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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013


FILOSOFIA DA CIÊNCIA[1]

José Aristides da Silva Gamito[2]

1.  CONCEITUAÇÃO E TAREFA DA FILOSOFIA DA CIÊNCIA

     A filosofia da ciência ou epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a investigação científica e seu produto, o conhecimento científico.  Quem estuda filosofia da ciência, certamente, já estudou filosofia, logo vamos nos ocupar do conceito de ciência.
     O sentido que os termos ‘ciência’ e ‘científico’ têm atualmente se desenvolveram no século XIX. Na antiguidade e no período medieval, scientia dizia respeito aos resultados das demonstrações lógicas que revelavam verdades gerais e necessárias. Mais tarde o termo esteve ligado a conhecimentos que têm relação com a matemática e a geometria. No século XVII quando surge a ciência moderna, os campos do conhecimento dito científico são chamados de ‘filosofia natural’ (Física, astronomia e investigações sobre as causas das coisas e ‘história natural’ (Botânica, zoologia e os componentes do mundo (GODFREY-SMITH, 2003).
     Segundo Thomas Samuel Kuhn há duas concepções sobre ciência: A perspectiva formalista e a perspectiva historicista. A primeira compreende a ciência como uma atividade totalmente racional e controlada, a segunda a entende como uma atividade que se dá no tempo e sujeita aos processos históricos e particularidades.

2.  O SENSO COMUM E A CIÊNCIA

2.1.       As distinções necessárias
     Geralmente, quando se falam em ciência e cientista as reações mais comuns são “um gênio louco”, “um tipo excêntrico”, “alguém que fala com autoridade”. Assim como muitos dizem que é ‘coisa’ de ateu. Em nossa sociedade os cientistas são vistos como uma elite da inteligência que pensa no nosso lugar. O cientista, o especialista, eles se tornaram mitos (ALVES, 1981).

A ciência não é um órgão novo de conhecimento. A ciência é a hipertrofia de capacidades que todos têm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso.
Quanto maior a visão em profundidade, menor a visão em extensão. A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada vez menos. (ALVES, 1981, p. 9).

            A ciência é a especialização de habilidades e tem o senso comum como ponto partida. A palavra senso comum, por sua vez, está impregnada de uma carga semântica negativa dada por quem considera a ciência superior a ele. Mas por senso comum se entende as pessoas que passaram por um treinamento científico.
            Não há razões para o desprezo do senso comum porque se observarmos o cotidiano muitas milhares de pessoas sem escolarização específica realizam ações, serviços, baseados em critérios que envolvem conhecimentos de economia, matemática, ética.

O senso comum e a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. E para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência.
A ciência, curiosamente, depois de cerca de 4 séculos, desde que ela surgiu com seus fundadores, está colocando sérias ameaças à nossa sobrevivência (ALVES, 1981, p.16).

2.2.       A etnociência e as inter-relações de ciência e senso comum
            A partir da década de 60 com a valorização das culturas tradicionais além do continente europeu surgiu o termo etnociência. Com ele se designa o estudo dos conhecimentos, métodos e das classificações dos elementos da natureza das diferentes culturas. São conhecimentos populares de culturas ancestrais. A etnociência valoriza os conhecimentos de culturas que não usavam ou não usam nosso conceito e método de ciência moderna ocidental.
            Como exemplo de conhecimentos de um povo, temos a classificação das plantas pelos índios de língua tupi. A língua apresentava um vocabulário extenso e classificatório que demonstravam a observação dos índios:

