TEORIA
DO CONHECIMENTO
I
– RACIONALISMO E EMPIRISMO: O EMBATE MILENAR
1.
Introdução
Desde
antiguidade há duas linhas epistemológicas em constante concorrência: O
racionalismo e o empirismo. O racionalismo tem seu início com Platão e sustenta
que a razão é a fonte do conhecimento. Os seus defensores acreditam na
intuição. Uma das teses defendidas por racionalistas é a existência de ideias
inatas. O conhecimento é garantido pela razão e pela lógica. São os principais
nomes racionalistas: Platão, Agostinho, Descartes, Leibniz e,
contemporaneamente, Noam Chomsky.[1]
O
empirismo, por sua vez, tem suas origens em Aristóteles e afirma que a
experiência é a fonte do conhecimento. Os sentidos são ativos no processo
cognitivo. Não há nenhum conhecimento inato já que tudo passa pelos sentidos e
vem do mundo exterior. Os principais empiristas são Aristóteles, Tomás de
Aquino, Locke, Hume e Berkeley.
2.
As origens do racionalismo em Platão
O conhecimento em
Platão tem como instância geradora a razão.
Com sua teoria da reminiscência, ele acredita que existem ideias inatas.
O fundamento do conhecimento preexiste antes da experiência. Descartes herda
esta concepção e a expõe de um modo mais radical, inaugurando o racionalismo
moderno.
A constatação de que as
coisas do mundo estão em constante mudança leva Platão a considerar que o
conhecimento não pode ser adquirido na experiência do sensível. A sustentação
do conhecimento verdadeiro só pode vir de ideias que são imutáveis. Elas
existem no mundo inteligível. Sem esta contraparte imutável, não é possível
obter conhecimento acerca da realidade.
Ao acessar as ideias
imutáveis por meio da reminiscência, o cognoscente vai, gradativamente,
atingindo o conhecimento por meio do pensamento. O método utilizado por Platão
é a dialética. No Mênon, Sócrates aplica este método de perguntas e de
respostas ao escravo para gerar o conhecimento (85b8-86c6). Nas palavras de
Sócrates, Platão igual conhecimento e recordação.
Toda esta teoria do
conhecimento é sustentada por uma teoria do mundo que crê que existe um mundo
sensível e um inteligível. Este mundo sensível se caracteriza por se mutável e
réplica do mundo imutável. Portanto, somente o conhecimento que se sustenta nos
dados do mundo inteligível pode ser conduzir à verdade. A partir desta teoria,
Platão lança as bases do racionalismo que influenciará toda a história da
filosofia.
3.
As origens do empirismo em Aristóteles
A percepção sensorial
tem o papel de iniciar o processo cognitivo na epistemologia de Aristóteles. O
homem reconhece e distingue os objetos através da sensação e possui a faculdade
de guardar na memória a aquilo que foi percebido quando o objeto já não está
mais presente. A partir das características comuns entre os homens, temos a
ideia de homem.
Todo o processo se
inicia com a experiência. “As sensações são, por excelência, os instrumentos do
conhecimento dos particulares, entretanto não nos dizem o porquê de nada” (Metafísica I, 981b).As sensações são o
começo do conhecimento, mas é o intelecto que conduz ao conhecimento dos
universais.
O Segundo Analíticos, 99b 35 a 100b 5, complementa demonstrando como
se dá esse processo do conhecimento: “Assim, pois, do sentido surge a memória,
como estamos dizendo, e da memória repetida do mesmo, a experiência: Pois as
recordações múltiplas são uma única experiência” (100a). Os modos do ser surgem
da sensação.Portanto, é na sensação que se inicia o processo cognitivo. Os
seres humanos, diferentemente dos outros animais, são dotados de sensibilidade
e de intelectualidade.[2]
No começo da
Metafísica, anuncia-se a tendência de universalidade do saber compartilhado
pelos homens. As sensações produzem conhecimentos relacionados à capacidade de
recordar. Além dessas experiências compartilhadas pelos outros animais, os
homens vivem de arte e de raciocínios. A experiência deriva da memória. A repetição
de um mesmo objeto produz uma experiência (empeiría)
única. Com o acúmulo dessas observações, formulamos um juízo geral que pode ser
aplicável ao conjunto de casos semelhantes (Metafísica,
I, 980a).
