uma das pioneiras no resgate desta tradição foi
a professora Mary Ellen Waithe com sua obra em quatro volumes, A History of Women Philosophers. Finalmente,
foi respondida a primeira questão. Sim,
existiram e existem filósofas. Os programas de ensino de filosofia precisam
devolver os espaços para as filósofas. De modo geral, existe uma necessidade de
recanonização dos filósofos e dos textos.
O segundo esquecimento
da história da filosofia está no fato de ela ser a história apenas de brancos
europeus. Quando estudamos filosofia, os africanos são apresentados como se
fossem europeus, gregos vivendo no continente africano. Mal enxergamos que a
Escola Cirenaica, por exemplo, é marca da presença da filosofia no continente
africano desde a antiguidade. Os filósofos egípcios de Alexandria não são
vistos como africanos, nem os pensadores cristãos de Cartago e nem os de Hipona.
Um silêncio total impera sobre a África Negra. A África do centro e do sul é
totalmente desconhecida nos nossos textos didáticos. O pretexto da ausência de
escrita e do predomínio da oralidade justifica o desinteresse pela filosofia
africana. Alguns termos como nyerereísmo,
nkrumahismo, filosofia ubuntu e filosofia yorubá são estranhos para nós. Até
pouco tempo, eu desconhecia quase tudo sobre filosofia na África.
A visão eurocêntrica da
filosofia reina na nossa desconfiança também sobre a existência de uma
filosofia latino-americana e, principalmente, brasileira, nacional. O seu ensino
está no Brasil desde a chegada dos jesuítas. Em 1572, iniciou-se o ensino de
filosofia no Colégio da Bahia. Muitos brasileiros se dedicaram a ensinar e a
escrever no campo da filosofia. São pouco conhecidos nomes como Silvestre Pinheiro Ferreira, Antônio Pedro
de Figueiredo, Eduardo Ferreira França, Escola de Recife, Nísia Floresta, Maria
Firmina dos Reis. Antônio
Paim resgatou muitas riquezas da filosofia nacional na sua obra História das Ideias Filosóficas no Brasil.
Portanto, é dever das
novas gerações de professores de filosofia adotarem um ensino da história da
filosofia que seja mais justo. Isso exige reaprendizagem e precisamos
aproveitar os espaços já existentes para um novo olhar para a história da
filosofia.
Algumas referências:
CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. Revista Filosófica de Coimbra, n. 39, p. 163-192. 2011.
PAIM, Antônio. História das Ideias Filosóficas no Brasil. 6ª edição. Londrina: Edições Humanidades, 2007
MAWERE, Munyaradzi; MUBAYA, Tapuwa R. African philosophy and Thought Systems. Bamenda: Laanga RPCIG, 2016.
WAITHE, Mary Ellen. A History of Women Philosophers: Ancient Women Philosophers 600 B.C. — 500 A.D. Volume I. Dordrecht: Springer, 1989.
Semana
da Filósofa e do Filósofo:
Pensando no
aprofundamento desses temas, nosso coletivo de professores de filosofia está
realizando de 13 a 15 de agosto de 2020, online, três videoconferências
gratuitas com o tema geral: “Os esquecimentos e os silenciamentos na história
da filosofia”:
Dia
13/08, quinta-feira, às 19 horas – “A existência e a
legitimidade de uma Filosofia Brasileira”, com prof. espta. Flávio Gonçalves,
SME-Cariacica/ES.
Dia
14/08, sexta-feira, às 19 horas – “Epistemicídio: o caso
da Filosofia Africana”, com prof. dra. Adna Cândido de Paula, UFVJM.
Dia
15/08, sábado, às 19 horas – “os desafios de método na
recuperação de mulheres na história da filosofia, analisando os casos de
Elisabeth da Bohemia e Émilie du Châtelet.”, com prof. dra. Katarina Peixoto, UERJ.
As transmissões podem
ser acessadas livremente nos links: www.facebook.com/assoc.concipa
, www.facebook.com/filosofiahodierna,
e no canal do YouTube: Associação Sociocultural Concipa. Mais informações pelo
e-mail: assoc.socioculturalconcipa@gmail.com.