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domingo, 19 de junho de 2016

Visões contemporâneas do homem

Crédito: Blog www.filosonewton.blogspot.com.




1.        Concepções contemporâneas do homem (séc. XIX – séc. XX)

         No romantismo, a dimensão dos sentimentos e das emoções é colocada em relevo na concepção de homem. O Eu sensível supera o Cogito racional e a universalidade lógica. A antropologia romântica valoriza o homem no particular.
         Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) apresenta uma antropologia eminentemente existencial.  A sua preocupação é saber o caminho que levou o homem do estado de natureza para o estado de sociedade. A sua visão nega toda transcendência. Tudo se faz na imanência.
         A concepção hegeliana integra traços fundamentais do homem cristão e do homem moderno.  O homem se situa em relação à natureza. Em relação ao mundo natural de modo imediato e ao mundo propriamente humano pela mediação.  Ele se relaciona também com a cultura (Bildung) e só se torna indivíduo à medida que participa da manifestação do Espírito. O homem é um ser que exerce progressivamente a liberdade na história.
         Por fim, o homem está em relação com o Absoluto, é nele que se manifesta o Espírito por meio de suas atividades como a arte, a religião e a filosofia. O Espírito subjetivo concretizado no indivíduo em si é Espírito natural; para si consciência; em si para si é sujeito. Em síntese, a idéia da filosofia do Espírito objetivo é a clássica “torna-te aquilo que és”.
         Na concepção de Marx, o homem se define pela forma que vive a sua vida.  A natureza humana se caracteriza pelas suas necessidades biológicas, psicossociais e culturais. São conceitos importantes para entender essa visão de Marx a necessidade, satisfação e alienação.
          Há dois tipos de alienação, a espiritual que diz respeito à deficiência de ser por não alcançar a auto-realização e a alienação social representada pelo domínio do produto sobre seu criador. A alienação se relaciona com a possibilidade de realização de suas necessidades. A separação entre necessidade e capacidade de realização na pessoa é chamada de coisificação. O homem acontece dentro de sua realização histórica e social.
         O trabalho é a atividade principal da satisfação das necessidades naturais do homem. Na situação histórica há uma inadequação entre as forças e as relações de produção. As produções humanas reais ou imaginárias ganham independência e se opõem a seus produtores.

1.1.  O desenvolvimento das ciências humanas

         No século XIX, ocorre um rápido desenvolvimento das ciências humanas.  Augusto Comte inicia a Sociologia considerando a primazia da sociedade sobre o indivíduo. A antropologia se desenvolve na primeira metade do século XX. Suas raízes estão no pensamento de Sören Kierkegaard (1813-1855) e em Friedrich Nietzsche (1844-1900).
         Kierkegaard contribui com a noção de existência, de indivíduo, em oposição ao universal. Nietzsche, por sua vez, faz uma crítica da cultura e propõe uma nova idéia de homem. Sua reflexão passa pelas seguintes considerações:

o que foi o homem, ou seja, a sua aparição emergindo da natureza e da vida; o que o homem não é atingido pela doença da cultura e pelo ressentimento ou vingança contra a vida e o devir; finalmente o que o homem pode e deve ser, onde aparece o tema do homem como transição para o super-homem (VAZ, 1991, p. 133).

         Nietzsche opera em dois campos ao falar do homem: Na metafísica e na cultura. Metafisicamente, o homem está envolvido pela vontade em vista do poder e pelo eterno retorno do mesmo. Na crítica da cultura, estão o niilismo, a genealogia da moral e o anúncio do super-homem.
         O pensador alemão dissolve a imagem ocidental do homem. O dualismo cartesiano é superado a considerar a consciência apenas como instrumento de unidade do corpo.

