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terça-feira, 17 de setembro de 2019

Racionalismo versus Empirismo


TEORIA DO CONHECIMENTO

I – RACIONALISMO E EMPIRISMO: O EMBATE MILENAR

1.      Introdução

Desde antiguidade há duas linhas epistemológicas em constante concorrência: O racionalismo e o empirismo. O racionalismo tem seu início com Platão e sustenta que a razão é a fonte do conhecimento. Os seus defensores acreditam na intuição. Uma das teses defendidas por racionalistas é a existência de ideias inatas. O conhecimento é garantido pela razão e pela lógica. São os principais nomes racionalistas: Platão, Agostinho, Descartes, Leibniz e, contemporaneamente, Noam Chomsky.[1]
O empirismo, por sua vez, tem suas origens em Aristóteles e afirma que a experiência é a fonte do conhecimento. Os sentidos são ativos no processo cognitivo. Não há nenhum conhecimento inato já que tudo passa pelos sentidos e vem do mundo exterior. Os principais empiristas são Aristóteles, Tomás de Aquino, Locke, Hume e Berkeley.

2. As origens do racionalismo em Platão
 
Esquema epistemológico de Platão.
O conhecimento em Platão tem como instância geradora a razão.  Com sua teoria da reminiscência, ele acredita que existem ideias inatas. O fundamento do conhecimento preexiste antes da experiência. Descartes herda esta concepção e a expõe de um modo mais radical, inaugurando o racionalismo moderno.
A constatação de que as coisas do mundo estão em constante mudança leva Platão a considerar que o conhecimento não pode ser adquirido na experiência do sensível. A sustentação do conhecimento verdadeiro só pode vir de ideias que são imutáveis. Elas existem no mundo inteligível. Sem esta contraparte imutável, não é possível obter conhecimento acerca da realidade.
Ao acessar as ideias imutáveis por meio da reminiscência, o cognoscente vai, gradativamente, atingindo o conhecimento por meio do pensamento. O método utilizado por Platão é a dialética. No Mênon, Sócrates aplica este método de perguntas e de respostas ao escravo para gerar o conhecimento (85b8-86c6). Nas palavras de Sócrates, Platão igual conhecimento e recordação.
Toda esta teoria do conhecimento é sustentada por uma teoria do mundo que crê que existe um mundo sensível e um inteligível. Este mundo sensível se caracteriza por se mutável e réplica do mundo imutável. Portanto, somente o conhecimento que se sustenta nos dados do mundo inteligível pode ser conduzir à verdade. A partir desta teoria, Platão lança as bases do racionalismo que influenciará toda a história da filosofia.


