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sábado, 22 de maio de 2021

Metodologia da Pesquisa em Filosofia

 PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS: O LUGAR DA FILOSOFIA[1]

 

José Aristides da Silva Gamito

 

1.    Introdução

 

A pesquisa em filosofia exige um treinamento adequado que nem sempre os cursos de graduação oferecem. Primeiramente, o estudante deve ter em conta que no ensino superior ocorre na iniciação científica. Ele adquire conhecimentos ao mesmo tempo que os produz. O êxito e a relevância da pesquisa em filosofia dependerão muito da compreensão da natureza e do escopo dessa área do conhecimento. Uma vez compreendido isso ficará mais fácil para o uso dos métodos de pesquisa e da percepção do alcance do campo temático da disciplina filosófica.

Introduziremos esse estudo falando sobre a especificidade do objeto de estudo da filosofia, a necessidade de conhecer o cânon filosófico, a identificação dos gêneros textuais em filosofia e no final, abordaremos a formulação de problemas filosóficos.

 

2.    A especificidade da filosofia

 

A filosofia se difere das ciências naturais porque seu objeto não está plenamente situado ao exterior do pesquisador dado que suas ferramentas principais são o raciocínio e o discurso. Ela não apoia em experimentos e na observação. Embora, tal definição metodológica da filosofia não pode ser considerada de modo estrito. Em filosofia, é possível além da reflexão, utilizar a observação de comportamentos, do tratamento de fenômenos. A filosofia não depende de laboratórios para produzir conhecimentos. No entanto, ela pode utilizar muitas técnicas das demais ciências, estabelecendo uma fronteira de interdisciplinaridade.

A produção filosófica se serve bastante da capacidade de raciocínio, de organização de ideias, da observação crítica da sociedade e do mundo. Os temas de filosofia muitas vezes são ocupações comuns da maioria das pessoas e que são levados para um espaço especulativo para tirar deles as razões e os porquês mais profundos. Os temas mais gerais e antigos da filosofia de natureza metafísica procuram explicar a essência do mundo, do ser, da divindade. A filosofia se difere das demais ciências porque ela trabalha com respostas de origens das coisas. São especulações anteriores ao uso das coisas, à manipulação dos objetos como fazem as ciências naturais. Portanto, a pesquisa filosófica atua com a produção de conceitos e se, de fato, eles representam ou explicar bem a essência do mundo e dos fenômenos.

A filosofia é uma ciência de produção de significados e de representações acerca da estrutura e do funcionamento do mundo. Antes mesmo de conhecer, através da filosofia se pergunta se é possível conhecer e como isso ocorre ou não ocorre. A diversidade de temas foi sempre a marca do campo filosófico, mas existentes alguns temas constantes que delimitam a área da filosofia.[2]

 

3.    O cânon filosófico

 

Um segundo ponto a considerar é que a pesquisa em filosofia toma como referência a tradição do pensamento ocidental. Quando passamos por uma graduação em filosofia vamos aos poucos treinando nosso vocabulário, nosso estilo de argumentação a partir da leitura dos textos que entraram para o cânon. Desde a antiguidade grega, certos textos tornaram-se referências na formação dos novos filósofos. Formou-se um cânon um tanto aberto das obras filosóficas mais influentes. Platão e Aristóteles são valiosos exemplos disso. As obras platônicas nos revelam o método filosófico de Sócrates. O seu modo de construir o discurso filosófico é um dos primeiros métodos registrados do fazer filosófico. A maiêutica é um método dialógico no qual o filósofo propõe um tema e vai provocando seus interlocutores a darem a melhor explicação ou definição para ele. No diálogo Teeteto, Sócrates dá mostras da sua intervenção “amigo Teeteto, chegou a hora de te exibires e eu de examinar-te” (145b). Sócrates provocava seus interlocutores a exporem seus conceitos e suas opiniões e seguia examinando, perscrutando as incoerências e lacunas e conduzia um conjunto de opiniões distintas para uma conclusão.

A pesquisa em filosofia exige uma habilidade que é comum a todas as ciências, a habilidade de interpretar textos. E quanto mais antigos e de culturas distintas forem esses textos maiores serão as exigências de treinamento do leitor. Os textos filosóficos de cultura grega contêm uma linguagem e uma cosmovisão de que depende de informações históricas, sociais e culturais para serem entendidos. Assim também os textos da Europa medieval. A interpretação é crucial para aproveitamento desses textos. Por causa disso, a aprendizagem da filosofia depende da leitura dos clássicos.