Para exprimir um coletivo de plantas, empregam o sufixo tyuatyba, adulterado em tibatuba e teua, pelo que ocupando-se de vegetais, adicionam ao gênero principal da planta, correspondendo ao al no português (:46). Apresenta também 27 termos associados aos elementos e produtos de uma planta, como, por exemplo, raiz (çapó), tronco (upi), folha (ob), flor (iboty), galho (takang), fruto (iuáybá), semente (ayin), espinho (yu), etc.(:47-8).
         Quanto ao emprego das plantas, cita-se o uso de florestas virgens (kaá eté), das matas (kaa), dos campos (nhum) e das matas de nova aparição (kaapoer), para roças () e plantações (korupaua) (:48).
         Kaáyuá ou ybá e myra servem de gêneros incertae sedis, em que há dúvida no grupo a que  se ligam, já que em todos os grupos formados pelos índios acham-se tais gêneros, assim como a posposição rana (semelhante a oides, affinis ou similis dos botânicos) (:49). Assim segue com uma série de exemplos de plantas cujo caráter é tirado do fruto ( ybáyuá ou ), do grupo caracterizado por madeira, pau (ybirámbyrámyra ou muirá), por árvore de tronco ereto (yua , ybauba), do grupo kaá (erva, folha, planta) e do grupo dos ycipó ou cipó (trepadeiras, lianas). Exemplos: Uáuaçu (fruta grande); Myrá kuatiar ( pau manchado) = Centrolobium paraense Tul.; Ukuyba (árvore de sebo) = Myristica surinamensis Roll.; Kaá peua (folha chata) = Cissampelos pereira Vell.;Cypó taia (cipó que queima) = Capparis urens Barb. Rodr.; Tarumá rana = Vitex sp. var.; respectivamente, só para uma noção (:50-5). (HAVERROTH, 2013).

            Portanto, o valor da ciência na contemporaneidade é inegável, mas não se pode por isso menosprezar o senso comum e os diversos conhecimentos das diferentes culturas.


3.  O SURGIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA

     A partir do século XVI novos métodos de investigação contribuem para o surgimento da ciência moderna. Acontecem mudanças radicais. A física de Aristóteles era qualitativa e teórica e passa a não ser mais considerada pelos novos métodos. A nova física é mensurável e traduzida em leis matemáticas.
     O conhecimento da natureza deixa de buscar a essência das coisas e vai procurar a função delas. A esta mudança de perspectiva no modo de pesquisar convencionou se chamar de Revolução Científica. Isso porque o período que compreende do século XVI ao XVIII houve uma produção de conhecimentos e descobertas de grande consideração.
     As principais revoluções operadas na nova ciência são: a) Adoção da experimentação e mensuração matemática na ciência houve contribuições de Bacon, Descartes e outros; b) A mudança de geocentrismo para heliocentrismo com as descobertas de Copérnico, Galileo e Kepler. C) O conhecimento do corpo a partir dos estudos de anatomia de Andreas Vesalius.

4.  OS PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS

     Os problemas que envolvem a ciência não somente referentes ao fato de conhecer, mas envolve as várias relações internas e externas da ciência, são: Lógicos, semânticos, gnosiológicas, metodológicos, ontológicos, axiológicos e éticos.
     Há várias questões a serem feitas sobre a validade do conhecimento científico, a eficácia dos métodos. Atualmente, questiona-se muito sobre o problema ético na ciência: Que relação entre os valores cognitivos da ciência e os valores morais? A ciência é eticamente neutra? Qual seria um código moral mínimo para a comunidade científica?
     A partir do pós-guerra surgiram muitas discussões a respeito da bomba atômica, uma conquista da ciência. Mais tarde surgem mais dois problemas éticos: A degradação ambiental e a manipulação da genética humana (a clonagem).

