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1.
Concepções
contemporâneas do homem (séc. XIX – séc. XX)
No romantismo, a dimensão dos
sentimentos e das emoções é colocada em relevo na concepção de homem. O Eu
sensível supera o Cogito racional e a universalidade lógica. A antropologia
romântica valoriza o homem no particular.
Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778) apresenta uma antropologia eminentemente
existencial. A sua preocupação é saber o
caminho que levou o homem do estado de natureza para o estado de sociedade. A
sua visão nega toda transcendência. Tudo se faz na imanência.
A
concepção hegeliana integra traços fundamentais do homem cristão e do homem
moderno. O homem se situa em relação à
natureza. Em relação ao mundo natural de modo imediato e ao mundo propriamente
humano pela mediação. Ele se relaciona
também com a cultura (Bildung) e só
se torna indivíduo à medida que participa da manifestação do Espírito. O homem
é um ser que exerce progressivamente a liberdade na história.
Por fim, o homem está em relação com o
Absoluto, é nele que se manifesta o Espírito por meio de suas atividades como a
arte, a religião e a filosofia. O Espírito subjetivo concretizado no indivíduo
em si é Espírito natural; para si consciência; em si para si é sujeito. Em
síntese, a idéia da filosofia do Espírito objetivo é a clássica “torna-te
aquilo que és”.
Na concepção
de Marx, o homem se define pela forma que vive a sua vida. A natureza humana se caracteriza pelas suas
necessidades biológicas, psicossociais e culturais. São conceitos importantes
para entender essa visão de Marx a necessidade, satisfação e alienação.
Há dois tipos de alienação, a espiritual que
diz respeito à deficiência de ser por não alcançar a auto-realização e a
alienação social representada pelo domínio do produto sobre seu criador. A
alienação se relaciona com a possibilidade de realização de suas necessidades.
A separação entre necessidade e capacidade de realização na pessoa é chamada de
coisificação. O homem acontece dentro de sua realização histórica e social.
O trabalho é a atividade principal da
satisfação das necessidades naturais do homem. Na situação histórica há uma
inadequação entre as forças e as relações de produção. As produções humanas
reais ou imaginárias ganham independência e se opõem a seus produtores.
1.1. O desenvolvimento das ciências
humanas
No século XIX, ocorre um rápido
desenvolvimento das ciências humanas. Augusto
Comte inicia a Sociologia considerando a primazia da sociedade sobre o
indivíduo. A antropologia se desenvolve na primeira metade do século XX. Suas
raízes estão no pensamento de Sören Kierkegaard (1813-1855) e em Friedrich
Nietzsche (1844-1900).
Kierkegaard contribui com a noção de
existência, de indivíduo, em oposição ao universal. Nietzsche, por sua vez, faz
uma crítica da cultura e propõe uma nova idéia de homem. Sua reflexão passa
pelas seguintes considerações:
o
que foi o homem, ou seja, a sua aparição emergindo da natureza e da vida; o que
o homem não é atingido pela doença da cultura e pelo ressentimento ou vingança
contra a vida e o devir; finalmente o que o homem pode e deve ser, onde aparece
o tema do homem como transição para o super-homem (VAZ, 1991, p. 133).
Nietzsche opera em dois campos ao falar
do homem: Na metafísica e na cultura. Metafisicamente, o homem está envolvido
pela vontade em vista do poder e pelo eterno retorno do mesmo. Na crítica da
cultura, estão o niilismo, a genealogia da moral e o anúncio do super-homem.
O
pensador alemão dissolve a imagem ocidental do homem. O dualismo cartesiano é
superado a considerar a consciência apenas como instrumento de unidade do
corpo.