A prática aliada à arte
produz mais efeitos para quem busca o conhecimento. Os empíricos possuem o
conhecimento do puro dado e os homens de arte conhecem (981a). Os teóricos são
mais sábios porque têm o conhecimento conceitual e das causas. As sensações são
instrumentos somente de conhecimentos particulares, não garantem a explicação
das causas.
A sapiência (sophia) é, portanto, a ciência sobre os
princípios (archás) e sobre as causas
(aitías) dos seres e dos objetos da
realidade (982a). Assim também se define a epistéme.
Por isso, perguntamos o que Aristóteles entende com princípios e causas?
Princípio (arché) significa “a parte de alguma
coisa de onde se pode começar a mover-se”; “o melhor ponto de partida para cada
coisa”; “parte originária e inerente à coisa a partir da qual ela deriva”; “a
causa primeira do movimento e da mudança”; “aquilo cuja vontade se movem as
coisas e mudam as coisas que mudam”. Enfim, “o ponto de partida para o
conhecimento de uma coisa” (Metafísica, V, 1013b, 5-10).
Causa, por sua vez,
significa “a matéria de que são feitas as coisas”; “a forma e o modelo”; “o
princípio primeiro da mudança ou do repouso”; “o propósito da coisa”
(Metafísica, V, 25-35, 1013b, 5-10).
As quatro causas (aitiai) vinculam o conhecimento
teorético com a prática e a produtiva. Na Física II, 3, são descritas as causa:
Causa formal, material, final e eficiente. Aristóteles afirma que nós sabemos
quando conseguimos explicar. Elas funcionam como meio termos de silogismos de
explicação.[3]
Sensibilidade.A
percepção sensorial tem o papel de iniciar o processo cognitivo na
epistemologia de Aristóteles. Ela ocorre por um tipo de alteração (De Anima, 417a). A atividade da
percepção se assemelha à ciência. As coisas que produzem a sensação são
exteriores. A diferença é que a ciência se ocupa dos universais e a percepção
dos particulares (417b, 20-15).
Sobre
a sensibilidade em geral é preciso perceber que o sentido é aquilo que é capaz
de receber as formas sensíveis sem a matéria, como, por exemplo, a cera recebe
a impressão de um anel sem o ferro e o ouro. A cera, com efeito, recebe a
impressão de ferro ou do ouro, mas não enquanto ouro ou ferro. Ora, é da mesma
maneira que o sentido é afectado por cada objeto que possua cor, sabor ou som –
não enquanto cada um dos objetos individualmente é dito, mas enquanto dotado de
certa qualidade, e de acordo com a proporção.[4]
Os sentidos são capazes
de receber as formas (eidos) sensíveis das coisas sem matéria. Eles são
afetados pelas coisas. Não são as coisas em si que são apreendidas pela sensação,
mas certas qualidades, certa impressão delas. Além disso, é necessária uma
certa proporção para que haja afecção dos sentidos (424a, 20-39).
O excesso destrói a
percepção. O som ou a luz em excesso anula a percepção. As plantas também são
afetadas pelas coisas, porém, elas não possuem a faculdade de separar a matéria
das formas sensíveis (242b).
Os sentidos atuam
simultaneamente (4525b). O percepcionar se assemelha ao entendimento e ao
pensamento. Mas o percepcionar é comum a homens e a animais, já o entendimento
é exclusivo do homem (427b, 5-10). As atividades da imaginação dependem da
percepção sensorial. Ela depende de nossa vontade. Porém, as opiniões se formam
necessariamente falsas ou verdadeiras (427b, 10-25). A imaginação por meio dos
objetos sensoriais. “A imaginação será um movimento gerado pela ação da
percepção sensorial em atividade” (429a).
Entendimento. O
intelecto (entendimento) é a faculdade com que a alma discorre e faz suposições
(De Anima, 429a, 20). De outro modo,
comparando, “o entendimento é a forma das formas e o sentido dos sensíveis”
(432a).
O intelecto capta
apenas a forma do objeto. A forma pode ser uma cor, uma figura, um tamanho. A
imagem mental é oferecida ao intelecto para que ele atualize o conceito das
coisas. O intelecto pode realizar suas atividades sem a intervenção do corpo.
As funções psíquicas são a sensação, a memória, a imaginação, a intelecção e a
intuição intelectual (noûs). Esta
última não precisa da mediação da sensibilidade.
