José
Aristides da Silva Gamito[2]
1. CONCEITUAÇÃO E TAREFA DA FILOSOFIA DA
CIÊNCIA
A filosofia da ciência ou epistemologia é o
ramo da filosofia que estuda a investigação científica e seu produto, o
conhecimento científico. Quem estuda
filosofia da ciência, certamente, já estudou filosofia, logo vamos nos ocupar
do conceito de ciência.
O sentido que os termos ‘ciência’ e ‘científico’
têm atualmente se desenvolveram no século XIX. Na antiguidade e no período
medieval, scientia dizia respeito aos
resultados das demonstrações lógicas que revelavam verdades gerais e
necessárias. Mais tarde o termo esteve ligado a conhecimentos que têm relação
com a matemática e a geometria. No século XVII quando surge a ciência moderna,
os campos do conhecimento dito científico são chamados de ‘filosofia natural’
(Física, astronomia e investigações sobre as causas das coisas e ‘história
natural’ (Botânica, zoologia e os componentes do mundo (GODFREY-SMITH, 2003).
Segundo Thomas Samuel Kuhn há duas concepções
sobre ciência: A perspectiva formalista e a perspectiva historicista. A
primeira compreende a ciência como uma atividade totalmente racional e
controlada, a segunda a entende como uma atividade que se dá no tempo e sujeita
aos processos históricos e particularidades.
2. O SENSO COMUM E A CIÊNCIA
2.1.
As
distinções necessárias
Geralmente, quando se falam em ciência e
cientista as reações mais comuns são “um gênio louco”, “um tipo excêntrico”,
“alguém que fala com autoridade”. Assim como muitos dizem que é ‘coisa’ de
ateu. Em nossa sociedade os cientistas são vistos como uma elite da inteligência
que pensa no nosso lugar. O cientista, o especialista, eles se tornaram mitos (ALVES,
1981).
A ciência não é
um órgão novo de conhecimento. A ciência é a hipertrofia de capacidades que
todos têm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso.
Quanto maior a
visão em profundidade, menor a visão em extensão. A tendência da especialização
é conhecer cada vez mais de cada vez menos. (ALVES, 1981, p. 9).
A ciência é a especialização de
habilidades e tem o senso comum como ponto partida. A palavra senso comum, por
sua vez, está impregnada de uma carga semântica negativa dada por quem
considera a ciência superior a ele. Mas por senso comum se entende as pessoas
que passaram por um treinamento científico.
Não há razões para o
desprezo do senso comum porque se observarmos o cotidiano muitas milhares de
pessoas sem escolarização específica realizam ações, serviços, baseados em
critérios que envolvem conhecimentos de economia, matemática, ética.
O senso comum e
a ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de
compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. E para aqueles que
teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só
gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos, os homens
sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência.
A ciência,
curiosamente, depois de cerca de 4 séculos, desde que ela surgiu com seus
fundadores, está colocando sérias ameaças à nossa sobrevivência (ALVES, 1981,
p.16).
2.2.
A etnociência e as inter-relações de
ciência e senso comum
A partir da década de
60 com a valorização das culturas tradicionais além do continente europeu surgiu
o termo etnociência. Com ele se
designa o estudo dos conhecimentos, métodos e das classificações dos elementos
da natureza das diferentes culturas. São conhecimentos populares de culturas
ancestrais. A etnociência valoriza os conhecimentos de culturas que não usavam
ou não usam nosso conceito e método de ciência moderna ocidental.
Como exemplo de
conhecimentos de um povo, temos a classificação das plantas pelos índios de
língua tupi. A língua apresentava um vocabulário extenso e classificatório que
demonstravam a observação dos índios:
Para exprimir um
coletivo de plantas, empregam o sufixo tyua, tyba,
adulterado em tiba, tuba e teua, pelo
que ocupando-se de vegetais, adicionam ao gênero principal da planta,
correspondendo ao al no português (:46). Apresenta também 27
termos associados aos elementos e produtos de uma planta, como, por exemplo,
raiz (çapó), tronco (upi), folha (ob), flor (iboty),
galho (takang), fruto (uá, iuá, ybá),
semente (ayin), espinho (yu), etc.(:47-8).