3. As origens do empirismo em Aristóteles
 
Esquema de Aristóteles.
A percepção sensorial tem o papel de iniciar o processo cognitivo na epistemologia de Aristóteles. O homem reconhece e distingue os objetos através da sensação e possui a faculdade de guardar na memória a aquilo que foi percebido quando o objeto já não está mais presente. A partir das características comuns entre os homens, temos a ideia de homem.
Todo o processo se inicia com a experiência. “As sensações são, por excelência, os instrumentos do conhecimento dos particulares, entretanto não nos dizem o porquê de nada” (Metafísica I, 981b).As sensações são o começo do conhecimento, mas é o intelecto que conduz ao conhecimento dos universais.
O Segundo Analíticos, 99b 35 a 100b 5, complementa demonstrando como se dá esse processo do conhecimento: “Assim, pois, do sentido surge a memória, como estamos dizendo, e da memória repetida do mesmo, a experiência: Pois as recordações múltiplas são uma única experiência” (100a). Os modos do ser surgem da sensação.Portanto, é na sensação que se inicia o processo cognitivo. Os seres humanos, diferentemente dos outros animais, são dotados de sensibilidade e de intelectualidade.[2]
No começo da Metafísica, anuncia-se a tendência de universalidade do saber compartilhado pelos homens. As sensações produzem conhecimentos relacionados à capacidade de recordar. Além dessas experiências compartilhadas pelos outros animais, os homens vivem de arte e de raciocínios. A experiência deriva da memória. A repetição de um mesmo objeto produz uma experiência (empeiría) única. Com o acúmulo dessas observações, formulamos um juízo geral que pode ser aplicável ao conjunto de casos semelhantes (Metafísica, I, 980a).
A prática aliada à arte produz mais efeitos para quem busca o conhecimento. Os empíricos possuem o conhecimento do puro dado e os homens de arte conhecem (981a). Os teóricos são mais sábios porque têm o conhecimento conceitual e das causas. As sensações são instrumentos somente de conhecimentos particulares, não garantem a explicação das causas.
A sapiência (sophia) é, portanto, a ciência sobre os princípios (archás) e sobre as causas (aitías) dos seres e dos objetos da realidade (982a). Assim também se define a epistéme. Por isso, perguntamos o que Aristóteles entende com princípios e causas?
Princípio (arché) significa “a parte de alguma coisa de onde se pode começar a mover-se”; “o melhor ponto de partida para cada coisa”; “parte originária e inerente à coisa a partir da qual ela deriva”; “a causa primeira do movimento e da mudança”; “aquilo cuja vontade se movem as coisas e mudam as coisas que mudam”. Enfim, “o ponto de partida para o conhecimento de uma coisa” (Metafísica, V, 1013b, 5-10).
Causa, por sua vez, significa “a matéria de que são feitas as coisas”; “a forma e o modelo”; “o princípio primeiro da mudança ou do repouso”; “o propósito da coisa” (Metafísica, V, 25-35, 1013b, 5-10).
As quatro causas (aitiai) vinculam o conhecimento teorético com a prática e a produtiva. Na Física II, 3, são descritas as causa: Causa formal, material, final e eficiente. Aristóteles afirma que nós sabemos quando conseguimos explicar. Elas funcionam como meio termos de silogismos de explicação.[3]
Sensibilidade.A percepção sensorial tem o papel de iniciar o processo cognitivo na epistemologia de Aristóteles. Ela ocorre por um tipo de alteração (De Anima, 417a). A atividade da percepção se assemelha à ciência. As coisas que produzem a sensação são exteriores. A diferença é que a ciência se ocupa dos universais e a percepção dos particulares (417b, 20-15).

Sobre a sensibilidade em geral é preciso perceber que o sentido é aquilo que é capaz de receber as formas sensíveis sem a matéria, como, por exemplo, a cera recebe a impressão de um anel sem o ferro e o ouro. A cera, com efeito, recebe a impressão de ferro ou do ouro, mas não enquanto ouro ou ferro. Ora, é da mesma maneira que o sentido é afectado por cada objeto que possua cor, sabor ou som – não enquanto cada um dos objetos individualmente é dito, mas enquanto dotado de certa qualidade, e de acordo com a proporção.[4]

Os sentidos são capazes de receber as formas (eidos) sensíveis das coisas sem matéria. Eles são afetados pelas coisas. Não são as coisas em si que são apreendidas pela sensação, mas certas qualidades, certa impressão delas. Além disso, é necessária uma certa proporção para que haja afecção dos sentidos (424a, 20-39).
O excesso destrói a percepção. O som ou a luz em excesso anula a percepção. As plantas também são afetadas pelas coisas, porém, elas não possuem a faculdade de separar a matéria das formas sensíveis (242b).
Os sentidos atuam simultaneamente (4525b). O percepcionar se assemelha ao entendimento e ao pensamento. Mas o percepcionar é comum a homens e a animais, já o entendimento é exclusivo do homem (427b, 5-10). As atividades da imaginação dependem da percepção sensorial. Ela depende de nossa vontade. Porém, as opiniões se formam necessariamente falsas ou verdadeiras (427b, 10-25). A imaginação por meio dos objetos sensoriais. “A imaginação será um movimento gerado pela ação da percepção sensorial em atividade” (429a).
Entendimento. O intelecto (entendimento) é a faculdade com que a alma discorre e faz suposições (De Anima, 429a, 20). De outro modo, comparando, “o entendimento é a forma das formas e o sentido dos sensíveis” (432a).
O intelecto capta apenas a forma do objeto. A forma pode ser uma cor, uma figura, um tamanho. A imagem mental é oferecida ao intelecto para que ele atualize o conceito das coisas. O intelecto pode realizar suas atividades sem a intervenção do corpo. As funções psíquicas são a sensação, a memória, a imaginação, a intelecção e a intuição intelectual (noûs). Esta última não precisa da mediação da sensibilidade.
No De Anima, Aristóteles distingue Intelecto Ativo (Noûs poietikon) de Intelecto Passivo (Noûs pathetikon). O primeiro age sobre o segundo tornando-o capaz de conhecer as coisas. O intelecto ativo atualiza as formas inteligíveis contidas nas formas sensíveis contidas e conhece por intuição direta as ideias puras.[5]
Há três disposições na alma: O conhecimento técnico (techné), a ciência (epistéme) e a sabedoria prática (phrônesis), a sabedoria filosófica (sophia) e a inteligência (noûs). Por fim, Aristóteles divide o conhecimento em ciências teoréticas, práticas e poiéticas. As ciências teoréticas são aquelas que investigam os princípios e as causas dos seres e das coisas da natureza. As ciências práticas são aquelas cujo princípio ou causa é o homem como agente e seu comportamento como finalidade. E as ciências poiéticas são as que se referem à ação fabricadora do homem.[6]