No De Anima,
Aristóteles distingue Intelecto Ativo (Noûs
poietikon) de Intelecto Passivo (Noûs
pathetikon). O primeiro age sobre o segundo tornando-o capaz de conhecer as
coisas. O intelecto ativo atualiza as formas inteligíveis contidas nas formas
sensíveis contidas e conhece por intuição direta as ideias puras.[5]
Há três disposições na
alma: O conhecimento técnico (techné),
a ciência (epistéme) e a sabedoria
prática (phrônesis), a sabedoria
filosófica (sophia) e a inteligência
(noûs). Por fim, Aristóteles divide o
conhecimento em ciências teoréticas, práticas e poiéticas. As ciências
teoréticas são aquelas que investigam os princípios e as causas dos seres e das
coisas da natureza. As ciências práticas são aquelas cujo princípio ou causa é
o homem como agente e seu comportamento como finalidade. E as ciências
poiéticas são as que se referem à ação fabricadora do homem.[6]
4.
O racionalismo e o empirismo no pensamento cristão
4.1.
Agostinho de Hipona
Uma das influências que
Agostinho recebeu da tradição filosófica foi o neoplatonismo, mediante as obras
de Plotino (As Enéadas). A primeira
forma de conhecimento que trata Agostinho é o autoconhecimento e é através da
fé que o homem desenvolve sua faculdade de conhecer. A fé se torna condição
para o conhecimento.
Nesse sentido, pode se estabelecer um
paralelo com Descartes. Agostinho afirma que podemos nos equivocar a cerca das
coisas que nos rodeiam, mas não sobre a nossa interioridade. Se eu sou capaz de
me enganar, eu existo. Nas palavras de Agostinho: “não te poderias enganar de modo
algum, se não existisses”.[7] O
fundamento da certeza está na consciência do indivíduo.
Por serem três as
realidades: o ser, o viver e o entender. É verdade que a pedra existe e o
animal vive. Contudo, ao que me parece a pedra não vive. Nem o animal entende.
Entretanto, estou certíssimo de que o ser que entende possui também a
existência e a vida. É porque não hesito em dizer: o ser que possui essas três
realidades é melhor do que aquele que não possui senão uma ou duas delas.[8] ().
A teoria do conhecimento de Agostinho se
inicia com o anúncio de três realidades que sã também o ponto partido da
verdade fundamental: a existência..
Na obra “O Livre-Arbítrio”, Agostinho afirma
que a superioridade do homem sobre os outros animais se dar por causa da razão.
Ela constitui seu poder em superar a ferocidade dos animais. A razão é a
verdade mais elevada no homem: “O que denominamos saber não vem a ser nada mais
do que se perceber pela razão”.
Acima da razão está a verdade que julga e
não é julgada. Esse movimento de busca no interior aproxima o homem cada vez
mais de Deus. Portanto, Deus é o fundamento da verdade. Essas verdades que se
encontram no espírito humano não provêm da experiência sensível. Os sentidos são intérpretes da mente para
conhecer as coisas exteriores. Ao gravar as imagens das experiências sensíveis
na memória é que as comparamos e as juntamos, compreendendo a realidade. A
memória funciona como “documentos das coisas anteriormente percebidas”, nas
palavras de Agostinho.
O domínio das ideias acontece com a
iluminação divina. As ideias são os arquétipos de toda a existência da mente de
Deus e a criação é a realização desses arquétipos.[9]
Teoria da Iluminação. Em
contraposição ao ceticismo, Agostinho sustenta que através da dúvida o
pensamento age e o homem se reconhece como ser pensante e não pode negar a
própria existência e nem duvidar da verdade, pois de qualquer forma já se
encontra em contato com a verdade. O
homem é apenas um buscador da verdade, sua mutabilidade e sua imperfeição o
impede de conter a verdade em si. A verdade não pode plenamente revelada ao
homem no tempo. Deus é quem transmite para a inteligência do homem. Na própria
consciência, ele pode encontrar Deus.
A teoria da iluminação é a afirmação de
que o homem não possuindo por si mesmo a verdade, ele a recebe de Deus como uma
luz que ilumina a mente e a permite aprender.
