IV
- A FORÇA DO CONHECIMENTO NA LINGUAGEM MÍTICA
A árvore do
conhecimento do Gênesis e o mito de Prometeu que rouba o fogo dos deuses
demonstram que a habilidade que brota do conhecimento ajuda pessoas a vencerem
forças descomunais. A astúcia da serpente no Gênesis nos leva a perceber que o
“ouse saber” kantiano traz o conhecimento da realidade, a iluminação.
Na Antiguidade, muitos mitos tratam a
posse do conhecimento como uma ousadia que merece punição. Em Gênesis 3 diz que
a serpente era o mais astuto dos animais. A serpente instiga a mulher a comer
do fruto proibido porque quando isso acontecer, ela conhecerá o bem e o mal. O
texto classifica aquela árvore como árvore “desejável para
dar entendimento” (Gn 3.6). O ato de comer fruto abre os olhos de Adão e Eva,
dá-lhes conhecimento. Deus os castiga pela ousadia, expulsando-os do Éden e
condenando a serpente a rastejar.
Segundo Hesíodo, na Teogonia, Prometeu
enganou Zeus com a carne do sacrifício, roubou o fogo e o devolveu à
humanidade. O castigo que Prometeu recebeu foi ser acorrentado a uma rocha no
monte Cáucaso e ter seu fígado devorado diariamente por uma águia. O pior é que
toda noite seu fígado regenerava para ser novamente devorado. A punição pela
ousadia do conhecimento aparece nos primeiros textos antigos a tratarem do
assunto.
Já no
campo especificamente da filosofia podemos analisar a mesma situação ocorrendo
na Alegoria da Caverna de Platão. Observemos esses elementos em um trecho da
famosa Alegoria da Caverna:
Sócrates: Agora
imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de
acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma
morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a
largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados
pelas pernas e pelo pescoço, de modo
que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não
esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao
longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine
que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os
exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram
as marionetes e apresentam o espetáculo. (Platão, A República, Livro VII).
Platão
escolheu uma alegoria para falar da situação do conhecimento frente ao
conhecimento da realidade. Analisemos o texto. Alguns termos são repetitivos no texto como
imagine, homens, caverna, caminho, fogo, acorrentados. A presença insistente de
certos termos determina o assunto. Logo, sabemos que se trata "homens numa
caverna". O texto inicia com uma palavra-chave "imagine", um
imperativo. Precisamos recorrer ao texto grego, pois para recriar em nossa
imaginação aquilo que o autor sugere. Pergunta fundamental: De que tipo de
caverna fala o autor? O termo utilizado no texto grego é σπήλαιον: Caverna,
cavidade, lugar escondido. Como podemos analisar o texto por categorias? Tempo:
Agora (na imaginação). Agentes: Homens (acorrentados).
Lugar: Caverna. Relação: Acesso à exteriodade ao muro. Resumindo: O autor nos
sugere imaginar homens prisioneiros em uma caverna sem acesso ao espaço
exterior. Problema a ser levantado: Acontecem coisas lá fora e eles não têm
acesso, como podem de saber da totalidade que é a realidade? A tese defendida
notamos na primeira oração: A nossa natureza depende do grau de educação (παιδεία) que
recebemos.
Assim comenta
Marilena Chauí sobre a alegoria da caverna:
O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que
são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos.
Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz
exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias
verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o
filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética.
O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros
zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo a condenação de
Sócrates à morte pela assembléia ateniense) (?) Porque imaginam que o mundo
sensível é o mundo real e o único verdadeiro (CHAUÍ, 2005).
Existe uma inter-relação entre
conhecimento e realidade. A teoria da ideias de Platão é, na verdade, uma
teoria do conhecimento das ideias. A
saída da caverna representa a nossa atitude de questionar as crenças já
adquiridas e que estão enraizadas em nós. Elas nos mostram uma fotografia da
realidade que não é conclusiva. Os primeiros questionamentos gnosiológicos são:
Que justifica nossas crenças e que razões temos para supor que são verdadeiras?
Leitura proposta:
Bíblia
- Gênesis;
Teogonia
de Hesíodo - Mito de Prometeu.
República
de Platão - Alegoria da Caverna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário