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terça-feira, 11 de agosto de 2020

SEMANA DA FILÓSOFA E DO FILÓSOFO

 

OS ESQUECIMENTOS E OS SILENCIAMENTOS DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

 

Prof. José Aristides da Silva Gamito[1]

 

Os manuais didáticos de filosofia utilizados até recentemente possuem uma característica comum e evidente, eles elencam apenas filósofos europeus, brancos e masculinos. A filosofia, com raras exceções, é uma atividade orginalmente aristocrática. A historiografia oficial utilizada por séculos no ensino de filosofia traz esquecimentos e silenciamentos de classes, de gênero e de etnias. Mesmo as tradições mais libertárias não conseguiram filosofar de modo plural. E qual é o maior problema?

Por trás dos esquecimentos e dos silenciamentos da história da filosofia existe o esquecimento do corpo. Quem filosofa não é uma entidade metafísica, desenraizada no espaço e atemporal. Quando a atividade do filósofo se faz levando em conta o corpo, você percebe que há gênero, há etnia, há uma diversidade de corpos que pensam, categorizam e se posicionam no cenário das ideias. No nosso do ensino de filosofia no Brasil, há três esquecimentos fundamentais: a mulher filósofa, o filósofo africano e a filósofa africana e o filósofo brasileira e a filósofa brasileira. Esses silenciamentos percebidos nos manuais tradicionais provocam três perguntas: a) Onde estão as mulheres na história da filosofia? b) Há uma filosofia africana e negra? c) Existe uma filosofia nacional, brasileira?

Os textos e as teorias canonizadas na filosofia trazem como autores apenas homens: Platão, Aristóteles, Descartes, Locke, Kant etc. As mulheres estão completamente esquecidas nessas referências. Desde minha graduação em filosofia que isso me inquietava e fiz a minha primeira incursão no tema para produzir o TCC “Esboço da História das Filósofas: Resgatando a tradição filosófica feminina” (2010). Então, descobri que nos mesmos espaços onde estavam Pitágoras, Sócrates e muitos ouros nomes, estavam Temistocleia, Esara de Lucânia, Areta de Cirene, Diotima de Mantineia e tantas outras mulheres que foram filósofas na antiguidade. E assim, em todas as eras da história da filosofia. Uma das pioneiras no resgate desta tradição foi a professora Mary Ellen Waithe com sua obra em quatro volumes, A History of Women Philosophers. Finalmente, foi respondida a primeira questão. Sim, existiram e existem filósofas. Os programas de ensino de filosofia precisam devolver os espaços para as filósofas. De modo geral, existe uma necessidade de recanonização dos filósofos e dos textos.

O segundo esquecimento da história da filosofia está no fato de ela ser a história apenas de brancos europeus. Quando estudamos filosofia, os africanos são apresentados como se fossem europeus, gregos vivendo no continente africano. Mal enxergamos que a Escola Cirenaica, por exemplo, é marca da presença da filosofia no continente africano desde a antiguidade. Os filósofos egípcios de Alexandria não são vistos como africanos, nem os pensadores cristãos de Cartago e nem os de Hipona. Um silêncio total impera sobre a África Negra. A África do centro e do sul é totalmente desconhecida nos nossos textos didáticos. O pretexto da ausência de escrita e do predomínio da oralidade justifica o desinteresse pela filosofia africana. Alguns termos como nyerereísmo, nkrumahismo, filosofia ubuntu e filosofia yorubá são estranhos para nós. Até pouco tempo, eu desconhecia quase tudo sobre filosofia na África.

A visão eurocêntrica da filosofia reina na nossa desconfiança também sobre a existência de uma filosofia latino-americana e, principalmente, brasileira, nacional. O seu ensino está no Brasil desde a chegada dos jesuítas. Em 1572, iniciou-se o ensino de filosofia no Colégio da Bahia. Muitos brasileiros se dedicaram a ensinar e a escrever no campo da filosofia. São pouco conhecidos nomes como Silvestre Pinheiro Ferreira, Antônio Pedro de Figueiredo, Eduardo Ferreira França, Escola de Recife, Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis. Antônio Paim resgatou muitas riquezas da filosofia nacional na sua obra História das Ideias Filosóficas no Brasil.

Portanto, é dever das novas gerações de professores de filosofia adotarem um ensino da história da filosofia que seja mais justo. Isso exige reaprendizagem e precisamos aproveitar os espaços já existentes para um novo olhar para a história da filosofia.

 

Algumas referências:

CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. Revista Filosófica de Coimbra, n. 39, p. 163-192. 2011.

PAIM, Antônio. História das Ideias Filosóficas no Brasil. 6ª edição. Londrina: Edições Humanidades, 2007

MAWERE, Munyaradzi; MUBAYA, Tapuwa R. African philosophy and Thought Systems. Bamenda: Laanga RPCIG, 2016.

WAITHE, Mary Ellen. A History of Women Philosophers: Ancient Women Philosophers 600 B.C. — 500 A.D. Volume I. Dordrecht: Springer, 1989.

 

Semana da Filósofa e do Filósofo:

 

Pensando no aprofundamento desses temas, nosso coletivo de professores de filosofia está realizando de 13 a 15 de agosto de 2020, online, três videoconferências gratuitas com o tema geral: “Os esquecimentos e os silenciamentos na história da filosofia”:

 

Dia 13/08, quinta-feira, às 19 horas – “A existência e a legitimidade de uma Filosofia Brasileira”, com prof. espta. Flávio Gonçalves, SME-Cariacica/ES.

 

Dia 14/08, sexta-feira, às 19 horas – “Epistemicídio: o caso da Filosofia Africana”, com prof. dra. Adna Cândido de Paula, UFVJM.

 

Dia 15/08, sábado, às 19 horas – “os desafios de método na recuperação de mulheres na história da filosofia, analisando os casos de Elisabeth da Bohemia e Émilie du Châtelet.”, com prof. dra. Katarina Peixoto, UERJ.

 

As transmissões podem ser acessadas livremente nos links: www.facebook.com/assoc.concipa , www.facebook.com/filosofiahodierna, e no canal do YouTube: Associação Sociocultural Concipa. Mais informações pelo e-mail: assoc.socioculturalconcipa@gmail.com.

 

 

 

Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001