A Teoria da Iluminação
Divina é apresentada por Santo Agostinho como ação direta de Deus na mente
humana, de modo que o homem possa chegar ao verdadeiro conhecimento, sendo que
é essa luz divina que possibilita ao homem encontrar Deus e alcançar a
felicidade.[10]
Como Platão na Teoria da Reminiscência,
algumas ideias fundamentais não derivam da realidade sensível. A fonte das
ideias não é o mundo sensível, é para Agostinho o próprio Deus.[11]
Linguagem e Verdade.
No De Magistro estabelece-se uma
relação entre conhecimento e linguagem. Esta se manifesta incapaz de expressar
todo o saber. O discurso não ensina. E à
medida que vamos confrontando nossas opiniões com as opiniões alheias, e
mudamos de opinião, estamos consultando nossa verdade interior.
A
linguagem por si mesma não é capaz de transmitir conhecimento. Mas é
indispensável ao ensino. O conhecer supõe algo anterior à linguagem. As
palavras são sinais exteriores do conhecimento, a verdade é garantida pelo
mestre interior. As condições do conhecimento não são de ordem lingüística e
sim metafísica. É o conhecimento que confere sentido à linguagem.
Agostinho considera uma das funções da
linguagem ensinar. E ensinar é rememorar e fixar melhor nossos argumentos.
Porém, não é a linguagem que traz o conhecimento, é a verdade interior. A
iluminação provém do mestre interior.[12]
4.2.
Tomás de Aquino
A ciência de acordo com
Tomás de Aquino está no intelecto, porém, se este não conhece os corpos não tem
ciência sobre a natureza. As
características desta ciência dependem das operações sensitivas são elas o
conhecimento das causas do movimento e da matéria.
O filósofo rebate a teoria das ideias de
Platão porque esta considera que o conhecimento depende de espécies inatas
introduzidas na alma. Se fosse assim o cego de nascença teria conhecimento das
cores, situação que não ocorre.
A operação cognitiva depende da união entre
corpo e alma. Com base em Agostinho, o
filósofo proporá dois modos de conhecer. O primeiro é reservado aos
bem-aventurados que vêem tudo em Deus. O segundo é próprio da vida presente e
depende das razões eternas. Neste caso, o conhecimento dependerá das operações
sensitivas e da iluminação intelectual que garante a participação nas razões
eternas.
A operação intelectual é causada pelos
sentidos porque estes oferecem a matéria do conhecimento. O intelecto se serve
dos phantasmata para inteligir. Estes
phantasmata são causados pelos
sentidos que apreendem as coisas particularmente. Todo o conhecimento depende
das coisas sensíveis por causa da união entre corpo e alma. “Se os sentidos
ficarem bloqueados, o intelecto não tem como voltar-se a seu objeto próprio de
conhecimento, o que impossibilita a ocorrência de algum juízo perfeito de sua
parte”.[13]
5.
O racionalismo e o empirismo na modernidade
5.1.
René Descartes
5.1.1.
Introdução
No século XVI, como herança da contestação dos valores medievais surgiu
um novo ceticismo. O principal expoente foi Michel de Montaigne. A suspensão do
juízo tornou-se a nova atitude filosófica.
Isso representou o ultimo movimento do Renascimento. Porem, isso
conduziu ao salto epistêmico que René Descartes dará inaugurando a Filosofia
Moderna.[14]
O filósofo reage ao ceticismo de seu tempo, considerando que a dúvida
pode ser acolhida somente como método e não como fundamento da pesquisa. Em
Descartes, encontramos uma Teoria do Conhecimento e uma Teoria do Método
Científico. Abordaremos tais questões a partir do “Discurso do Método” e das
“Meditações Metafísicas”.
O “Discurso” é uma autobiografia intelectual. Nela há afirmação de que o
conhecimento confiável é o do tipo matemático e da possibilidade de dedução de
um princípio epistemológico seguro. Nas Meditações Metafísicas, o filósofo
desenvolve conceitos importantes de seu sistema como as substâncias, a
classificação das ideias e o papel dos sentidos e da razão.
5.1.2. Conceituação de termos técnicos em Descartes
Comecemos por elucidar alguns termos importantes da linguagem cartesiana
no que diz respeito ao conhecimento:
ANÁLISE: É a divisão racional de um
objeto de estudo em partes e cada parte deve ser evidente.
DEDUÇÃO: É a formulação de uma
demonstração universal.