2. As antropologias contemporâneas
Na idade contemporânea, temos diversos
modelos antropológicos.
a)
Antropologia
existencial – Na concepção kierkegaardiana, o
indivíduo precede ao universal. Karl Jaspers (1883-1969) aponta a existência
empírica do homem em confronto com a transcendência. Heidegger também se torna uma fonte
importante para a construção de uma antropologia existencial. Jean Paul Sarte
(1905-1979) expressa sua antropologia pelas noções de ser: o em-si (a coisa) e
o para-si (a consciência).
b)
Antropologia
personalista – A categoria de pessoa é muito
presente em muitas antropologias contemporâneas. O personalismo de inspiração
cristã tem como princípio a afirmação de um Deus pessoal como modelo e fim do
homem. Jacques Maritain (1882-1973) e
Emmanuel Mounier (1905-1950).
c)
Antropologias
materialistas - Essas antropologias consideram os
princípios naturais mais influentes do que os culturais no homem. Ernest Bloch
(1885-1977) é um desses filósofos. Geralmente, são de inspiração marxiana.
Henri Bergson e Teilhard Chardin são representantes espiritualistas que têm os
pressupostos naturais por base de suas antropologias.
Por fim, o homem se
mostra pluriversal. Assim diversos
aspectos do homem podem ser observados de cada vez e de cada situação.
3. Antropologias contemporâneas:
alguns aprofundamentos
3.1.
Nietzsche:
A antropologia do Übermensch
Friedrich
Nietzsche empenha-se numa crítica a moral tradicional, aos valores do homem
construídos pela sociedade ocidental. Essa visão de homem forjada pelo cristianismo
é marcada pelas expressões ‘animal de rebanho’, ‘espírito gregário’, ‘fraco’ e
‘ressentido’.
É
importante notar que em Nietzsche a concepção metafísica de homem é
transformada em orgânica. Em a A Gaia
Ciência, o filósofo de Röcken estabelece uma diferença entre o homem
contemplativo e o homem elevado: “Os homens superiores distinguem-se dos inferiores por verem
e ouvirem incalculavelmente mais e por verem e ouvirem pensando – e justamente
isso distingue o homem do animal e os animais superiores dos inferiores”
No aforismo 301, o pensador contrapõe o homem ativo ao contemplativo dizendo
que nós não nos contentar simples em contemplar a existência porque somos
criadores, tudo que está aí é produto de nossa percepção.
O
homem nietzschiano envolve a força contemplativa e a força ativa. Seu papel na
existência não se restringe a contemplação da obra, mas a ação como doação de
sentido a vida. Além disso, esse homem da ação está além do sentido comum, ele
é dotado de uma potência criadora.
A
antropologia de Nietzsche é uma conclamação ao homem racional para a totalidade
do devir, para o reconhecimento da fatalidade da existência. O projeto nietzscheano do übermensch vai contra toda a pretensão
moral de melhoramento do homem de base socrático-platônica. O além-do-homem no
Assim Falou Zaratustra não é um destino, mas um estado ainda não sentido, um
estado latente do homem (APOLINÁRIO, 2016).[1]
3.2. O peso da existência na
antropologia de Kierkegaard
No
século XIX, teve início um processo de reação as antropologias que tinham uma
visão metafísica e racional do homem.
“A concepção de homem na filosofia
kierkegaardiana nos lança um desafio: ousarmos a ser nós mesmos. Correndo todos
os riscos, mesmo quando este risco é o risco do fracasso.
Pois, não existe eu autêntico sem assumir esta
condição: ser a si próprio, reconhecer-se como dependente do poder que o pôs.
Søren Kierkegaard é um dos mais violentos
opositores de Hegel. Ele critica o hegelianismo por priorizar o universal em
detrimento do singular. O universal é racional, abstrato, eterno e devorador do
indivíduo, é apenas a abstração do singular. Só o singular é o existente.
Partindo deste princípio o filósofo toma para si a missão de valorizar o
singular.
Este para Kierkagaard é o homem.
A existência humana é compreendida na categoria da possibilidade.
Todas as possibilidades são possibilidades de sim e de não. Tudo está sob a
ameaça do nada. Através desta condição o homem se relaciona com o mundo, desta
instabilidade nasce a angústia.
