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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Análise de Textos Filosóficos - 01



ANÁLISE DE TEXTOS FILOSÓFICOS

Prof. José Aristides da Silva Gamito


1. Introdução

            Apresenta-se como objetivo desse curso alcançar a habilidade de interpertar e analisar textos filosóficos. A palavra análise vem do grego antigo ἀνάλυσις, de ἀναλύω  “desfiar, investigar”, composto de ἀνά “para cima” e λύω “soltar, quebrar, dissolver”. Portanto, o ato de analisar consiste em dividir, dissolver em partes menores até compreender o todo.
            A análise e a interpretação são partes de um mesmo processo. A seguir discutiremos sobre as três habilidades: Leitura, interpretação e análise. A história da filosofia comporta uma variedade de gêneros textuais, de tempos e de culturas diferentes. A filosofia ocidental começa na grécia, mas traz uma herança da cultura romana, do pensamento judaico-cristão, do pensamento islâmico, europeu e americano. Sem contar a tradição africana que é tão desconhecida para nós.
            A análise de um texto é uma tarefa árdua e quanto mais distante historicamente de nós for o texto, mas complicada se torna essa tarefa. Outro elemento complicador é a linguagem técnica empregada. Antes do estudo do conteúdo dos textos, estudaremos a sua estrutura. Depois de classificados, podemos nos ater à mensagem.

2. Características dos textos filosóficos

            Normalmente, os textos filosóficos são bastante técnicos e de difícil leitura. Esses possuem algumas características que devemos levar em consideração ao procurar analisá-los: Os textos filosóficos trabalham com abstrações; Eles possuem uma linguagem técnica; Eles foram traduzidos; É necessário recorrer a um dicionário especializado; É necessário coletar as palavras pouco comuns; Evitar leituras superficiais; Buscar significados intencionais e não-intencionais.
            Dentre essas características, podemos dizer que a principal característica é a estrutura argumentativa. O texto filosófico se diferencia dos demais por argumenta a favor ou contra uma tese, criticamente, até chegar a uma conclusão.


3. Gêneros textuais filosóficos

            Os textos filosóficos contemporâneos são escritos de modo dissertativo, porém, na história da filosofia encontramos gêneros diversos. Platão, por exemplo, escolheu a forma de diálogos para expressar as suas idéias. “Críton” é um de seus diálogos. Voltaire escreveu em forma de romance a obra “Cândido ou o Otimismo”. Um exemplo do nosso tempo é o livro “Mundo de Sofia” de Jostein Gaarder, um romance com finalidade didática que conta a história da filosofia. Friedrich Nietzsche escreveu em forma de aforismos.

Antes de Sócrates, a Filosofia usou como forma de expressão a poesia, e ainda no período romano-helenístico encontramos De rerum natura, de Lucrécio, como exemplo de poema filosófico. Platão e também Aristóteles usaram o diálogo como veículo para expressar suas idéias. O diálogo filosófico está presente até na Idade Moderna, lembremos por exemplo o Diálogo sobre a conexão entre as idéias e as palavras, de Leibniz, e os Três diálogos entre Hilas e Filonius de Berkeley. As cartas têm servido como instrumento de expressão de idéias filosóficas. Podemos citar exemplos célebres como a correspondência entre Leibniz e Clark sobre a natureza do espaço e do tempo, correspondência entre Leibniz e Arnauld sobre a noção de substância, as cartas a Lucilo de Séneca, etc. A autobiografia tem sido usada para expressar concepções filosóficas, assim As Confissões de Santo Agostinho e as de Rousseau. Os filósofos também se apropriaram do gênero apologético e, como mostra disso, encontramos a Apologia de Sócrates, de Platão, A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, e Os pensamentos, de Pascal. O tratado científico foi introduzido por Aristóteles como gênero textual para a expressão de filosofemas. Existem também textos filosóficos formados a partir de aforismos como o Tractatus, de Wittgenstein. Face a essa grande variedade de gêneros textuais usados pelos filósofos, nos perguntamos sobre a justificativa para coloca produções pertencentes a gêneros tão diferentes, sob o rótulo comum de texto filosófico.