Quanto
ao emprego das plantas, cita-se o uso de florestas virgens (kaá eté),
das matas (kaa), dos campos (nhum) e das matas de nova aparição (kaapoer),
para roças (kó) e plantações (korupaua) (:48).
Kaá, uá, yuá ou ybá e myra servem
de gêneros incertae sedis, em que há dúvida no grupo a
que se ligam, já que em todos os grupos formados pelos índios
acham-se tais gêneros, assim como a posposição rana (semelhante
a oides, affinis ou similis dos botânicos)
(:49). Assim segue com uma série de exemplos de plantas cujo caráter é tirado
do fruto ( ybá, yuá ou uá), do grupo
caracterizado por madeira, pau (ybirá, mbyrá, myra ou muirá),
por árvore de tronco ereto (yua , yba, uba),
do grupo kaá (erva, folha, planta) e do grupo dos ycipó ou cipó (trepadeiras,
lianas). Exemplos: Uáuaçu (fruta grande); Myrá kuatiar (
pau manchado) = Centrolobium paraense Tul.; Ukuyba (árvore
de sebo) = Myristica surinamensis Roll.; Kaá peua (folha
chata) = Cissampelos pereira Vell.;Cypó taia (cipó
que queima) = Capparis urens Barb. Rodr.; Tarumá rana = Vitex sp.
var.; respectivamente, só para uma noção (:50-5). (HAVERROTH, 2013).
Portanto, o valor da
ciência na contemporaneidade é inegável, mas não se pode por isso menosprezar o
senso comum e os diversos conhecimentos das diferentes culturas.
3. O SURGIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA
A partir do século XVI novos métodos de
investigação contribuem para o surgimento da ciência moderna. Acontecem
mudanças radicais. A física de Aristóteles era qualitativa e teórica e passa a
não ser mais considerada pelos novos métodos. A nova física é mensurável e traduzida
em leis matemáticas.
O conhecimento da natureza deixa de buscar
a essência das coisas e vai procurar a função delas. A esta mudança de
perspectiva no modo de pesquisar convencionou se chamar de Revolução
Científica. Isso porque o período que compreende do século XVI ao XVIII houve
uma produção de conhecimentos e descobertas de grande consideração.
As principais revoluções operadas na nova
ciência são: a) Adoção da experimentação e mensuração matemática na ciência
houve contribuições de Bacon, Descartes e outros; b) A mudança de geocentrismo
para heliocentrismo com as descobertas de Copérnico, Galileo e Kepler. C) O
conhecimento do corpo a partir dos estudos de anatomia de Andreas Vesalius.
4. OS PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS
Os problemas que envolvem a ciência não
somente referentes ao fato de conhecer, mas envolve as várias relações internas
e externas da ciência, são: Lógicos, semânticos, gnosiológicas, metodológicos,
ontológicos, axiológicos e éticos.
Há várias questões a serem feitas sobre a
validade do conhecimento científico, a eficácia dos métodos. Atualmente,
questiona-se muito sobre o problema ético na ciência: Que relação entre os
valores cognitivos da ciência e os valores morais? A ciência é eticamente
neutra? Qual seria um código moral mínimo para a comunidade científica?
A partir do pós-guerra surgiram muitas
discussões a respeito da bomba atômica, uma conquista da ciência. Mais tarde
surgem mais dois problemas éticos: A degradação ambiental e a manipulação da
genética humana (a clonagem).
5. O MÉTODO CIENTÍFICO
Etimologicamente método significa
“caminho”. Um método é um procedimento estável composto de vários passos e
regras que permitem alcançar um fim. No
caso da ciência o fim é explicar a realidade. Ao longo da história se utilizou
vários métodos: Método dedutivo, método indutivo. Atualmente se considera o
método científico hipotético-dedutivo:
Dedutivo:
Consiste em extrair de princípios gerais uma conclusão particular. A validade deste método é inquestionável: De
princípios verdadeiros, e mediante um raciocínio válido, extrai-se uma
conclusão que não pode ser outra que não verdadeira. Porém, apresenta um
problema em sentido estrito, só é aplicável às ciências formais (matemática e
lógica).