Desta, ele tem como saídas o suicídio ou a fé
(aceitação de sua condição). A existência autêntica passa pelo assumir a sua
condição e a sua identidade.
Em relação a si mesmo o homem experimenta o
desespero. Porque ele pode querer ou não querer ser a si próprio. Assumir a subjetividade
é tarefa difícil. O homem é uma síntese de finito e infinito. Ele deve procurar
um equilíbrio entre esses dois pólos. Corre duplo risco: pelo infinito corre o
risco de se perder no imaginário e pelo finito, no fechamento. Este dilema de
ser ou não, põe o indivíduo na condição de desesperado. Aqui a saída é a
aceitação de sua identidade de dependente e limitado.
A situação humana em kierkegaard é um dilema,
que só pode solucionado pela fé. O filósofo resgata o homem do universalismo
abstrato. Valoriza a sua existência no seu aspecto de finitude, incluindo o
sofrimento, na sua dupla patologia: a angústia e o desespero. A filosofia
kierkegaardiana salva o homem das garras dos sistemas, ao priorizar o indivíduo
como abertura para as possibilidades, dotado de liberdade e caracterizado por
sua individualidade inalienável.” (GAMITO, 2004)[2].
3.3. Heidegger e a existência do homem
Martin
Heidegger define o homem não pela racionalidade, mas pela sua existência. Por isso, a sua compreensão do homem passará
pelo aspecto ontológico. O pensador alemão busca o sentido do ser. Ele é o
único ente que tem consciência do ser.
O
homem é ser-aí (Dasein). É ser
individual com as possibilidades de vir a ser. As coisas são, mas somente o
homem existe. A existência é o ato de projetar, de se utilizar das coisas e não
somente contemplá-las. Quando descobre o que pode se tornar, ele atinge a
autocompreensão.
Não há atributo estável que descreva o
homem. Este homem está sempre em uma dada situação.
Nesta perspectiva, o Ser-aí (ou homem) é "o ente que depende de seu
ser"10 e "a existência é decidida, o sentido da posse ou da ruína,
somente por cada Ser-aí individual"11. O homem enquanto Ser-aí
não é alguém absoluto de forma objetiva, mas ele é o único ente que depende de
seu ser. O ser não pode ser definido enquanto objetividade, o mesmo é mistério
que desvela a existência do homem no mundo e o projeta a partir de suas
decisões. Por isso, o homem torna-se existência consciente e protagonista de
sua história quando se abre a verdade de si mesmo, dada por meio da revelação
do ser. (SANTOS, 2016).[3]
3.4. Sartre, existência e liberdade
Sartre
se insere na corrente existencialista. O existencialismo teve seu início no
século XIX com Soeren Kierkegaard e tem como idéia principal a defesa da
individualidade do homem e da sua responsabilidade de dar sentido à vida mesmo
diante dos obstáculos.
Jean Paul Sartre (1905-1980) sustenta
que o homem faz a si mesmo. Não existe
determinismo sobre a realidade humana, é a liberdade que se determina. A
principal obra de Sartre é o Ser e o Nada.
O “em-si” (en-soi) é o mundo das coisas materiais. Diz respeito a qualquer objeto
que existe no mundo. Ele está além da afirmação e da negação e é pleno de si
mesmo. As condições pertencem à consciência. O homem ao conhecer não acrescenta
nada ao “em-si”.
Já o homem é o “para-si” (pour-soi) porque é um ser que tem
consciência de si e do mundo. Ele estabelece relações funcionais entre os
“em-si” e modifica o mundo. Cada homem só tem como imutável o que já viveu, mas
a partir do presente tudo pode ser mudado.
O
ser “em-si” é o ser dos fenômenos, enquanto o ser “para-si” é o ser da consciência.
O homem é o centro da filosofia porque a existência precede a essência. Apenas
o homem tem existência, os outros seres apenas são. “O homem
nada mais é do que aquilo que ele faz a si mesmo: é esse o primeiro princípio
do existencialismo” (Sartre, 1987, p. 6).