            Se observarmos um trecho da obra “Além do Bem e do Mal”, perceberemos a estrutura de aforismos. Cada parágrafo ou conjunto de parágrafo são identificados por números e tratam de assuntos de diferentes.

291. O homem, um animal múltiplo, artificioso e impenetrável, temível para os animais menos pela sua força que pela sua astúcia e prudência, inventou a boa consciência para poder finalmente fruir a simplicidade da sua alma; e toda a moral é uma falsificação corajosa e perene, mediante a qual sobretudo é possível fruir a contemplação da alma. Deste ponto de vista no conceito "arte" estão incluídas muito mais coisas do que geralmente se acredita.
292. Um filósofo é um homem que vive, sente, escuta, suspeita, espera e sonha sempre com coisas extraordinárias, que parece colher as próprias idéias de fora, do alto e debaixo, como uma espécie de acontecimentos apenas a ele reservados e que chegam até ele como raios, e talvez, ele mesmo seja um furacão, prenhe de raios, um homem fatal, em torno do qual se ouve incessantemente o ruído sinistro do trovão. Um filósofo, infelizmente, é por vezes um ser que foge de si mesmo, que freqüentemente tem medo de si, mas que é muito curioso, para deixar de voltar, sempre, para si mesmo.

            No número 291, o filósofo descreve o homem como um animal ardiloso, no parágrafo seguinte (292), ele muda de assunto e passa a descrever quem é o filósofo. Esse é um dos exemplos de que o estilo literário de Nietzsche é descontínuo. Portanto, sistematizar as suas obras exige uma técnica específica.
            Os principais gêneros textuais da filosofia são: O diálogo, a poesia, o aforismo, a meditação, a escrita autobiográfica e a apologia.
            As Confissões, de Santo Agostinho, é exemplo do gênero autobiográfico. O texto reflete sobre questões teológicas e filosóficas contando a vida do autor. A marca desse gênero é a utilização da primeira pessoa: “Bem consideradas estas coisas, por graça tua, meu Deus, e como me incitasse a bater, e como me abres quando bato, encontro duas criações tuas não afetadas pelo tempo, embora nenhuma delas te seja coeterna.”
            Mesmo em forma de tratado há variações no modo de exposição, apresentamos dois: A exposição more geometrico e a exposição forense. Kant ao usar a exposição forense se comporta como um advogado ao defender sua tese no texto filosófico.  Espinosa na Ética usa o more geometrico, uma exposição que inicialmente define cada conceito que será usado, seleciona os axiomas que vão direcionar os enunciados filosóficos. Encontramos nesse tipo de texto elementos próprios da geometria euclidiana: Axiomas, postulados, proposições, escólios e corolários. A intenção dos autores que usaram esse método é ser mais imparcial possível, ser técnico. O modelo da época era a linguagem geométrica.
            Se tomarmos a primeira parte da Ética, encontraremos esses elementos. Espinosa intitula a primeira parte de “Deus”. Uma vez escolhido o tema, ele faz definições de forma enumerada de todos os conceitos que utilizará. Em seguida, desenvolve esses conceitos em frases curtas enunciando as ideias que defende. Depois enuncia situações específicas como se fossem artigos de lei sobre o assunto debatido. Progressivamente, vai desenvolvendo as ideias, de forma enumerada, partindo de ideias gerais para ideias específicas.
            Procedimento semelhante ocorre no Tratactus Logico-Philosophicus de Wittgenstein. O texto é composto de enunciados breves e progressivos, também enumerados. Veja exemplo do início do Tratactus:

1(*) O mundo é tudo o que ocorre.
1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das
coisas.
1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto
consistir em todos os fatos.
1.12 A totalidade dos fatos determina, pois, o que
ocorre e também tudo que não ocorre.
1.13 Os fatos, no espaço lógico, são o mundo.


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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001