Social Icons

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Teoria do Conhecimento no diálogo Teeteto

IV - A PREOCUPAÇÃO COM O CONHECIMENTO NA ORIGEM DA FILOSOFIA

socrates-y-sus-discipulos-grabado-segun-pintura-de-pinelli
Crédito: www.universitarianweb.com
         Os primeiros filósofos não tinham uma preocupação com o conhecimento enquanto tal, mas Heráclito, Parmênides e Demócrito já demonstram certa preocupação.  Com a idéia do devir, Heráclito afirma que não há como conhecer aquilo muda constantemente.
         Na obra de Platão, Sócrates extrai de Teeteto três definições de episteme que não são mantidas: (1) a episteme como sensação (aisthesis); (2) a episteme como opinião verdadeira (alethes doxa); e, (3) a episteme como opinião verdadeira acompanhada da explicação racional ou logos (alethes doxa meta logou).
         A obra Teeteto foi criada em 369/368 a. C.  É um diálogo com diferentes interlocutores. A temática é o conhecimento. No diálogo Sócrates a definição de conhecimento como sensação, atacando a tese proposta por Teeteto com base nas ideias de Protágoras.
                  Primeiro é apresentada uma tese empirista, mostrando que o conhecimento é produzido através dos sentidos e da memória.  A informação é recebida através dos sentidos que são impressões, sensação e tudo que é captado pelos cinco sentidos. A informação é processada pela memória, das lembranças e das experiências são organizadas pela razão. Esta tem o papel de mera organizadora dos dados dos sentidos.
         Outra tese apresentada é o racionalismo. A verdade é conhecida através da razão. Os instrumentos básicos para tal operação mental são a dedução e a indução. Porém, existe uma realidade autônoma e independente do sujeito.
         No diálogo, Platão fica impactado com a posição de Heráclito. Se tudo muda constantemente, como se dará o conhecimento? O conhecimento é determinado pela realidade, se ela é instável, o conhecimento se torna impossível.
         Platão estabelece que existe o real e o aparente.  A aparência é o fenômeno do mundo sensível que é conhecido através dos sentidos. Se a realidade é mutável, no sentido heraclitiano, Platão se questiona se o conhecimento está em constante mudança ou o que percebemos é ilusório.
         Platão analisa também a posição de Protágoras. Nesta perspectiva o conhecimento se amolda a cada indivíduo e a verdade passa a depender de cada sujeito. O autor do diálogo rejeita a ideia da perpétua mudança do real afirmando que deve existir algo estável que sustente o movimento constante das coisas.
         Se perceber é conhecer não haveria distinção entre sonho e vigília. Seria difícil distinguir os dois estados. Assim o internalismo seria tão extremo que a verdade seria somente do sujeito.  A única certeza são os estados mentais, só se teria certeza sobre a própria existência.
         Para Platão, o conhecimento tem de ser objetivo, externo ao indivíduo, universal. Esta objetividade provém do mundo inteligível. O eidos é o conhecimento puro que é acessível somente através da razão. O eidos é o único que podemos a doxa (opinião) e a pistis (crença) são produtos dos sentidos.

Leituras propostas:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. Capítulo 1 – A Preocupação com o Conhecimento, p. 137 – 142.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: Introdução à Filosofia.  Unidade II – O conhecimento, p. 20.
Estrutura do Teeteto. Disponível em:

http://filoparanavai.blogspot.com.br/2010/05/teeteto-estrutura-geral-da-obra-teeteto.html