DÚVIDA METÓDICA: É o procedimento
metodológico de colocar todo conhecimento sob suspeita até que verifique sua
veracidade. Difere-se da dúvida cética.
EVIDÊNCIA: É uma ideia clara e distinta;
que não necessidade de justificação visto que não há possibilidade de
confundi-la com outra coisa.
INTUIÇÃO: É apreensão de uma ideia
imediata, clarividente e indubitável.
5.1.3.
O princípio da dúvida metódica
Enquanto investigadores, nós podemos duvidar dos sentidos porque eles
podem nos enganar; do mundo; e da razão que pode se evocar sobre operações
matemáticas.
A ideia fundamental da
qual não podemos duvidar é da nossa existência: Cogito ergo sum. É a primeira e
basilar ideia que resiste à dúvida metódica. Esta é, portanto, uma ideia inata.
Quanto à origem de nossas ideias, Descartes as classifica em três
classes: a) Ideias inatas: são aquelas que fazem parte da própria razão,
nasceram com o sujeito. B) Ideias adventícias: são aquelas que surgem da
experiência. C) Ideias factícias: são resultadas da imaginação e da vontade.
5.1.4. As três substâncias
A partir da certeza fundamental da
existência do eu. Descartes identifica três substâncias:
SUBSTÂNCIA PENSANTE: A substância e o
próprio pensamento.
SUBSTANCIA EXTENSA: E a realidade
corpórea e o mundo.
SUBSTÂNCIA INFINITA: É a substância que
leva os atributos de perfeição e de infinitude.
5.1.5.
Crítica à pedagogia escolástica
Descartes inicia o “Discurso do Método” com uma crítica da pedagogia
escolástica, principalmente, da educação que recebeu no Colégio La Flèche.
a) O bom senso é algo bem distribuído
entre os homens e o poder de julgar e de distinguir o verdadeiro do falso é
comum a todas as pessoas.
b) Existe uma diversidade de opiniões e
conduzimos nossos pensamentos por caminhos diferentes. Não basta ter um bom
espírito é preciso usá-lo bem.
c) A razão é a habilidade que torna os
homens diferentes dos animais. É a marca distintiva do ser humano.
d) É necessário um método. Com o método,
temos os meios de aumentar gradativamente o conhecimento.
e) Em seus estudos Descartes admirava a
exatidão e a evidência da matemática, mas não compreendia a sua utilidade. A
teologia não achava indispensável, pois não é necessário para ir ao céu e, além
disso, seu conteúdo está além da inteligência. A filosofia não trazia
novidades. As ciências tornavam-se temerosas porque não havia fundamentos
firmes para elas.
5.1.6. A construção da certeza fundamental
A primeira consideração sobre o método científico proposto por Descartes
é: “Não há tanta perfeição nas obras compostas de várias pecas e feitas pelas
mãos de diversos mestres”. O trabalho de um só funciona melhor por tender para
o mesmo fim.
O método tem como finalidade reformar os próprios pensamentos de
Descartes. A busca do conhecimento exige a adoção de rumo e de analise
minuciosa do objeto. Ele recorre à Lógica para estabelecer suas regras e reduz
a grande quantidade de princípios da lógica tradicional a quatro: 1) Aceitar
somente o que é evidente, claro e distinto; 2) Dividir e analisar cada parte do
problema; 3) Raciocinar de modo ordenado e progressivo, partindo do simples
para o complexo; 4) Enumerar e revisar o processo para apurar possíveis
omissões.[15]
As vantagens deste método é o fato de ele já ser utilizado pelos
geômetras e permite utilizar a razão em cada parte do processo.
Enquanto, Descartes faz sua reforma do pensamento, ele propõe uma moral
provisória. Já que o problema moral não pode ficar suspenso. Em seguida, o
filósofo conta que resolveu rejeitar tudo que tivesse a menor dúvida e fingir
que tudo que lhe ocorria era falso. Ele chega às seguintes conclusões:
a)Mesmo que alguém pretenda que tudo
seja falso, mas o fato de pensar é alguma coisa que não pode ser negadas.
