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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Análise de Textos Filosóficos - 02



4. A contribuição da hermenêutica na análise de textos

            Para estudar filosofia é fundamental o contato direto com os textos filosóficos. O estudo da filosofia se inicia com uma atitude de "confilosofar" com os grandes autores da história. Esse estudo permite perceber alguns objetivos que são caros à filosofia, qual a capacidade de síntese e de reconstrução das linhas de desenvolvimento de um problema, a sua contextualização e a relevância para a atualidade
            Betti indica quatro momentos metodológicos que orientam o sujeito no ato da interpretação: a) Análise gramatical e linguística para a reconstrução do sentido do texto; b) Quando essa análise não é suficiente, o estudante deve apelar a sua capacidade crítica de discernir entre o certo e o incerto; c) Reconstuir o mundo cultural e espiritual do autor, trata-se de procurar entender os atos espirituais pessoas do autor no ato de escrever (sua motivação íntima); d) Procurar a objetividade do texto independente das circunstâncias culturais e pessoais.
            A interpretação tem seus desafios. Há um embate constante entre a subjetividade do autor ou do intérprete e a objetividade do texto. O objetivo de interpretação deve ser respeitado em sua alteridade. Uma parte da obra se compreende considerando a totalidade dela. Gadamer e Betti entendem que no processo interpretativo de um evento passado, o intérprete se move dentro da historicidade e da subjetividade, ou seja, ele está sujeito à influência do seu tempo e de sua personalidade no ato de interpretar ou analisar um texto.
            Sem negar a objetividade do texto, a subjetividade do intérprete constitui uma condição de possibilidade indispensável à interpretação. A mentalidade do intérprete é de suma importância no processo.  Por fim, é necessário da parte do intérprete um esforço em se aproximar do objeto e captar a sua unicidade e estabelecer uma harmonia com ele.
            A objetividade do texto é sempre mediata. Ou seja, o acesso à singularidade do texto depende de uma mediação. O significado objeto de um texto depende completamente do sujeito, mas devemos admitir outra situação – ele não pode estar sujeito à arbitrariedade do intérprete. Isso equivale ao uso da má-fé no processo interpretativo. Alguns fundamentalismos religiosos ocorrem justamente por essa arbitrariedade na interpreção do texto religioso por parte da autoridade. No final o trabalho do intérprete é uma reinvidicação de validade e o propõe sob a égide da objetividade, mesmo de forma provisória. Sua interpretação são asserções pessoais sobre as asserções do autor.

5. A interpretação textual através da história
             Sempre houve necessidade de alguma técnica de leitura e interpretação, porém, foi a tradição cristã que mais se debruçou em torno dessa prática por causa da necessidade de compreender de modo seguro o sentido do texto bíblico.
             Partindo da necessidade de expor a doutrina cristã para os intelectuais da sociedade romana, os padres da Igreja inauguram um dos primeiros métodos de interpretação de textos: O método alegórico. Esses autores tomavam o texto bíblico como um texto que continha uma mensagem codificada em figuras. Portanto, todo o texto era considerado como metáfora. O Antigo Testamento (Escrituras Judaicas) era interpretado como antecipação do Novo Testamento (Escrituras Cristãs).
             Dizia-se que o texto bíblico possuía quatro sentidos: Literal, alegórico, moral e anagógico. Mesmo com a revolução que a hermenêutica bíblica fez no século XIX, principalmente, na Alemanha, muitos manuais de estudos bíblicos ainda continuavam defendendo a interpretação alegórica até meados do século XX.
            Uma ciência hermenêutica propriamente dita começa a surgir a partir do Renascimento. Os renascentistas redescobrem os clássicos greco-romanos e sentem a necessidade de estudar filologia para compreender essas obras. Com Friedrich Schleiermacher amplia-se o emprego da hermenêutica a todos os textos, não apenas ao texto bíblico.
            O nome hermenêutica surgiu com Johann Conrad Dannhauer (1603-1666), mas desde a discussão de Aristóteles no texto “Sobre a Interpretação” muitos já se preocuparam com a compreensão de um texto. Muitos autores cristãos escreveram a respeito como Orígenes, Agostinho de Hipona, Isidoro de Sevilha, Hugo de São Vítor e, mais tarde, Martim Lutero.
            A ciência hermenêutica de se desenvolve definitivamente com Friedrich Schleiermacher (1768-1834), Wilhelm Dilthey (1833-1911), Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamar (1900-2002) e Emilio Betti (1890-1968). A hermenêutica filosófica surge com a proposta de Schleiermacher de elaborar uma hermenêutica geral e não somente aplicável ao texto bíblico. Nos passos de Schleiermacher, Dilthey defendeu uma interpretação universal e válida para todos os textos.
            A contribuição de Heidegger foi importante e também influenciou os trabalhos de seus aluno Gadamer.  Ele defendeu uma interpretação baseada nos fatos, na vida, e não em uma universalidade abstrata.  Missagia, em um artigo, resume essa perspectiva de Heidegger.
Essa vida, ainda que sempre a constatemos como algo atual no instante mesmo em que a percebemos, não está isolada de um contexto e de um fluxo temporal: a facticidade da vida é envolta sempre por um passado carregado de significação (incluindo os prejuízos a ela inerentes) e aponta para as projeções que podemos fazer em relação ao futuro. Uma vez que vivemos num contínuo fluxo temporal é natural que possamos fazer certas previsões, com base nos conhecimentos passados, sobre aquilo que pode acontecer; estamos necessariamente abertos para nossas possibilidades, cientes de sua existência.

            Uma obra marcante para a história da hermenêutica é “Verdade e Método” de Gadamer, escrita em 1960. O pensador sustentava que deve se evitar a arbitrariedade nas interpretações e limitações surgidas dos nossos hábitos mentais. Sempre quando nos deparamos com um texto já temos uma ideia prévia dele. A leitura vai alterando a nossa pré-compreensão do texto. Já que esse processo é infinito nunca teremos uma compreensão última e totalizante do texto. O objetivo de Gadamer era descobrir a natureza da compreensão humana. Segundo Gadamer, a relação entre verdade e método estava em desequilíbrio na história da hermenêutica. Nesse sentido, fez crítica aos métodos empregados no estudo das ciências humanas (Geiteswissenschaften).
            Outra crítica de Gadamer é a tentação de aplicar o método científico às ciências humanas. Enquanto Dilthey acreditava que para realizar uma boa interpretação é necessário captar a intenção do autor ao elaborar o texto, Gadamer afirma que o significado do texto não é redutível às intenções do autor, ele depende do contexto da interpretação. Isso quer dizer que não  é possível recriar as condições psíquicas do momento de redação daquele autor. Há diferenças de contexto entre o autor e o intérprete. Isso quer dizer que a nossa consciência é efeito da história. O transfundo histórico e cultural é fator determinante no ato de interpretar.
            Para o italiano Emílio Betti, a hermenêutica é uma questão epistemológica. Precisamos conhecer o que é compreender. Assim como Schleiermacher, ele crê na objetividade da interpretação. É uma hermenêutica que busca a interpretação correta de um texto.
            Temos, portanto, duas perspectivas entre esses autores apresentados. A perspectiva objetivista defendida por Schleiermacher, Dilthey e Betti, e a perspectiva subjetivista de Heidderger e Gadamer. É claro que todos eles levam em conta os aspectos históricos e culturais tanto do autor quanto do intérprete.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001