4. O racionalismo e o empirismo no pensamento cristão
4.1. Agostinho de Hipona
 
Esquema de Agostinho.
Uma das influências que Agostinho recebeu da tradição filosófica foi o neoplatonismo, mediante as obras de Plotino (As Enéadas). A primeira forma de conhecimento que trata Agostinho é o autoconhecimento e é através da fé que o homem desenvolve sua faculdade de conhecer. A fé se torna condição para o conhecimento.
      Nesse sentido, pode se estabelecer um paralelo com Descartes. Agostinho afirma que podemos nos equivocar a cerca das coisas que nos rodeiam, mas não sobre a nossa interioridade. Se eu sou capaz de me enganar, eu existo. Nas palavras de Agostinho: “não te poderias enganar de modo algum, se não existisses”.[7] O fundamento da certeza está na consciência do indivíduo.
Por serem três as realidades: o ser, o viver e o entender. É verdade que a pedra existe e o animal vive. Contudo, ao que me parece a pedra não vive. Nem o animal entende. Entretanto, estou certíssimo de que o ser que entende possui também a existência e a vida. É porque não hesito em dizer: o ser que possui essas três realidades é melhor do que aquele que não possui senão uma ou duas delas.[8] ().
      A teoria do conhecimento de Agostinho se inicia com o anúncio de três realidades que sã também o ponto partido da verdade fundamental: a existência..
      Na obra “O Livre-Arbítrio”, Agostinho afirma que a superioridade do homem sobre os outros animais se dar por causa da razão. Ela constitui seu poder em superar a ferocidade dos animais. A razão é a verdade mais elevada no homem: “O que denominamos saber não vem a ser nada mais do que se perceber pela razão”.       
      Acima da razão está a verdade que julga e não é julgada. Esse movimento de busca no interior aproxima o homem cada vez mais de Deus. Portanto, Deus é o fundamento da verdade. Essas verdades que se encontram no espírito humano não provêm da experiência sensível.  Os sentidos são intérpretes da mente para conhecer as coisas exteriores. Ao gravar as imagens das experiências sensíveis na memória é que as comparamos e as juntamos, compreendendo a realidade. A memória funciona como “documentos das coisas anteriormente percebidas”, nas palavras de Agostinho.
      O domínio das ideias acontece com a iluminação divina. As ideias são os arquétipos de toda a existência da mente de Deus e a criação é a realização desses arquétipos.[9]
Teoria da Iluminação. Em contraposição ao ceticismo, Agostinho sustenta que através da dúvida o pensamento age e o homem se reconhece como ser pensante e não pode negar a própria existência e nem duvidar da verdade, pois de qualquer forma já se encontra em contato com a verdade.  O homem é apenas um buscador da verdade, sua mutabilidade e sua imperfeição o impede de conter a verdade em si. A verdade não pode plenamente revelada ao homem no tempo. Deus é quem transmite para a inteligência do homem. Na própria consciência, ele pode encontrar Deus.
      A teoria da iluminação é a afirmação de que o homem não possuindo por si mesmo a verdade, ele a recebe de Deus como uma luz que ilumina a mente e a permite aprender.
A Teoria da Iluminação Divina é apresentada por Santo Agostinho como ação direta de Deus na mente humana, de modo que o homem possa chegar ao verdadeiro conhecimento, sendo que é essa luz divina que possibilita ao homem encontrar Deus e alcançar a felicidade.[10]    
 Como Platão na Teoria da Reminiscência, algumas ideias fundamentais não derivam da realidade sensível. A fonte das ideias não é o mundo sensível, é para Agostinho o próprio Deus.[11]
     Linguagem e Verdade. No De Magistro estabelece-se uma relação entre conhecimento e linguagem. Esta se manifesta incapaz de expressar todo o saber.  O discurso não ensina. E à medida que vamos confrontando nossas opiniões com as opiniões alheias, e mudamos de opinião, estamos consultando nossa verdade interior.
      A linguagem por si mesma não é capaz de transmitir conhecimento. Mas é indispensável ao ensino. O conhecer supõe algo anterior à linguagem. As palavras são sinais exteriores do conhecimento, a verdade é garantida pelo mestre interior. As condições do conhecimento não são de ordem lingüística e sim metafísica. É o conhecimento que confere sentido à linguagem.
      Agostinho considera uma das funções da linguagem ensinar. E ensinar é rememorar e fixar melhor nossos argumentos. Porém, não é a linguagem que traz o conhecimento, é a verdade interior. A iluminação provém do mestre interior.[12]