2.   As antropologias contemporâneas

         Na idade contemporânea, temos diversos modelos antropológicos.
a)     Antropologia existencial – Na concepção kierkegaardiana, o indivíduo precede ao universal. Karl Jaspers (1883-1969) aponta a existência empírica do homem em confronto com a transcendência.  Heidegger também se torna uma fonte importante para a construção de uma antropologia existencial. Jean Paul Sarte (1905-1979) expressa sua antropologia pelas noções de ser: o em-si (a coisa) e o para-si (a consciência).
b)     Antropologia personalista – A categoria de pessoa é muito presente em muitas antropologias contemporâneas. O personalismo de inspiração cristã tem como princípio a afirmação de um Deus pessoal como modelo e fim do homem.  Jacques Maritain (1882-1973) e Emmanuel Mounier (1905-1950).
c)     Antropologias materialistas - Essas antropologias consideram os princípios naturais mais influentes do que os culturais no homem. Ernest Bloch (1885-1977) é um desses filósofos. Geralmente, são de inspiração marxiana. Henri Bergson e Teilhard Chardin são representantes espiritualistas que têm os pressupostos naturais por base de suas antropologias.
      Por fim, o homem se mostra pluriversal. Assim diversos aspectos do homem podem ser observados de cada vez e de cada situação.

3. Antropologias contemporâneas: alguns aprofundamentos

3.1.     Nietzsche: A antropologia do Übermensch

Friedrich Nietzsche empenha-se numa crítica a moral tradicional, aos valores do homem construídos pela sociedade ocidental. Essa visão de homem forjada pelo cristianismo é marcada pelas expressões ‘animal de rebanho’, ‘espírito gregário’, ‘fraco’ e ‘ressentido’.
É importante notar que em Nietzsche a concepção metafísica de homem é transformada em orgânica. Em a A Gaia Ciência, o filósofo de Röcken estabelece uma diferença entre o homem contemplativo e o homem elevado: “Os homens superiores distinguem-se dos inferiores por verem e ouvirem incalculavelmente mais e por verem e ouvirem pensando – e justamente isso distingue o homem do animal e os animais superiores dos inferiores”  No aforismo 301, o pensador contrapõe o homem ativo ao contemplativo dizendo que nós não nos contentar simples em contemplar a existência porque somos criadores, tudo que está aí é produto de nossa percepção.
O homem nietzschiano envolve a força contemplativa e a força ativa. Seu papel na existência não se restringe a contemplação da obra, mas a ação como doação de sentido a vida. Além disso, esse homem da ação está além do sentido comum, ele é dotado de uma potência criadora.
A antropologia de Nietzsche é uma conclamação ao homem racional para a totalidade do devir, para o reconhecimento da fatalidade da existência.  O projeto nietzscheano do übermensch vai contra toda a pretensão moral de melhoramento do homem de base socrático-platônica. O além-do-homem no Assim Falou Zaratustra não é um destino, mas um estado ainda não sentido, um estado latente do homem (APOLINÁRIO, 2016).[1]