Nada pode ser explicado por uma
natureza humana porque o homem é livre e não existe determinismo. O legislador
do destino humano é o próprio homem. Ele aparece no mundo e num segundo homem é
que ele se define.
O passado do homem é marca do “em-si” e
não pode ser modificado. Porém, o homem não é passado, ele é ser “para-si” e se
faz no presente. Quanto ao futuro, ele
estará sempre em busca de completude.
Um tema caro para Sartre é a liberdade.
Esta é o fundamento do ser. Com ele escolhe o que projeta ser e não fugir da
responsabilidade de escolher, pois a recusa já é um modo de escolha. A
liberdade implica agir com responsabilidade.
A perspectiva ateia de Sartre leva a
outra consequência para a liberdade humana. Não há um Deus que determina a
natureza do homem. “Portanto,
a nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja
a humanidade inteira” (Sartre, 1987, p. 7). A liberdade envolve o meio social,
e este meio pode também limitar essa liberdade.
Nada poderá isentar o homem de sua
responsabilidade. Pela má-fé o homem
mente para si, fugindo de suas responsabilidades. Aquele inventa determinismos
para si age de má-fé.
4. As dimensões do homem
Mondin
(2008) aborda o problema da unidade e da diversidade do homem analisando as
suas dimensões:
a)
Homo somaticus
– O homem possui um corpo.
b)
Homo vivens
– O homem como ser vivo é uma verdade evidente, mas saber a sua origem e sua
natureza.
c)
Homo sapiens –
O homem possui capacidade de conhecer, pensar, reconhecer e rememorar.
d)
Homo volens –
O homem é dotado de vontade, capaz de decisão.
e)
Homo loquens –
Seus pensamentos, suas vontades e decisões podem ser comunicados
f)
Homo socialis –
O homem vive em comunidade, ele transforma o seu meio através da socialização.
g)
Homos culturalis –
Por meio de sua relação com o mundo, o homem produz cultura. É como ele
humaniza o mundo.
h)
Homo faber –
O homem é essencialmente artífice, através da técnica o homem satisfaz suas
necessidades.
i)
Homo ludens –
O homem é jogador.
j)
Homo religiosus –
O homem tem fé.
REFERÊNCIAS
APOLINÁRIO,
José Antônio Feitosa. As andanças do homem superior em Nietzsche. Disponível
em: http://www.cadernosnietzsche.unifesp.br/home/item/165-as-andan%C3%A7as-do-homem-superior-em-nietzsche. Acesso em 17
jun. 2016.
CHOZA, Jacinto.
Manual
de Antropologia Filosofica. Madri: Ediciones Rialp S. A., 1988.
GAMITO, José
Aristides da Silva. A condição humana em Kierkegaard. Disponível em: http://docslide.com.br/documents/a-condicao-humana-em-kierkegaard.html.
Acesso 17 jun. 2016.
MONDI, Gian
Battista. Elementos de Antropologia Filosófica.
SANTOS,
Luciano Gomes dos. O homem na filosofia de Martin Heidegger. Disponível em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/22/artigo87364-1.asp. Acesso em 16
jun. 2016.
VAZ, Henrique
Lima. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Edições Loyola, 1991.
[1]
APOLINÁRIO, José Antônio Feitosa. As andanças do homem superior em Nietzsche.
Disponível em: http://www.cadernosnietzsche.unifesp.br/home/item/165-as-andan%C3%A7as-do-homem-superior-em-nietzsche.
Acesso em 17 jun. 2016.
[2]
GAMITO, José Aristides da Silva. A condição humana em Kierkegaard. Disponível
em: http://docslide.com.br/documents/a-condicao-humana-em-kierkegaard.html.
Acesso 17 jun. 2016.
[3]
SANTOS, Luciano Gomes dos. O homem na filosofia de Martin Heidegger. Disponível
em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/22/artigo87364-1.asp.
Acesso em 16 jun. 2016.
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