4.2. Tomás de Aquino
 
Esquema de Tomás.
A ciência de acordo com Tomás de Aquino está no intelecto, porém, se este não conhece os corpos não tem ciência sobre a natureza.  As características desta ciência dependem das operações sensitivas são elas o conhecimento das causas do movimento e da matéria.
    O filósofo rebate a teoria das ideias de Platão porque esta considera que o conhecimento depende de espécies inatas introduzidas na alma. Se fosse assim o cego de nascença teria conhecimento das cores, situação que não ocorre.
    A operação cognitiva depende da união entre corpo e alma.  Com base em Agostinho, o filósofo proporá dois modos de conhecer. O primeiro é reservado aos bem-aventurados que vêem tudo em Deus. O segundo é próprio da vida presente e depende das razões eternas. Neste caso, o conhecimento dependerá das operações sensitivas e da iluminação intelectual que garante a participação nas razões eternas.
         A operação intelectual é causada pelos sentidos porque estes oferecem a matéria do conhecimento. O intelecto se serve dos phantasmata para inteligir. Estes phantasmata são causados pelos sentidos que apreendem as coisas particularmente. Todo o conhecimento depende das coisas sensíveis por causa da união entre corpo e alma. “Se os sentidos ficarem bloqueados, o intelecto não tem como voltar-se a seu objeto próprio de conhecimento, o que impossibilita a ocorrência de algum juízo perfeito de sua parte”.[13]

5. O racionalismo e o empirismo na modernidade

5.1. René Descartes
5.1.1. Introdução
 
Esquema de Descartes.
     No século XVI, como herança da contestação dos valores medievais surgiu um novo ceticismo. O principal expoente foi Michel de Montaigne. A suspensão do juízo tornou-se a nova atitude filosófica.  Isso representou o ultimo movimento do Renascimento. Porem, isso conduziu ao salto epistêmico que René Descartes dará inaugurando a Filosofia Moderna.[14]
     O filósofo reage ao ceticismo de seu tempo, considerando que a dúvida pode ser acolhida somente como método e não como fundamento da pesquisa. Em Descartes, encontramos uma Teoria do Conhecimento e uma Teoria do Método Científico. Abordaremos tais questões a partir do “Discurso do Método” e das “Meditações Metafísicas”.
     O “Discurso” é uma autobiografia intelectual. Nela há afirmação de que o conhecimento confiável é o do tipo matemático e da possibilidade de dedução de um princípio epistemológico seguro. Nas Meditações Metafísicas, o filósofo desenvolve conceitos importantes de seu sistema como as substâncias, a classificação das ideias e o papel dos sentidos e da razão.