3.2.     O peso da existência na antropologia de Kierkegaard

No século XIX, teve início um processo de reação as antropologias que tinham uma visão metafísica e racional do homem.
“A concepção de homem na filosofia kierkegaardiana nos lança um desafio: ousarmos a ser nós mesmos. Correndo todos os riscos, mesmo quando este risco é o risco do fracasso.
Pois, não existe eu autêntico sem assumir esta condição: ser a si próprio, reconhecer-se como dependente do poder que o pôs.
Søren Kierkegaard é um dos mais violentos opositores de Hegel. Ele critica o hegelianismo por priorizar o universal em detrimento do singular. O universal é racional, abstrato, eterno e devorador do indivíduo, é apenas a abstração do singular. Só o singular é o existente. Partindo deste princípio o filósofo toma para si a missão de valorizar o singular.
Este para Kierkagaard é o homem.
A existência humana é compreendida na categoria da possibilidade. Todas as possibilidades são possibilidades de sim e de não. Tudo está sob a ameaça do nada. Através desta condição o homem se relaciona com o mundo, desta instabilidade nasce a angústia.
Desta, ele tem como saídas o suicídio ou a fé (aceitação de sua condição). A existência autêntica passa pelo assumir a sua condição e a sua identidade.
Em relação a si mesmo o homem experimenta o desespero. Porque ele pode querer ou não querer ser a si próprio. Assumir a subjetividade é tarefa difícil. O homem é uma síntese de finito e infinito. Ele deve procurar um equilíbrio entre esses dois pólos. Corre duplo risco: pelo infinito corre o risco de se perder no imaginário e pelo finito, no fechamento. Este dilema de ser ou não, põe o indivíduo na condição de desesperado. Aqui a saída é a aceitação de sua identidade de dependente e limitado.
A situação humana em kierkegaard é um dilema, que só pode solucionado pela fé. O filósofo resgata o homem do universalismo abstrato. Valoriza a sua existência no seu aspecto de finitude, incluindo o sofrimento, na sua dupla patologia: a angústia e o desespero. A filosofia kierkegaardiana salva o homem das garras dos sistemas, ao priorizar o indivíduo como abertura para as possibilidades, dotado de liberdade e caracterizado por sua individualidade inalienável.” (GAMITO, 2004)[2].

3.3.     Heidegger e a existência do homem

Martin Heidegger define o homem não pela racionalidade, mas pela sua existência.  Por isso, a sua compreensão do homem passará pelo aspecto ontológico. O pensador alemão busca o sentido do ser. Ele é o único ente que tem consciência do ser.
O homem é ser-aí (Dasein). É ser individual com as possibilidades de vir a ser. As coisas são, mas somente o homem existe. A existência é o ato de projetar, de se utilizar das coisas e não somente contemplá-las. Quando descobre o que pode se tornar, ele atinge a autocompreensão.
         Não há atributo estável que descreva o homem. Este homem está sempre em uma dada situação.
Nesta perspectiva, o Ser-aí (ou homem) é "o ente que depende de seu ser"10 e "a existência é decidida, o sentido da posse ou da ruína, somente por cada Ser-aí individual"11. O homem enquanto Ser-aí não é alguém absoluto de forma objetiva, mas ele é o único ente que depende de seu ser. O ser não pode ser definido enquanto objetividade, o mesmo é mistério que desvela a existência do homem no mundo e o projeta a partir de suas decisões. Por isso, o homem torna-se existência consciente e protagonista de sua história quando se abre a verdade de si mesmo, dada por meio da revelação do ser. (SANTOS, 2016).[3]

3.4.     Sartre, existência e liberdade

Sartre se insere na corrente existencialista. O existencialismo teve seu início no século XIX com Soeren Kierkegaard e tem como idéia principal a defesa da individualidade do homem e da sua responsabilidade de dar sentido à vida mesmo diante dos obstáculos.
         Jean Paul Sartre (1905-1980) sustenta que o homem faz a si mesmo.  Não existe determinismo sobre a realidade humana, é a liberdade que se determina. A principal obra de Sartre é o Ser e o Nada.
         O “em-si” (en-soi) é o mundo das coisas materiais. Diz respeito a qualquer objeto que existe no mundo. Ele está além da afirmação e da negação e é pleno de si mesmo. As condições pertencem à consciência. O homem ao conhecer não acrescenta nada ao “em-si”.
         Já o homem é o “para-si” (pour-soi) porque é um ser que tem consciência de si e do mundo. Ele estabelece relações funcionais entre os “em-si” e modifica o mundo. Cada homem só tem como imutável o que já viveu, mas a partir do presente tudo pode ser mudado.
         O ser “em-si” é o ser dos fenômenos, enquanto o ser “para-si” é o ser da consciência. O homem é o centro da filosofia porque a existência precede a essência. Apenas o homem tem existência, os outros seres apenas são.  “O homem nada mais é do que aquilo que ele faz a si mesmo: é esse o primeiro princípio do existencialismo” (Sartre, 1987, p. 6).
         Nada pode ser explicado por uma natureza humana porque o homem é livre e não existe determinismo. O legislador do destino humano é o próprio homem. Ele aparece no mundo e num segundo homem é que ele se define.
         O passado do homem é marca do “em-si” e não pode ser modificado. Porém, o homem não é passado, ele é ser “para-si” e se faz no presente. Quanto  ao futuro, ele estará sempre em busca de completude.
         Um tema caro para Sartre é a liberdade. Esta é o fundamento do ser. Com ele escolhe o que projeta ser e não fugir da responsabilidade de escolher, pois a recusa já é um modo de escolha. A liberdade implica agir com responsabilidade.
         A perspectiva ateia de Sartre leva a outra consequência para a liberdade humana. Não há um Deus que determina a natureza do homem. “Portanto, a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira” (Sartre, 1987, p. 7). A liberdade envolve o meio social, e este meio pode também limitar essa liberdade.
         Nada poderá isentar o homem de sua responsabilidade.  Pela má-fé o homem mente para si, fugindo de suas responsabilidades. Aquele inventa determinismos para si age de má-fé.

