4. A contribuição da hermenêutica na análise de textos
Para
estudar filosofia é fundamental o contato direto com os textos filosóficos. O
estudo da filosofia se inicia com uma atitude de "confilosofar" com
os grandes autores da história. Esse estudo permite perceber alguns objetivos
que são caros à filosofia, qual a capacidade de síntese e de reconstrução das
linhas de desenvolvimento de um problema, a sua contextualização e a relevância
para a atualidade
Betti
indica quatro momentos metodológicos que orientam o sujeito no ato da
interpretação: a) Análise gramatical e linguística para a reconstrução do
sentido do texto; b) Quando essa análise não é suficiente, o estudante deve
apelar a sua capacidade crítica de discernir entre o certo e o incerto; c)
Reconstuir o mundo cultural e espiritual do autor, trata-se de procurar entender
os atos espirituais pessoas do autor no ato de escrever (sua motivação íntima);
d) Procurar a objetividade do texto independente das circunstâncias culturais e
pessoais.
A
interpretação tem seus desafios. Há um embate constante entre a subjetividade
do autor ou do intérprete e a objetividade do texto. O objetivo de
interpretação deve ser respeitado em sua alteridade. Uma parte da obra se
compreende considerando a totalidade dela. Gadamer e Betti entendem que no
processo interpretativo de um evento passado, o intérprete se move dentro da
historicidade e da subjetividade, ou seja, ele está sujeito à influência do seu
tempo e de sua personalidade no ato de interpretar ou analisar um texto.
Sem
negar a objetividade do texto, a subjetividade do intérprete constitui uma
condição de possibilidade indispensável à interpretação. A mentalidade do
intérprete é de suma importância no processo.
Por fim, é necessário da parte do intérprete um esforço em se aproximar
do objeto e captar a sua unicidade e estabelecer uma harmonia com ele.
A objetividade do
texto é sempre mediata. Ou seja, o acesso à singularidade do texto depende de
uma mediação. O significado objeto de um texto depende completamente do
sujeito, mas devemos admitir outra situação – ele não pode estar sujeito à
arbitrariedade do intérprete. Isso equivale ao uso da má-fé no processo
interpretativo. Alguns fundamentalismos religiosos ocorrem justamente por essa
arbitrariedade na interpreção do texto religioso por parte da autoridade. No
final o trabalho do intérprete é uma reinvidicação de validade e o propõe sob a
égide da objetividade, mesmo de forma provisória. Sua interpretação são
asserções pessoais sobre as asserções do autor.
5. A interpretação textual
através da história
Sempre houve necessidade de alguma
técnica de leitura e interpretação, porém, foi a tradição cristã que mais se
debruçou em torno dessa prática por causa da necessidade de compreender de modo
seguro o sentido do texto bíblico.
Partindo da necessidade de expor a
doutrina cristã para os intelectuais da sociedade romana, os padres da Igreja
inauguram um dos primeiros métodos de interpretação de textos: O método
alegórico. Esses autores tomavam o texto bíblico como um texto que continha uma
mensagem codificada em figuras. Portanto, todo o texto era considerado como
metáfora. O Antigo Testamento (Escrituras Judaicas) era interpretado como
antecipação do Novo Testamento (Escrituras Cristãs).
Dizia-se que o texto bíblico
possuía quatro sentidos: Literal, alegórico, moral e anagógico. Mesmo com a
revolução que a hermenêutica bíblica fez no século XIX, principalmente, na
Alemanha, muitos manuais de estudos bíblicos ainda continuavam defendendo a
interpretação alegórica até meados do século XX.
Uma ciência
hermenêutica propriamente dita começa a surgir a partir do Renascimento. Os
renascentistas redescobrem os clássicos greco-romanos e sentem a necessidade de
estudar filologia para compreender essas obras. Com Friedrich Schleiermacher
amplia-se o emprego da hermenêutica a todos os textos, não apenas ao texto
bíblico.
O nome
hermenêutica surgiu com Johann Conrad Dannhauer (1603-1666), mas desde a
discussão de Aristóteles no texto “Sobre a Interpretação” muitos já se
preocuparam com a compreensão de um texto. Muitos autores cristãos escreveram a
respeito como Orígenes, Agostinho de Hipona, Isidoro de Sevilha, Hugo de São
Vítor e, mais tarde, Martim Lutero.
A ciência
hermenêutica de se desenvolve definitivamente com Friedrich Schleiermacher
(1768-1834), Wilhelm Dilthey (1833-1911), Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamar
(1900-2002) e Emilio Betti (1890-1968). A hermenêutica filosófica surge com a
proposta de Schleiermacher de elaborar uma hermenêutica geral e não somente
aplicável ao texto bíblico. Nos passos de Schleiermacher, Dilthey defendeu uma
interpretação universal e válida para todos os textos.
A contribuição de
Heidegger foi importante e também influenciou os trabalhos de seus aluno
Gadamer. Ele defendeu uma interpretação
baseada nos fatos, na vida, e não em uma universalidade abstrata. Missagia, em um artigo, resume essa
perspectiva de Heidegger.
Essa vida, ainda que sempre a constatemos como algo atual no
instante mesmo em que a percebemos, não está isolada de um contexto e de um
fluxo temporal: a facticidade da vida é envolta sempre por um passado carregado
de significação (incluindo os prejuízos a ela inerentes) e aponta para as
projeções que podemos fazer em relação ao futuro. Uma vez que vivemos num
contínuo fluxo temporal é natural que possamos fazer certas previsões, com base
nos conhecimentos passados, sobre aquilo que pode acontecer; estamos
necessariamente abertos para nossas possibilidades, cientes de sua existência.
Uma obra marcante
para a história da hermenêutica é “Verdade e Método” de Gadamer, escrita em
1960. O pensador sustentava que deve se evitar a arbitrariedade nas
interpretações e limitações surgidas dos nossos hábitos mentais. Sempre quando
nos deparamos com um texto já temos uma ideia prévia dele. A leitura vai
alterando a nossa pré-compreensão do texto. Já que esse processo é infinito
nunca teremos uma compreensão última e totalizante do texto. O objetivo de
Gadamer era descobrir a natureza da compreensão humana. Segundo Gadamer, a
relação entre verdade e método estava em desequilíbrio na história da
hermenêutica. Nesse sentido, fez crítica aos métodos empregados no estudo das
ciências humanas (Geiteswissenschaften).
Outra crítica de
Gadamer é a tentação de aplicar o método científico às ciências humanas.
Enquanto Dilthey acreditava que para realizar uma boa interpretação é
necessário captar a intenção do autor ao elaborar o texto, Gadamer afirma que o
significado do texto não é redutível às intenções do autor, ele depende do
contexto da interpretação. Isso quer dizer que não é possível recriar as condições psíquicas do
momento de redação daquele autor. Há diferenças de contexto entre o autor e o
intérprete. Isso quer dizer que a nossa consciência é efeito da história. O
transfundo histórico e cultural é fator determinante no ato de interpretar.
Para o italiano
Emílio Betti, a hermenêutica é uma questão epistemológica. Precisamos conhecer
o que é compreender. Assim como Schleiermacher, ele crê na objetividade da
interpretação. É uma hermenêutica que busca a interpretação correta de um
texto.
Temos, portanto,
duas perspectivas entre esses autores apresentados. A perspectiva objetivista
defendida por Schleiermacher, Dilthey e Betti, e a perspectiva subjetivista de
Heidderger e Gadamer. É claro que todos eles levam em conta os aspectos
históricos e culturais tanto do autor quanto do intérprete.
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