5.1.2.  Conceituação de termos técnicos em Descartes

     Comecemos por elucidar alguns termos importantes da linguagem cartesiana no que diz respeito ao conhecimento:

ANÁLISE: É a divisão racional de um objeto de estudo em partes e cada parte deve ser evidente.
DEDUÇÃO: É a formulação de uma demonstração universal.
DÚVIDA METÓDICA: É o procedimento metodológico de colocar todo conhecimento sob suspeita até que verifique sua veracidade. Difere-se da dúvida cética.
EVIDÊNCIA: É uma ideia clara e distinta; que não necessidade de justificação visto que não há possibilidade de confundi-la com outra coisa.
INTUIÇÃO: É apreensão de uma ideia imediata, clarividente e indubitável.

5.1.3. O princípio da dúvida metódica

     Enquanto investigadores, nós podemos duvidar dos sentidos porque eles podem nos enganar; do mundo; e da razão que pode se evocar sobre operações matemáticas.
A ideia fundamental da qual não podemos duvidar é da nossa existência: Cogito ergo sum. É a primeira e basilar ideia que resiste à dúvida metódica. Esta é, portanto, uma ideia inata.
     Quanto à origem de nossas ideias, Descartes as classifica em três classes: a) Ideias inatas: são aquelas que fazem parte da própria razão, nasceram com o sujeito. B) Ideias adventícias: são aquelas que surgem da experiência. C) Ideias factícias: são resultadas da imaginação e da vontade.

5.1.4.  As três substâncias

A partir da certeza fundamental da existência do eu. Descartes identifica três substâncias:

SUBSTÂNCIA PENSANTE: A substância e o próprio pensamento.
SUBSTANCIA EXTENSA: E a realidade corpórea e o mundo.
SUBSTÂNCIA INFINITA: É a substância que leva os atributos de perfeição e de infinitude.

5.1.5. Crítica à pedagogia escolástica

     Descartes inicia o “Discurso do Método” com uma crítica da pedagogia escolástica, principalmente, da educação que recebeu no Colégio La Flèche.
a) O bom senso é algo bem distribuído entre os homens e o poder de julgar e de distinguir o verdadeiro do falso é comum a todas as pessoas.
b) Existe uma diversidade de opiniões e conduzimos nossos pensamentos por caminhos diferentes. Não basta ter um bom espírito é preciso usá-lo bem.
c) A razão é a habilidade que torna os homens diferentes dos animais. É a marca distintiva do ser humano.
d) É necessário um método. Com o método, temos os meios de aumentar gradativamente o conhecimento.
e) Em seus estudos Descartes admirava a exatidão e a evidência da matemática, mas não compreendia a sua utilidade. A teologia não achava indispensável, pois não é necessário para ir ao céu e, além disso, seu conteúdo está além da inteligência. A filosofia não trazia novidades. As ciências tornavam-se temerosas porque não havia fundamentos firmes para elas.

5.1.6.    A construção da certeza fundamental

     A primeira consideração sobre o método científico proposto por Descartes é: “Não há tanta perfeição nas obras compostas de várias pecas e feitas pelas mãos de diversos mestres”. O trabalho de um só funciona melhor por tender para o mesmo fim.
     O método tem como finalidade reformar os próprios pensamentos de Descartes. A busca do conhecimento exige a adoção de rumo e de analise minuciosa do objeto. Ele recorre à Lógica para estabelecer suas regras e reduz a grande quantidade de princípios da lógica tradicional a quatro: 1) Aceitar somente o que é evidente, claro e distinto; 2) Dividir e analisar cada parte do problema; 3) Raciocinar de modo ordenado e progressivo, partindo do simples para o complexo; 4) Enumerar e revisar o processo para apurar possíveis omissões.[15]
     As vantagens deste método é o fato de ele já ser utilizado pelos geômetras e permite utilizar a razão em cada parte do processo.
     Enquanto, Descartes faz sua reforma do pensamento, ele propõe uma moral provisória. Já que o problema moral não pode ficar suspenso. Em seguida, o filósofo conta que resolveu rejeitar tudo que tivesse a menor dúvida e fingir que tudo que lhe ocorria era falso. Ele chega às seguintes conclusões:
a)Mesmo que alguém pretenda que tudo seja falso, mas o fato de pensar é alguma coisa que não pode ser negadas. Portanto, a mais firme das afirmações é “eu penso, logo, sou”.
b) Mesmo que eu subtraia toda a existência das coisas ao meu redor, não posso duvidar de que eu existo. Sou uma substância cuja essência é pensar.
c) O conhecimento é maior do que a dúvida. Tudo aquilo que concebemos de modo claro e distinto é verdadeiro.
d) Como o imperfeito não poderia pensar a imperfeição, portanto, tal ideia poderia ser colocada por Deus na mente humana.
e) A afirmação de que um conhecimento para ser verdadeiro precisa passar primeiro pelos sentidos impede a concepção de Deus e da alma: “Os nossos sentidos poderiam jamais assegurar-nos de qualquer coisa, se nosso entendimento não interviesse”.[16]
f) A garantia da verdade se dá pela certeza das ideias claras e distintas. O conhecimento de Deus e da alma dão a certeza dessas regras. Devemos, portanto, nos guiar unicamente pelos caminhos da razão, não dos sentidos.