Indutivo:
Consiste em extrair uma conclusão geral de casos particulares. O inconveniente
deste método é que só proporciona probabilidade: Por mais comprovados e
selecionados que os casos estejam nada assegura que os demais sejam do mesmo
tipo e muito menos que os futuros casos procederão da mesma forma.
Hipotético-dedutivo:
É forma mista dos dois anteriores. E procure reunir as vantagens deles. Existem
vários passos:
a) Observação da realidade e
formulação do problema. Exemplo: Observa-se que pessoas obesas têm menos saúde
física que as magras.
b) Formulação de hipótese:
Propõe-se uma explicação possível, rigorosa, neutra. Exemplo: Propõe-se a
hipótese que a presença do hormônio tal impede a obesidade.
c) Dedução de consequência:
Utilizando-se o método dedutivo extraem-se as consequências que teria a
hipótese se fosse verdadeira. Exemplo: Os ratos que tiveram injetado neles o
tal hormônio não engordarão mesmo que tenham uma alimentação calórica.
d) Contrastação da hipótese:
Pela observação e experiência comprova-se se acontecem as consequências
previstas. Como não podemos aplicar o hormônio tal a todos os ratos existentes
e que existirão, selecionamos alguns grupos (milhares) e comprovamos a validade
da hipótese. Usamos a indução.
e) Refutação
da hipótese: Se obteve o resultado previsto pela hipótese ainda que se concluir
que era falsa. O processo recomeça com nova hipótese.
6. AS TEORIAS CIENTÍFICAS
6.1.
O
progresso da ciência
O conhecimento
científico admite um aperfeiçoamento com o passar do tempo, por exemplo, as
teorias sobre a luz. 1º - Descartes: “a luz
resultava da pressão produzida por certos corpúsculos que preenchiam os espaços
do universo.” 2º - Christiaan
Huygens: “propunha que a luz era um processo ondulatório,
envolvendo um fluido imponderável a que se chamou de “éter luminífero”“. 2º - Newton: “a luz seria um feixe de partículas emitidas pelos
corpos luminosos.” No século XX, quando a mecânica quântica se ocupou
desta teoria não deu uma explicação visualizável.
Uma
das características da ciência é este processo que vai se aperfeiçoando. No
exemplo citado, não houve um processo cumulativo, que dizer nem sempre os novos
conhecimentos são somados e produzindo uma evolução linear e positiva. Em
outros segmentos, novas teorias passam a explicar melhor os mesmos fenômenos.
6.2. Hipótese, leis e teorias
Hipótese é o mesmo que suposição.
Diante de um fato observável A, formulamos a hipótese é B. A imaginação
participa do processo de formulação de hipótese, porém resultará conhecimento
válido se se comprovar pela realidade e pela experiência. Os modos de
verificação de uma hipótese são:
Verificação: Ela só pode
ser feita por indução porque nunca podemos estar seguros de que no futuro
aparecerão casos diferentes.
Falsificação: Foi
proposta por Karl Popper (1902-1994). Consiste em por a hipótese à prova com
experimentos cruciais que demonstrem que ela é falsa. A hipótese tem de
resistir a toda contraprova para ser considerada verdadeira.
A pesquisa científica classifica
seus resultados em leis e teorias. Teoria é um conjunto de ideias e modelos
explicativos de um fenômeno que estão unidos por determinadas evidências. Uma
teoria científica não é uma verdade pronta, mas possui e sustenta por
princípios válidos e provados.
As teorias mais conhecidas como
Teoria da Relatividade, Teoria das Placas Tectônicas, Teoria do Sistema Heliocêntrico,
Teoria dos Germes, Teoria da Herança Genética e Teoria da Evolução, todas elas
são sustentadas por fatos e evidências que mostram resultados esperados e
trazem benefício ao homem.
Já as leis descrevem os fatos
explicados pela teoria. É uma generalização empírica. Ou seja, um comportamento
de um fenômeno repetido várias vezes e a partir de observações serem formuladas
afirmações de que é assim que ocorre.
Portanto,
A: Hipóteses são ideias que
tentam explicar um fato observável.
B: Teorias são hipóteses que
passaram por averiguações de suas previsões.