Portanto, a mais firme das afirmações é “eu penso, logo, sou”.
b) Mesmo que eu subtraia toda a
existência das coisas ao meu redor, não posso duvidar de que eu existo. Sou uma
substância cuja essência é pensar.
c) O conhecimento é maior do que a
dúvida. Tudo aquilo que concebemos de modo claro e distinto é verdadeiro.
d) Como o imperfeito não poderia pensar
a imperfeição, portanto, tal ideia poderia ser colocada por Deus na mente
humana.
e) A afirmação de que um conhecimento
para ser verdadeiro precisa passar primeiro pelos sentidos impede a concepção
de Deus e da alma: “Os nossos sentidos poderiam jamais assegurar-nos de
qualquer coisa, se nosso entendimento não interviesse”.[16]
f) A garantia da verdade se dá pela
certeza das ideias claras e distintas. O conhecimento de Deus e da alma dão a
certeza dessas regras. Devemos, portanto, nos guiar unicamente pelos caminhos
da razão, não dos sentidos.
5.1.7. O conhecimento nas “Meditações Metafísicas”
A Primeira Meditação trata da necessidade da dúvida metódica, do engano
dos sentidos; da extensão da dúvida às proposições matemáticas e da hipótese do
gênio maligno. A segunda diz respeito à certeza do cogito, à realidade do
pensamento e clareza e distinção oferecida pelo espírito. A Terceira fala do
critério da clareza e da distinção, da classificação das ideias e da realidade
forma e objetiva, do princípio de causalidade, provas da existência de Deus e
sua natureza inata.
Na Terceira Meditação, define que coisa pensante é sentido amplo o que
duvida, afirma, nega, entende, odeia, imagina e sente. Tanto a imaginação
quanto a sensação estão no eu. Os pensamentos são imagens das coisas. Mas são
também vontades, afetos e juízos. As ideias e a vontade em si mesmas não podem
ser propriamente falsas, isso ocorre nos juízos que fazemos delas.
As ideias são imagens no eu tiradas das coisas externas e que podem ser
deficitárias em relação às essas coisas, não podem ser mais perfeitas. Ideias
como a alma, Deus são inatas. Já o ruído, o fogo, o sol, são adventícias. Estas
não dependem da nossa vontade, decorrem das sensações e há discrepâncias entre
o objeto e a ideia (Ex.: perceber o sol pequeno). Mas as sereias e as entidades
míticas são inventadas (factícias).[17]
Na Sexta Meditação, Descartes afirma o papel da razão ao relatar que sua
confiança nos sentidos foi abalada por algumas experiências como as ilusões da
visão. Por isso, ele considerou que utilizar as coisas do sentido para o
conhecimento é errôneo.
5.2.
John Locke
5.2.1.
As características do empirismo
Os empiristas ingleses entram na discussão sobre a origem do
conhecimento para opor o inatismo cartesiano. Eles continuam a tradição
empirista do século XIII e precedem o iluminismo. As principais proposições do
empirismo são:
a) Tábula rasa: Não
existem ideias inatas e conteúdos mentais independentes da experiência.
b) Sensibilidade: A
experiência é critério de sentido e de verdade do conhecimento.
c)Princípio de
associação: Através de dados simples sensíveis combinados chega-se ao
conhecimento complexo.
d) Universais: Não
existem e não são objetivos, cada coisa tem existência individual e são apenas
nomes.
e) A teologia e a
metafísica não têm valor.
f) Limites do saber: É
ciente dos limites do saber, não é possível uma verdade absoluta e definitiva.
g) Ética: Tende a
individualizar o bem e associá-lo à utilidade social.
5.2.2.
Crítica de John Locke ao inatismo
O conhecimento ocorre sem quaisquer impressões inatas. Como Descartes
afirmava, de fato, existem princípios que são de consenso universal, mas isso
não serve como prova do inatismo. Locke considera pouco inteligível a afirmação
de que existe algo impresso na alma. Se assim fosse, as crianças e as pessoas
com certas deficiências mentais teriam essas ideias e as usariam. Seria
insensato considerar que a maturidade faria revelar conhecimentos que a criança
já sabia.
Segundo Locke, “os sentidos inicialmente tratam das ideias particulares,
preenchendo o gabinete ainda vazio, e a mente se familiariza gradativamente com
algumas delas, depositando-as na memória”. Mais tarde vai acontecendo a
abstração. Algumas distinções a criança sabe antes do uso da razão. O
assentimento imediato a uma proposição não é prova de inatismo.[18] As
crianças não têm ideias inatas. Elas têm apenas vagas ideias de necessidades
instintivas.