5.  O MÉTODO CIENTÍFICO

     Etimologicamente método significa “caminho”. Um método é um procedimento estável composto de vários passos e regras que permitem alcançar um fim.  No caso da ciência o fim é explicar a realidade. Ao longo da história se utilizou vários métodos: Método dedutivo, método indutivo. Atualmente se considera o método científico hipotético-dedutivo:
     Dedutivo: Consiste em extrair de princípios gerais uma conclusão particular.  A validade deste método é inquestionável: De princípios verdadeiros, e mediante um raciocínio válido, extrai-se uma conclusão que não pode ser outra que não verdadeira. Porém, apresenta um problema em sentido estrito, só é aplicável às ciências formais (matemática e lógica).
     Indutivo: Consiste em extrair uma conclusão geral de casos particulares. O inconveniente deste método é que só proporciona probabilidade: Por mais comprovados e selecionados que os casos estejam nada assegura que os demais sejam do mesmo tipo e muito menos que os futuros casos procederão da mesma forma.
     Hipotético-dedutivo: É forma mista dos dois anteriores. E procure reunir as vantagens deles. Existem vários passos:
a)    Observação da realidade e formulação do problema. Exemplo: Observa-se que pessoas obesas têm menos saúde física que as magras.
b)    Formulação de hipótese: Propõe-se uma explicação possível, rigorosa, neutra. Exemplo: Propõe-se a hipótese que a presença do hormônio tal impede a obesidade.
c)    Dedução de consequência: Utilizando-se o método dedutivo extraem-se as consequências que teria a hipótese se fosse verdadeira. Exemplo: Os ratos que tiveram injetado neles o tal hormônio não engordarão mesmo que tenham uma alimentação calórica.
d)    Contrastação da hipótese: Pela observação e experiência comprova-se se acontecem as consequências previstas. Como não podemos aplicar o hormônio tal a todos os ratos existentes e que existirão, selecionamos alguns grupos (milhares) e comprovamos a validade da hipótese. Usamos a indução.
e)    Refutação da hipótese: Se obteve o resultado previsto pela hipótese ainda que se concluir que era falsa. O processo recomeça com nova hipótese.

6.  AS TEORIAS CIENTÍFICAS

6.1.       O progresso da ciência
O conhecimento científico admite um aperfeiçoamento com o passar do tempo, por exemplo, as teorias sobre a luz.  1º - Descartes: a luz resultava da pressão produzida por certos corpúsculos que preenchiam os espaços do universo.” 2º - Christiaan Huygens: propunha que a luz era um processo ondulatório, envolvendo um fluido imponderável a que se chamou de “éter luminífero”“. 2º - Newton: “a luz seria um feixe de partículas emitidas pelos corpos luminosos.” No século XX, quando a mecânica quântica se ocupou desta teoria não deu uma explicação visualizável.
         Uma das características da ciência é este processo que vai se aperfeiçoando. No exemplo citado, não houve um processo cumulativo, que dizer nem sempre os novos conhecimentos são somados e produzindo uma evolução linear e positiva. Em outros segmentos, novas teorias passam a explicar melhor os mesmos fenômenos.

6.2.       Hipótese, leis e teorias
Hipótese é o mesmo que suposição. Diante de um fato observável A, formulamos a hipótese é B. A imaginação participa do processo de formulação de hipótese, porém resultará conhecimento válido se se comprovar pela realidade e pela experiência. Os modos de verificação de uma hipótese são:
Verificação: Ela só pode ser feita por indução porque nunca podemos estar seguros de que no futuro aparecerão casos diferentes.
Falsificação: Foi proposta por Karl Popper (1902-1994). Consiste em por a hipótese à prova com experimentos cruciais que demonstrem que ela é falsa. A hipótese tem de resistir a toda contraprova para ser considerada verdadeira.
A pesquisa científica classifica seus resultados em leis e teorias. Teoria é um conjunto de ideias e modelos explicativos de um fenômeno que estão unidos por determinadas evidências. Uma teoria científica não é uma verdade pronta, mas possui e sustenta por princípios válidos e provados.
As teorias mais conhecidas como Teoria da Relatividade, Teoria das Placas Tectônicas, Teoria do Sistema Heliocêntrico, Teoria dos Germes, Teoria da Herança Genética e Teoria da Evolução, todas elas são sustentadas por fatos e evidências que mostram resultados esperados e trazem benefício ao homem.
Já as leis descrevem os fatos explicados pela teoria. É uma generalização empírica. Ou seja, um comportamento de um fenômeno repetido várias vezes e a partir de observações serem formuladas afirmações de que é assim que ocorre.
Portanto,
A: Hipóteses são ideias que tentam explicar um fato observável.
B: Teorias são hipóteses que passaram por averiguações de suas previsões.
C: Leis são hipóteses que explicam eventos que ocorrem com regularidade.