C: Leis são hipóteses que
explicam eventos que ocorrem com regularidade.
7. AS TEORIAS EPISTEMOLÓGICAS DA CONTEMPORANEIDADE
No período entre as duas guerras
mundiais, houve um impulso decisivo sobre o método científico. O Círculo de Viena (Wiener Kreis) trabalhou intensamente sobre estas questões
desenvolvendo o positivismo lógico.
O positivismo lógico prima pelo
princípio de verificação. As proposições válidas são aquelas que podem ser
comprovadas empiricamente. As afirmações da metafísica e da teologia são
rejeitas e a ética é reduzida a normas com base em emoções.
A matemática e a lógica são
vistas como tautologias, estipuladas convencionalmente e incapazes de dizer
algo sobre o mundo. À filosofia cabe o papel de analisar a relação entre
linguagem e realidade no discurso científico. Portanto, a filosofia é atividade
clarificadora da linguagem.
7.1. A epistemologia de Karl Popper
Karl Popper procurou distingue
ciência de pseudociência. É o problema da demarcação. Ela chama a solução a
este problema de falsificacionismo. Uma teoria científica para ser verdadeira
tem de se expor ao risco da falsificação. O critério de falsificabilidade
estabelece que para uma teoria ser considerada científica tem de obedecer a
duas condições: a) ser falsificável, isto
é, pode ser em linha de princípio, desmentida ou contradita; b) não ter sido
ainda achada falsa de fato.
Popper rejeita seguir a teoria
indutivista de Bacon e de quase todos os modernos. O ponto de partida da edificação
da ciência são os problemas. As respostas que buscamos pela pesquisa científica
são estimuladas por questões anteriores. “A
ciência é antes de tudo invenção de hipóteses; a experiência (isto é, a
observação e o experimento), cujo âmbito será delimitado pela hipótese, exerce
o papel de controladora das teorias” (MONDIN, 1983).
Princípios da epistemologia de
Popper: a) Todo conhecimento científico é hipotético; b) O aumento do
conhecimento se dá a partir da aprendizagem em cima dos erros; c) O método
científico consiste em buscas novas teorias e a busca dos erros através de um
exame crítico; d) Os experimentos são guiados por teorias e expectativas; e) A
objetividade científica apenas em termos de aproximação crítica; f) As teorias
precisam ser criticadas e defendidas tenazmente; g) As teorias se dividem em
mais controláveis e menos controláveis; h) As teorias que são mais expostas a
riscos tendem ser melhores.
7.2. A epistemologia de Bachelard
Segundo Gaston Bachelard a
filosofia da ciência não pode aceitar nem a solução realista e nem idealista,
antes deve se colocar numa posição intermediária. O conhecimento tem como base
a dupla experiência/razão. A sua posição poderia ser chamado de ‘racionalismo
aplicado’ porque considera que o processo conhecimento científico parte da
razão para experiência. A observação científica é precedida por uma teoria
preparadora.
7.3. Thomas Kuhn e a ciência normal
Thomas Kuhn trabalha como o termo
paradigma. Os paradigmas são conquistas científicas universalmente
reconhecidas, que por certo período fornecem um modelo de problemas e soluções
aceitáveis em certo campo das ciências.
8. REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem.
Filosofia da Ciência.
HAVERROTH, Moacir. Etnobotânica: Uma revisão
teórica. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~nessi/Etnobotanica%20uma%20revisao%20teorica.htm
Acesso em: 22.02.2013.
[1] Texto-base para as
aulas de Fundamentos Psicológicos da Educação no curso de pós-graduação de Docência
do Ensino Superior do Instituto de Ciências Humanas João Paulo II (IJOPA) /
Faculdade Católica de Anápolis, Cachoeiro de Itapemirim (ES) e Campos (RJ),
2013.
[2] Bacharel em filosofia
pela Faculdade João Calvino (2010) e licenciado em filosofia pela Faculdade de
Ciências da Bahia (2011), especialista em Docência do Ensino Básico e do Ensino
Superior (2011), atual Secretário Municipal de Educação de Conceição de Ipanema
(MG). E-mail: joaristides@gmail.com.
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