5.2.3. A teoria do conhecimento de John Locke
John Locke (1632-1704) publicou o “Ensaio sobre o Entendimento Humano em
1689. E inicia uma crítica ao inatismo. Os inatistas colocam todo o
conhecimento do mundo natural ou sobrenatural sob axiomas especulativos, ou
seja, teóricos que não dependem de provas.[19]
Segundo Locke a razão é limitada porque é a experiência que fornece
material para o conhecimento. Da experiência derivam ideias simples e ideias
complexas. As ideias simples são formadas pela impressão dos sentidos. Essas
ideias são todo o material do conhecimento e provêm da sensação e da
reflexão. As duas fontes principais do
conhecimento são as sensações e as operações da mente.
A mente pode repetir, comparar e unir as ideias formando novas ideias.
Ela não é capaz de inventar uma ideia simples nova.[20] As
ideias de sensação são aquelas derivadas da ação dos sentidos. Quando estas são
trabalhadas pela mente se tornam ideias de reflexão. São exemplos de ideias de sensação a cor, a
temperatura, o sabor. São as qualidades primárias de um corpo. As ideias de
reflexão são a percepção, o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, o
conhecer e o querer. São ideias “que se dão ao luxo de seres tais apenas quando
a mente reflete acerca de suas próprias operações”.[21]
Locke entende por ideia “todo e qualquer objeto do entendimento, ou
seja, tudo aquilo a que a mente se aplica a pensar”. As ideias simples a partir
da reflexão se tornam ideias complexas e são de três tipos: Modo, relação e
substância. Modo são as ideias conceituais; relação são as ideias de causa e
efeito, de identidade e de diferença; e substância.
Pela intuição, as ideias simples são recebidas pela experiência. Essas
ideias se tornam complexas pelo processo da síntese. As ideias abstratas se
formam através da análise de várias ideias semelhantes, tomando os elementos
comuns, forma-se uma nova ideia. A ideia abstrata se diferencia da essência,
pois esta é incognoscível.
Referências
_____________. Meditações Metafísicas.
HUME, David. Tratado I, III, 10.
LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento
Humano. Capítulo II, pp. 57-140.
MONDIN, Batista. Curso de Filosofia 2. São Paulo: Paulus, 1981.
RICKLESS,
John Locke.
SANTIN, José Guilherme. Origens do
Ceticismo Francês do Século XVI: Humanismo, averroísmo, nominalismo e fideísmo.
Kinesis, Vol. VI, n.11, julho 2014.
5.3.
O transcendentalismo kantiano
Immanuel Kant admite
que o conhecimento começa pela experiência, porém, existem algumas condições a priori para que as impressões
sensíveis se tornem conhecimento. Ele se posiciona acolhe as teses do empirismo
e do racionalismo. A dicotomia entre as duas teses é problemática. O filósofo
argumenta que “pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são
cegas”.[22]
Kant denomina de
transcendental as condições a priori do conhecimento. Elas não se ocupam do
conhecimento dos objetos em si, mas do modo como estes objetos são conhecidos.
Os objetos dos sentidos são regulados pela faculdade da intuição. A razão impõe
alguns conceitos a priori aos
objetos.[23]
As observações da
natureza sem um plano estabelecido previamente pela razão não formulariam
juízos necessários. Os princípios racionais acompanham a experiência para que
se possa produzir conhecimento. Kant antecipava o que seria predominante nas
ciências naturais, nas quais o experimento é antecedido por teorizações.[24]
Kant distingue os
diferentes tipos de conhecimentos em relação à sua fonte. Ele chama de juízos
sintéticos a priori são aqueles
conteúdos cognitivos que independem de qualquer experiência. Os conhecimentos a posteriori dependem da experiência ou
resultam dela. Os juízos analíticos são elucidativos, independem da experiência
e são verdadeiros por causa do significado dos seus termos. Por exemplo, “Todos
os corpos são pesados”. Esses juízos não ampliam o conhecimento só informam
aquilo que já está contido nos termos que compõem a proposição.[25]
Já
os juízos sintéticos são ampliativos e permitem a expansão do conhecimento.