Conhecimento e Linguagem mítica

IV - A FORÇA DO CONHECIMENTO NA LINGUAGEM MÍTICA

         A árvore do conhecimento do Gênesis e o mito de Prometeu que rouba o fogo dos deuses demonstram que a habilidade que brota do conhecimento ajuda pessoas a vencerem forças descomunais. A astúcia da serpente no Gênesis nos leva a perceber que o “ouse saber” kantiano traz o conhecimento da realidade, a iluminação.
         Na Antiguidade, muitos mitos tratam a posse do conhecimento como uma ousadia que merece punição. Em Gênesis 3 diz que a serpente era o mais astuto dos animais. A serpente instiga a mulher a comer do fruto proibido porque quando isso acontecer, ela conhecerá o bem e o mal. O texto classifica aquela árvore como árvore “desejável para dar entendimento” (Gn 3.6). O ato de comer fruto abre os olhos de Adão e Eva, dá-lhes conhecimento. Deus os castiga pela ousadia, expulsando-os do Éden e condenando a serpente a rastejar.
         Segundo Hesíodo, na Teogonia, Prometeu enganou Zeus com a carne do sacrifício, roubou o fogo e o devolveu à humanidade. O castigo que Prometeu recebeu foi ser acorrentado a uma rocha no monte Cáucaso e ter seu fígado devorado diariamente por uma águia. O pior é que toda noite seu fígado regenerava para ser novamente devorado. A punição pela ousadia do conhecimento aparece nos primeiros textos antigos a tratarem do assunto.
         Já no campo especificamente da filosofia podemos analisar a mesma situação ocorrendo na Alegoria da Caverna de Platão. Observemos esses elementos em um trecho da famosa Alegoria da Caverna:
Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo. (Platão, A República, Livro VII).

         Platão escolheu uma alegoria para falar da situação do conhecimento frente ao conhecimento da realidade. Analisemos o texto.  Alguns termos são repetitivos no texto como imagine, homens, caverna, caminho, fogo, acorrentados. A presença insistente de certos termos determina o assunto. Logo, sabemos que se trata "homens numa caverna". O texto inicia com uma palavra-chave "imagine", um imperativo. Precisamos recorrer ao texto grego, pois para recriar em nossa imaginação aquilo que o autor sugere. Pergunta fundamental: De que tipo de caverna fala o autor? O termo utilizado no texto grego é  σπήλαιον: Caverna, cavidade, lugar escondido. Como podemos analisar o texto por categorias? Tempo: Agora (na imaginação). Agentes: Homens (acorrentados). Lugar: Caverna. Relação: Acesso à exteriodade ao muro. Resumindo: O autor nos sugere imaginar homens prisioneiros em uma caverna sem acesso ao espaço exterior. Problema a ser levantado: Acontecem coisas lá fora e eles não têm acesso, como podem de saber da totalidade que é a realidade? A tese defendida notamos na primeira oração: A nossa natureza depende do grau de educação (παιδεία) que recebemos.
         Assim comenta Marilena Chauí sobre a alegoria da caverna:

O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo a condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense) (?) Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro (CHAUÍ, 2005).

         Existe uma inter-relação entre conhecimento e realidade. A teoria da ideias de Platão é, na verdade, uma teoria do conhecimento das ideias.  A saída da caverna representa a nossa atitude de questionar as crenças já adquiridas e que estão enraizadas em nós. Elas nos mostram uma fotografia da realidade que não é conclusiva. Os primeiros questionamentos gnosiológicos são: Que justifica nossas crenças e que razões temos para supor que são verdadeiras?



Leitura proposta:
Bíblia - Gênesis;
Teogonia de Hesíodo - Mito de Prometeu.
República de Platão - Alegoria da Caverna.

Definição de Conhecimento

Leitura proposta:
HESSEN, Johannes. Teoria do Conhecimento. Texto: A história do conhecimento, PP. 14-15.