4.    As dimensões do homem

      Mondin (2008) aborda o problema da unidade e da diversidade do homem analisando as suas dimensões:
a)     Homo somaticus –  O homem possui um corpo.
b)     Homo vivens – O homem como ser vivo é uma verdade evidente, mas saber a sua origem e sua natureza.
c)     Homo sapiens – O homem possui capacidade de conhecer, pensar, reconhecer e rememorar.
d)     Homo volens – O homem é dotado de vontade, capaz de decisão.
e)     Homo loquens – Seus pensamentos, suas vontades e decisões podem ser comunicados
f)      Homo socialis – O homem vive em comunidade, ele transforma o seu meio através da socialização.
g)     Homos culturalis – Por meio de sua relação com o mundo, o homem produz cultura. É como ele humaniza o mundo.
h)    Homo faber – O homem é essencialmente artífice, através da técnica o homem satisfaz suas necessidades.
i)      Homo ludens – O homem é jogador.
j)      Homo religiosus – O homem tem fé.

REFERÊNCIAS
APOLINÁRIO, José Antônio Feitosa. As andanças do homem superior em Nietzsche. Disponível em: http://www.cadernosnietzsche.unifesp.br/home/item/165-as-andan%C3%A7as-do-homem-superior-em-nietzsche. Acesso em 17 jun. 2016.

CHOZA, Jacinto. Manual de Antropologia Filosofica. Madri: Ediciones Rialp S. A., 1988.

GAMITO, José Aristides da Silva. A condição humana em Kierkegaard. Disponível em:  http://docslide.com.br/documents/a-condicao-humana-em-kierkegaard.html. Acesso 17 jun. 2016.

MONDI, Gian Battista. Elementos de Antropologia Filosófica.
SANTOS, Luciano Gomes dos. O homem na filosofia de Martin Heidegger. Disponível em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/22/artigo87364-1.asp. Acesso em 16 jun. 2016.

VAZ, Henrique Lima. Antropologia Filosófica I.  São Paulo: Edições Loyola, 1991.



[1] APOLINÁRIO, José Antônio Feitosa. As andanças do homem superior em Nietzsche. Disponível em: http://www.cadernosnietzsche.unifesp.br/home/item/165-as-andan%C3%A7as-do-homem-superior-em-nietzsche. Acesso em 17 jun. 2016.
[2] GAMITO, José Aristides da Silva. A condição humana em Kierkegaard. Disponível em:  http://docslide.com.br/documents/a-condicao-humana-em-kierkegaard.html. Acesso 17 jun. 2016.
[3] SANTOS, Luciano Gomes dos. O homem na filosofia de Martin Heidegger. Disponível em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/22/artigo87364-1.asp. Acesso em 16 jun. 2016.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001