Eles constituem o objetivo da procura pelo saber. Os juízos analíticos servem
para esclarecer a linguagem que será empregada na notação do conhecimento. Há
dentre os juízos sintéticos que se aceitavam, antes de Kant, somente como a posteriori, aqueles que são a priori. Isso que dizer que Kant
identifica um tipo de juízo que amplia o conhecimento, mas são necessários e
universais como os analíticos. São exemplos o conhecimento da matemática, da
geometria e da física.[26]
Para elaborar sua
epistemologia, Kant dependeu de uma teoria sobre a realidade. Ele classificou
as coisas no mundo em fenômeno e númeno. Esta distinção
diz mais respeito sobre como é possível conhecer o mundo. As coisas em si
(númeno) jamais podem ser conhecidas, apenas podemos conhecer a forma como elas
nos aparecem (fenômeno). Apesar da impossibilidade de conhecer o número, o
conhecimento objetivo ainda é possível.[27]
No processo cognitivo,
temos acesso às sensações dos objetos que são ordenadas pelas formas do espaço
e do tempo. Temos como resultado as percepções. O entendimento aplica suas
formas a priori e nos permite conhecer as coisas. Assim não há conhecido dos
objetos sem sensibilidade e nada pode ser pensado sem entendimento.[28]
A sensação opera cognitivamente
pelas formas da sensibilidade que são o espaço e o tempo. Os objetos que estão
fora de nós são representados pela noção de espaço. Ele é uma representação a priori necessária que está na base das
intuições externas. O tempo é uma forma da sensibilidade interna. Através dela
ordenamos as sensações considerando algumas coisas como simultâneas e outras
como sucessivas. O espaço e o tempo são formas a priori.[29]
O entendimento opera
com suas formas categorizando os dados fornecidos pelos sentidos. As categorias kantianas são reunidas em
quatro grupos da quantidade, daqualidade,
da relação e
da modalidade. O entendimento tem
a capacidade de ordenar e de julgar os dados da experiência.[30]
Referências
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Os
pensadores. Vol. I. São Paulo: Nova
Cultural, 1987.
SILVEIRA,
Fernando Lang da. A Teoria do Conhecimento de Kant: o idealismo transcendental.
Cad. Cat. Ens. Fís., v. 19, número
especial, p. 28-51, 2002.
[1]
Noam Chomsky aplica a tese
inatista à aquisição da linguagem. Segundo Chomsky, os seres humanos já nascem
com uma espécie aparato responsável pelo desenvolvimento da linguagem. Ele possui uma estrutura gramatical universal
que permite às crianças formularem frases que jamais ouviram dos pais.
Portanto, a linguagem é um tipo de conhecimento inato.
[2]CHAUÍ, Marilena. Introdução à Filosofia I. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, P. 413-420.
[3]PATTERSON,
Richard. Aristotle. In: BERNECKER, Sven; PRITCHARD, Duncan. The Routledge Companion to Epistemology.New
York: Routledge, 2011, p. 669.
[5]CHAUÍ, 2002, p. 427-432.
[6]CHAUÍ, 2002, p. 349-351.
[7] AGOSTINHO. O livre arbítrio, II,
3, 7. p. 80.
[9] RODRÍGUEZ, 2015.
[10] SOUSA, 2009.
[11] SKUOLA, 2015
[12] ALVES, 2012.
[13] ST Iª, 84, 8, Respondeo.
[14] SANTIN, Jose Guilherme. Origens do Ceticismo Francês do Século XVI:
Humanismo, averroísmo, nominalismo e fideísmo. Kinesis, Vol. VI, n 11, julho
2014, p. 281-282.
[15] DESCARTES, René. Discurso do Método, p. 31.
[16] DESCARTES, René. Discurso do Método, p. 45.
[17] DESCARTES, René. Meditações Metafísicas, 19.
[18] LOCKE, pp. 146-149.
[20] LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano.
Capítulo II, pp. 57-140.
[21] LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano, pp.
159-160.
[22] KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Os
pensadores. Vol. I. São Paulo: Nova
Cultural, 1987, p. 75.
[23]SILVEIRA, Fernando Lang da. A Teoria
do Conhecimento de Kant: o idealismo transcendental. Cad. Cat. Ens. Fís., v. 19, número especial: 2002, p. 28-51.
[24]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[25]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[26]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[27]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[28]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[29]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.
[30]SILVEIRA, 2002, p. 28-51.