A HISTÓRIA DO CONHECIMENTO – JOHANNES HESSEN
}  “Como disciplina filosófica independente, não se pode falar de uma teoria do conhecimento nem na Antiguidade nem na Idade Média. Certamente, encontraremos numerosas reflexões epistemológicas na filosofia antiga, especialmente em Platão e em Aristóteles. São, porém, investigações epistemológicas que ainda estão completamente embutidas em contextos psicológicos e metafísicos.
}  É só na Idade Moderna que a teoria do conhecimento aparece como disciplina independente. O filósofo inglês John Locke deve ser considerado seu fundador. Sua principal obra, An Essay concerning Human Understanding, publicada em 1690, trata de modo sistemático as questões referentes à origem, à essência e à certeza do conhecimento humano.”
}  « No livro Nouveaux essais sur I'entendement humain, publicado postumamente em 1765, Leibniz tentou refutar o ponto de vista epistemológico de Locke. Na Inglaterra, George Berkeley, em sua obra  Treatise concerning the Principles of Human Knowledge (1710), e David Hume, em sua obra principal, Treatise on Human Nature (1739/40) e em outra de menor dimensão, o Enquiry concerning Human Understanding (1748), continuaram edificando sobre a base dos resultados obtidos por Locke.
}  Na filosofia continental, lmmanuel Kant aparece como o verdadeiro fundador da teoria do conhecimento. Em sua principal obra epistemológica, a Crítica da razão pura (1781), tentou fornecer uma fundamentação crítica ao conhecimento das ciências naturais. O método que usou foi chamado por ele próprio de "método transcendental.
}  Esse método não investiga a gênese psicológica do conhecimento, mas sua validade lógica. Não pergunta, à maneira do método psicológico, como surge o conhecimento, mas sim como é possível o conhecimento, sobre quais fundamentos, sobre quais pressupostos ele repousa. Em virtude desse método, a filosofia de Kant também é chamada abreviadamente de transcendentalismo ou, ainda, de criticismo.
}  Em Fichte, o sucessor imediato de Kant, a teoria do conhecimento aparece pela primeira vez intitulada "teoria da ciência". Mas já apresenta aquele amálgama de teoria do conhecimento e metafísica que ganhará livre curso em Schelling e Hegel e que também estará inconfundivelmente presente em Schopenhauer e em Hartmann.
}  Em contraposição a esses tratamentos metafísicos da teoria do conhecimento, o neokantismo, surgido na década de 1860, esforça-se por separar nitidamente o questionamento metafísico do epistemológico. No entanto, o problema epistemológico foi tão vigorosamente empurrado para o primeiro plano que a filosofia corria o perigo de reduzir-se à teoria do conhecimento.
}  O neokantismo desenvolveu a teoria kantiana do conhecimento numa direção muito bem determinada. A unilateralidade de questionamento que isso provocou fez logo surgirem numerosas correntes epistemológicas contrárias. Vem daí estarmos hoje ante uma enorme quantidade de direcionamentos epistemológicos, de que os mais importantes serão apresentados a seguir em conexão sistemática.” (HESSEN, 2000, pp. 14-15)

II – CONCEITUAÇÃO DE TEORIA DO CONHECIMENTO

    A Teoria do Conhecimento é uma investigação sobre a origem, extensão e limite do conhecimento. Outros nomes são tidos como equivalentes a esta disciplina como epistemologia, gnoseologia.  Segundo Carvalho, a epistemologia e a teoria do conhecimento têm finalidades diferentes:
Por estar diretamente ligada aos problemas da ciência e do conhecimento, às vezes a epistemologia foi confundida com a teoria do conhecimento. Entretanto devemos evitar este equívoco, pois, enquanto a teoria do conhecimento sempre fez parte da filosofia, ao longo de sua história, procurando tratar do problema do conhecimento humano como um todo, o termo epistemologia só foi utilizado, no final do século XIX, inicialmente por alguns membros do “Círculo de Viena”, que usaram o termo para designar os estudos especificamente voltados para problemas das ciências empíricas (CARVALHO, p. 14).