7.    AS TEORIAS EPISTEMOLÓGICAS DA CONTEMPORANEIDADE

No período entre as duas guerras mundiais, houve um impulso decisivo sobre o método científico. O Círculo de Viena (Wiener Kreis) trabalhou intensamente sobre estas questões desenvolvendo o positivismo lógico.
O positivismo lógico prima pelo princípio de verificação. As proposições válidas são aquelas que podem ser comprovadas empiricamente. As afirmações da metafísica e da teologia são rejeitas e a ética é reduzida a normas com base em emoções.
A matemática e a lógica são vistas como tautologias, estipuladas convencionalmente e incapazes de dizer algo sobre o mundo. À filosofia cabe o papel de analisar a relação entre linguagem e realidade no discurso científico. Portanto, a filosofia é atividade clarificadora da linguagem.

7.1.    A epistemologia de Karl Popper
Karl Popper procurou distingue ciência de pseudociência. É o problema da demarcação. Ela chama a solução a este problema de falsificacionismo. Uma teoria científica para ser verdadeira tem de se expor ao risco da falsificação. O critério de falsificabilidade estabelece que para uma teoria ser considerada científica tem de obedecer a duas condições: a) ser falsificável, isto é, pode ser em linha de princípio, desmentida ou contradita; b) não ter sido ainda achada falsa de fato.
Popper rejeita seguir a teoria indutivista de Bacon e de quase todos os modernos. O ponto de partida da edificação da ciência são os problemas. As respostas que buscamos pela pesquisa científica são estimuladas por questões anteriores. “A ciência é antes de tudo invenção de hipóteses; a experiência (isto é, a observação e o experimento), cujo âmbito será delimitado pela hipótese, exerce o papel de controladora das teorias” (MONDIN, 1983).
Princípios da epistemologia de Popper: a) Todo conhecimento científico é hipotético; b) O aumento do conhecimento se dá a partir da aprendizagem em cima dos erros; c) O método científico consiste em buscas novas teorias e a busca dos erros através de um exame crítico; d) Os experimentos são guiados por teorias e expectativas; e) A objetividade científica apenas em termos de aproximação crítica; f) As teorias precisam ser criticadas e defendidas tenazmente; g) As teorias se dividem em mais controláveis e menos controláveis; h) As teorias que são mais expostas a riscos tendem ser melhores.

7.2.    A epistemologia de Bachelard
Segundo Gaston Bachelard a filosofia da ciência não pode aceitar nem a solução realista e nem idealista, antes deve se colocar numa posição intermediária. O conhecimento tem como base a dupla experiência/razão. A sua posição poderia ser chamado de ‘racionalismo aplicado’ porque considera que o processo conhecimento científico parte da razão para experiência. A observação científica é precedida por uma teoria preparadora.

7.3.       Thomas Kuhn e a ciência normal
Thomas Kuhn trabalha como o termo paradigma. Os paradigmas são conquistas científicas universalmente reconhecidas, que por certo período fornecem um modelo de problemas e soluções aceitáveis em certo campo das ciências.

8.    REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência.
HAVERROTH, Moacir. Etnobotânica: Uma revisão teórica. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~nessi/Etnobotanica%20uma%20revisao%20teorica.htm Acesso em: 22.02.2013.


[1] Texto-base para as aulas de Fundamentos Psicológicos da Educação no curso de pós-graduação de Docência do Ensino Superior do Instituto de Ciências Humanas João Paulo II (IJOPA) / Faculdade Católica de Anápolis, Cachoeiro de Itapemirim (ES) e Campos (RJ), 2013.
[2] Bacharel em filosofia pela Faculdade João Calvino (2010) e licenciado em filosofia pela Faculdade de Ciências da Bahia (2011), especialista em Docência do Ensino Básico e do Ensino Superior (2011), atual Secretário Municipal de Educação de Conceição de Ipanema (MG). E-mail: joaristides@gmail.com.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001