5.1.7.    O conhecimento nas “Meditações Metafísicas”

     A Primeira Meditação trata da necessidade da dúvida metódica, do engano dos sentidos; da extensão da dúvida às proposições matemáticas e da hipótese do gênio maligno. A segunda diz respeito à certeza do cogito, à realidade do pensamento e clareza e distinção oferecida pelo espírito. A Terceira fala do critério da clareza e da distinção, da classificação das ideias e da realidade forma e objetiva, do princípio de causalidade, provas da existência de Deus e sua natureza inata.
     Na Terceira Meditação, define que coisa pensante é sentido amplo o que duvida, afirma, nega, entende, odeia, imagina e sente. Tanto a imaginação quanto a sensação estão no eu. Os pensamentos são imagens das coisas. Mas são também vontades, afetos e juízos. As ideias e a vontade em si mesmas não podem ser propriamente falsas, isso ocorre nos juízos que fazemos delas.
     As ideias são imagens no eu tiradas das coisas externas e que podem ser deficitárias em relação às essas coisas, não podem ser mais perfeitas. Ideias como a alma, Deus são inatas. Já o ruído, o fogo, o sol, são adventícias. Estas não dependem da nossa vontade, decorrem das sensações e há discrepâncias entre o objeto e a ideia (Ex.: perceber o sol pequeno). Mas as sereias e as entidades míticas são inventadas (factícias).[17]
     Na Sexta Meditação, Descartes afirma o papel da razão ao relatar que sua confiança nos sentidos foi abalada por algumas experiências como as ilusões da visão. Por isso, ele considerou que utilizar as coisas do sentido para o conhecimento é errôneo.

5.2. John Locke
5.2.1. As características do empirismo
 
Esquema de Locke.
     Os empiristas ingleses entram na discussão sobre a origem do conhecimento para opor o inatismo cartesiano. Eles continuam a tradição empirista do século XIII e precedem o iluminismo. As principais proposições do empirismo são:

a) Tábula rasa: Não existem ideias inatas e conteúdos mentais independentes da experiência.
b) Sensibilidade: A experiência é critério de sentido e de verdade do conhecimento.
c)Princípio de associação: Através de dados simples sensíveis combinados chega-se ao conhecimento complexo.
d) Universais: Não existem e não são objetivos, cada coisa tem existência individual e são apenas nomes.
e) A teologia e a metafísica não têm valor.
f) Limites do saber: É ciente dos limites do saber, não é possível uma verdade absoluta e definitiva.
g) Ética: Tende a individualizar o bem e associá-lo à utilidade social.

5.2.2. Crítica de John Locke ao inatismo

     O conhecimento ocorre sem quaisquer impressões inatas. Como Descartes afirmava, de fato, existem princípios que são de consenso universal, mas isso não serve como prova do inatismo. Locke considera pouco inteligível a afirmação de que existe algo impresso na alma. Se assim fosse, as crianças e as pessoas com certas deficiências mentais teriam essas ideias e as usariam. Seria insensato considerar que a maturidade faria revelar conhecimentos que a criança já sabia.
     Segundo Locke, “os sentidos inicialmente tratam das ideias particulares, preenchendo o gabinete ainda vazio, e a mente se familiariza gradativamente com algumas delas, depositando-as na memória”. Mais tarde vai acontecendo a abstração. Algumas distinções a criança sabe antes do uso da razão. O assentimento imediato a uma proposição não é prova de inatismo.[18] As crianças não têm ideias inatas. Elas têm apenas vagas ideias de necessidades instintivas.