Porém, estas diferentes acepções não estão bem convencionadas. Abbagnano diz que as diferenças possuem mais razões linguísticas:
Em italiano, o termo mais usado é gnoseologia. Em alemão, o termo Gnoséologie, cunhado pelo wolffiano Baumgarten, teve pouco sucesso, ao passo que o termo Erkenntnistheorie, empregado pelo kantiano Reinhold (Versuch einer neuen Theorie des menschlichen Vorstellungsvermögens, 1789) foi comumente aceito. Em inglês, o termo Epistemology foi introduzido por J. F. Ferrier (Institutes of Metaphysics, 1854) e é o único empregado comumente; Gnoseology é bem raro. Em francês, emprega-se comumente Gnoséologie e, mais raramente, Épistemologie. Todos esses nomes têm o mesmo significado... (ABBAGNANO, p. 183).

Em síntese, a Teoria do conhecimento tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites da faculdade de conhecer. (JAPIASSU).

III - O QUE É CONHECIMENTO
         Em tese, conhecimento é uma técnica para verificar que tipo é um objeto. Ou seja, um procedimento para descrever um objeto, calculá-lo ou prevê-lo. A técnica refere-se tanto à utilização dos órgãos dos sentidos ou de instrumentos que possibilitem ampliar a habilidade deles. As técnicas de verificação têm alcances variados, ora o conhecimento tem eficácia máxima, ora tem eficácia mínima ou nula (ABBAGNANO).
         A definição clássica de conhecimento foi desenvolvida por Sócrates, e aparece em diferentes diálogos de Platão, como o Teeteto, o Mênon, a República e o Timeu. Segundo a qual conhecimento seria uma opinião verdadeira justificada. No Teeteto, “a opinião verdadeira acompanhada de razão é conhecimento, e, desprovida de razão, a opinião está fora da conhecimento”. No Mênon, Sócrates afirma que “o conhecimento se distingue da opinião certa por seu encadeamento racional”.
         O primeiro elemento desta definição clássica de conhecimento é a opinião, a literatura anglofônica, prefere o termo ‘crença’. Se tomarmos alguns exemplos nem sempre crença e conhecimento são identificáveis.  Já a verdade segundo Platão e Aristóteles é afirmar que aquilo que é, é, e o que não é, não é.

Leitura proposta:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Verbete: Conhecimento, p. 174 -183.

Teoria do Conhecimento I

I - INTRODUÇÃO

         Nos séculos XV e XVII ocorreram profundas transformações políticas, sociais, religiosas e culturais que deram origem ao que chamamos de Idade Moderna. Durante esse período aconteceu a Revolução Científica. A partir dela o homem mudou sua visão sobre a natureza em vez de admirá-la quis transformá-la.
         Porém, tudo teve início com a preocupação com o método adequado de pesquisa. O primado da razão, a busca da experimentação e a ruptura com o método escolástico perpassaram essas reflexões sobre o método científico. Juntamente com a busca do método ideal, surgiram os primeiros tratados específicos sobre a gênese do conhecimento.
         Para se ter um método seguro, era preciso entender como se dá o conhecimento humano. Descartes com o “Discurso do Método” põe em questão toda a tradição medieval e opta pela supremacia da razão. Locke, por sua vez, no “Ensaio sobre o Entendimento Humano” valoriza as experiências provenientes do mundo externo. Mais tarde Kant fará uma síntese criteriosa sobre essa bipolarização: Racionalismo versus empirismo. O limiar da Idade Moderna é marcado por uma discussão fundamental para a filosofia e para a ciência: o que é o conhecimento e como ele ocorre.
         É justamente nesse contexto que surgem as primeiras teorias do conhecimento mais completas. Mas as primeiras elucubrações sobre o tema estão em Platão e Aristóteles. A clássica Alegoria da Caverna já acena para a natureza do conhecimento e no Teeteto, Platão desenvolve uma discussão sobre os tipos de conhecimento.
Na Antiguidade e na Era Medieval, não podemos falar numa disciplina filosófica específica sobre o conhecimento. Encontramos muitas reflexões epistemológicas em Platão e Aristóteles, porém, elas aparecem em textos metafísicas e psicológicos. Poderíamos considerar fundador da Teoria do Conhecimento, no dizer de Hessen, John Locke, em 1690.


 

Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001