 

4.    Os gêneros textuais em filosofia

 

Considero de grande valia uma compreensão também dos diferentes gêneros textuais utilizados na literatura filosófica. As obras de Platão fazem frequente uso do gênero diálogo. São tantos gêneros possíveis para escrever textos filosóficos. Jean-Jacques Rousseau utilizou o romance Emílio para esse fim. Agostinho utilizou a autobiografia nas Confissões. O conhecimento prévio dos gêneros já prepara o leitor para saber como interpretar o texto. A leitura dos clássicos é fundamental e cada curso seleciona os textos mais importantes. No entanto, o ensino e aprendizagem de filosofia não pode se restringir ao método histórico. Existe uma forte tradição pedagógica em filosofia que converte todo esse processo em ensinar história da filosofia. Como acenamos, a tradição é referência para a produção filosófica ao lado do desenvolvimento da reflexão do estudante não pode ficar esquecido. A filosofia para cumprir seu papel precisa uma reunião de métodos do tipo historiográfico-reflexivo-contextual.

O que queremos dizer com essa expressão? Um método historiográfico-reflexivo-contextual procuraria ler e interpretar os clássicos da filosofia ao mesmo tempo em que ele ensina a produzir filosofia pela reflexão e pela necessidade do contexto de cada comunidade acadêmica. Os filósofos antigos tinham prática muito contextual e vivencial. Eles discutiam grandes problemas da humanidade, mas rompiam no momento exato com toda a abstração, tornando a filosofia um estilo de vida. A filosofia possui também a sua dimensão prática. Bastam verificar os estoicos, os epicuristas e os cínicos. Eles viviam o que ensinavam. Diógenes de Sínope é a expressão máxima de dedicação à filosofia encarnada.

 

5.    Encaminhamentos práticos: problemas filosóficos

 

     A produção da pesquisa filosófica depende de muita leitura, discussão, exercícios de interpretação. A aprendizagem de filosofia exige uma concentração individual em cima de leitura e de anotações. Não se aprende filosofia sem contato com os textos filosóficos de relevância do cânon como as obras Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, René Descartes, David Hume, Immanuel Kant e outros. A primeira habilidade requerida é ler e interpretar. Depois é necessário desenvolver a capacidade de argumentar. A lógica é uma disciplina bastante decisiva para que o estudante aperfeiçoe sua capacidade de raciocinar de modo organizado e coerente e a argumentar e a contra-argumentar de forma convincente. Além da leitura, a argumentação se desenvolve pela prática da discussão em grupos como os conhecidos cafés filosóficos, simpósios e pela adoção do hábito de escrever sobre o que se está lendo ou sobre assuntos que tenham provocado o estudante a se posicionar.

     Alguns passos podem devem ser observados na iniciação científica em filosofia. Em primeiro lugar, o estudante deve procurar conhecer os problemas mais comuns que foram discutidos pela tradição filosófica. A forma mais didática de compreender esses temas é por meio das subdivisões da filosofia. A metafísica se ocupa da natureza fundamental da realidade como o ser, o mundo, Deus. A epistemologia examina a natureza e o valor do conhecimento. A ética trata sobre o comportamento humano a partir dos conceitos de bem e de mal. A lógica trabalha com princípios e regras para o raciocínio correto.

     Cada área da filosofia se ocupa de um número de problemas. A problematização é a identificação de um assunto que precisa ser compreendido. Vamos buscar o porquê. Por exemplo, é possível chegar à verdade? Eis um problema de pesquisa em epistemologia. Para respondermos à questão, formulamos algumas hipóteses que são ensaios de respostas possíveis. Para esse fim, devemos levar em conta tradição filosófica e a realidade que nos cerca. Devemos saber como outros filósofos procuraram responder àquela pergunta e como podemos responder levando em conta nossa ambiência.[3]

     Por último, temos de considerar a relevância do problema e identificar as questões secundárias envolvidas. Esse caminho percorrido hoje pela pesquisa em filosofia tem sua origem na Grécia antiga. Foram assim que os filósofos começaram essa tradição. Os pré-socráticos se perguntaram sobre qual era o elemento que deu origem a diversidade da natureza (o arché).

 

Referências:

 

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

 

BARBOSA, Evandro; COSTA, Thaís Christina Alves. Metodologia e Prática de Pesquisa em Filosofia. Pelotas: NEPFIL, 2015.



[1] Texto-referência para a introdução das aulas de Dissertação Filosófica para o 1º ano de filosofia do Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário do dia 22/02/2021. Contato: joaristides@gmail.com.

[2] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 442.

[3] BARBOSA, Evandro; COSTA, Thaís Christina Alves. Metodologia e Prática de Pesquisa em Filosofia. Pelotas: NEPFIL, 2015, p. 25.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001