5.2.3.  A teoria do conhecimento de John Locke

     John Locke (1632-1704) publicou o “Ensaio sobre o Entendimento Humano em 1689. E inicia uma crítica ao inatismo. Os inatistas colocam todo o conhecimento do mundo natural ou sobrenatural sob axiomas especulativos, ou seja, teóricos que não dependem de provas.[19]
     Segundo Locke a razão é limitada porque é a experiência que fornece material para o conhecimento. Da experiência derivam ideias simples e ideias complexas. As ideias simples são formadas pela impressão dos sentidos. Essas ideias são todo o material do conhecimento e provêm da sensação e da reflexão.  As duas fontes principais do conhecimento são as sensações e as operações da mente.
     A mente pode repetir, comparar e unir as ideias formando novas ideias. Ela não é capaz de inventar uma ideia simples nova.[20] As ideias de sensação são aquelas derivadas da ação dos sentidos. Quando estas são trabalhadas pela mente se tornam ideias de reflexão.  São exemplos de ideias de sensação a cor, a temperatura, o sabor. São as qualidades primárias de um corpo. As ideias de reflexão são a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, o conhecer e o querer. São ideias “que se dão ao luxo de seres tais apenas quando a mente reflete acerca de suas próprias operações”.[21]
     Locke entende por ideia “todo e qualquer objeto do entendimento, ou seja, tudo aquilo a que a mente se aplica a pensar”. As ideias simples a partir da reflexão se tornam ideias complexas e são de três tipos: Modo, relação e substância. Modo são as ideias conceituais; relação são as ideias de causa e efeito, de identidade e de diferença; e substância.
     Pela intuição, as ideias simples são recebidas pela experiência. Essas ideias se tornam complexas pelo processo da síntese. As ideias abstratas se formam através da análise de várias ideias semelhantes, tomando os elementos comuns, forma-se uma nova ideia. A ideia abstrata se diferencia da essência, pois esta é incognoscível.

Referências
DESCARTES, René. Discurso do Método.
_____________. Meditações Metafísicas.
HUME, David. Tratado I, III, 10.
LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Capítulo II, pp. 57-140.
MONDIN, Batista. Curso de Filosofia 2. São Paulo: Paulus, 1981.
RICKLESS, John Locke.
SANTIN, José Guilherme. Origens do Ceticismo Francês do Século XVI: Humanismo, averroísmo, nominalismo e fideísmo. Kinesis, Vol. VI, n.11, julho 2014.

5.3. O transcendentalismo kantiano
Esquema de Kant.

Immanuel Kant admite que o conhecimento começa pela experiência, porém, existem algumas condições a priori para que as impressões sensíveis se tornem conhecimento. Ele se posiciona acolhe as teses do empirismo e do racionalismo. A dicotomia entre as duas teses é problemática. O filósofo argumenta que “pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são cegas”.[22]
Kant denomina de transcendental as condições a priori do conhecimento. Elas não se ocupam do conhecimento dos objetos em si, mas do modo como estes objetos são conhecidos. Os objetos dos sentidos são regulados pela faculdade da intuição. A razão impõe alguns conceitos a priori aos objetos.[23]
As observações da natureza sem um plano estabelecido previamente pela razão não formulariam juízos necessários. Os princípios racionais acompanham a experiência para que se possa produzir conhecimento. Kant antecipava o que seria predominante nas ciências naturais, nas quais o experimento é antecedido por teorizações.[24]
Kant distingue os diferentes tipos de conhecimentos em relação à sua fonte. Ele chama de juízos sintéticos a priori são aqueles conteúdos cognitivos que independem de qualquer experiência. Os conhecimentos a posteriori dependem da experiência ou resultam dela. Os juízos analíticos são elucidativos, independem da experiência e são verdadeiros por causa do significado dos seus termos. Por exemplo, “Todos os corpos são pesados”. Esses juízos não ampliam o conhecimento só informam aquilo que já está contido nos termos que compõem a proposição.[25]
Já os juízos sintéticos são ampliativos e permitem a expansão do conhecimento. Eles constituem o objetivo da procura pelo saber. Os juízos analíticos servem para esclarecer a linguagem que será empregada na notação do conhecimento. Há dentre os juízos sintéticos que se aceitavam, antes de Kant, somente como a posteriori, aqueles que são a priori. Isso que dizer que Kant identifica um tipo de juízo que amplia o conhecimento, mas são necessários e universais como os analíticos. São exemplos o conhecimento da matemática, da geometria e da física.[26]
Para elaborar sua epistemologia, Kant dependeu de uma teoria sobre a realidade. Ele classificou as coisas no mundo em fenômeno e númeno. Esta distinção diz mais respeito sobre como é possível conhecer o mundo. As coisas em si (númeno) jamais podem ser conhecidas, apenas podemos conhecer a forma como elas nos aparecem (fenômeno). Apesar da impossibilidade de conhecer o número, o conhecimento objetivo ainda é possível.[27]
No processo cognitivo, temos acesso às sensações dos objetos que são ordenadas pelas formas do espaço e do tempo. Temos como resultado as percepções. O entendimento aplica suas formas a priori e nos permite conhecer as coisas. Assim não há conhecido dos objetos sem sensibilidade e nada pode ser pensado sem entendimento.[28]
A sensação opera cognitivamente pelas formas da sensibilidade que são o espaço e o tempo. Os objetos que estão fora de nós são representados pela noção de espaço. Ele é uma representação a priori necessária que está na base das intuições externas. O tempo é uma forma da sensibilidade interna. Através dela ordenamos as sensações considerando algumas coisas como simultâneas e outras como sucessivas. O espaço e o tempo são formas a priori.[29]
O entendimento opera com suas formas categorizando os dados fornecidos pelos sentidos.  As categorias kantianas são reunidas em quatro grupos da quantidade, daqualidade,  da  relação  e  da  modalidade. O entendimento tem a capacidade de ordenar e de julgar os dados da experiência.[30]

Referências
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Os pensadores.  Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

SILVEIRA, Fernando Lang da. A Teoria do Conhecimento de Kant: o idealismo transcendental. Cad. Cat. Ens. Fís., v. 19, número especial, p. 28-51, 2002.





[1] Noam Chomsky aplica a tese inatista à aquisição da linguagem. Segundo Chomsky, os seres humanos já nascem com uma espécie aparato responsável pelo desenvolvimento da linguagem.  Ele possui uma estrutura gramatical universal que permite às crianças formularem frases que jamais ouviram dos pais. Portanto, a linguagem é um tipo de conhecimento inato.
[2]CHAUÍ, Marilena. Introdução à Filosofia I. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, P. 413-420.
[3]PATTERSON, Richard. Aristotle. In: BERNECKER, Sven; PRITCHARD, Duncan. The Routledge Companion to Epistemology.New York: Routledge, 2011, p. 669.
[4]ARISTÓTELES. De Anima. 424ª.
[5]CHAUÍ, 2002, p. 427-432.
[6]CHAUÍ, 2002, p. 349-351.
[7] AGOSTINHO. O livre arbítrio, II, 3, 7. p. 80.
[8] AGOSTINHO. De lib. arb. II, 3.
[9] RODRÍGUEZ, 2015.
[10] SOUSA, 2009.
[11] SKUOLA, 2015
[12] ALVES, 2012.
[13] ST Iª, 84, 8, Respondeo.
[14] SANTIN, Jose Guilherme. Origens do Ceticismo Francês do Século XVI: Humanismo, averroísmo, nominalismo e fideísmo. Kinesis, Vol. VI, n 11, julho 2014, p. 281-282.
[15] DESCARTES, René. Discurso do Método, p. 31.
[16] DESCARTES, René. Discurso do Método, p. 45.
[17] DESCARTES, René. Meditações Metafísicas, 19.
[18] LOCKE, pp. 146-149.
[19] RICKLESS, John Locke, p. 33.
[20] LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Capítulo II, pp. 57-140.
[21] LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano, pp. 159-160.
[22] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Os pensadores.  Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1987, p. 75.
[23]SILVEIRA, Fernando Lang da. A Teoria do Conhecimento de Kant: o idealismo transcendental. Cad. Cat. Ens. Fís., v. 19, número especial: 2002, p. 28-51.
[24]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[25]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[26]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[27]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[28]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[29]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[30]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
 

Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001