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domingo, 28 de fevereiro de 2016

Conhecimento e Linguagem mítica

IV - A FORÇA DO CONHECIMENTO NA LINGUAGEM MÍTICA

         A árvore do conhecimento do Gênesis e o mito de Prometeu que rouba o fogo dos deuses demonstram que a habilidade que brota do conhecimento ajuda pessoas a vencerem forças descomunais. A astúcia da serpente no Gênesis nos leva a perceber que o “ouse saber” kantiano traz o conhecimento da realidade, a iluminação.
         Na Antiguidade, muitos mitos tratam a posse do conhecimento como uma ousadia que merece punição. Em Gênesis 3 diz que a serpente era o mais astuto dos animais. A serpente instiga a mulher a comer do fruto proibido porque quando isso acontecer, ela conhecerá o bem e o mal. O texto classifica aquela árvore como árvore “desejável para dar entendimento” (Gn 3.6). O ato de comer fruto abre os olhos de Adão e Eva, dá-lhes conhecimento. Deus os castiga pela ousadia, expulsando-os do Éden e condenando a serpente a rastejar.
         Segundo Hesíodo, na Teogonia, Prometeu enganou Zeus com a carne do sacrifício, roubou o fogo e o devolveu à humanidade. O castigo que Prometeu recebeu foi ser acorrentado a uma rocha no monte Cáucaso e ter seu fígado devorado diariamente por uma águia. O pior é que toda noite seu fígado regenerava para ser novamente devorado. A punição pela ousadia do conhecimento aparece nos primeiros textos antigos a tratarem do assunto.
         Já no campo especificamente da filosofia podemos analisar a mesma situação ocorrendo na Alegoria da Caverna de Platão. Observemos esses elementos em um trecho da famosa Alegoria da Caverna:
Sócrates: Agora imagine a nossa natureza, segundo o grau de educação que ela recebeu ou não, de acordo com o quadro que vou fazer. Imagine, pois, homens que vivem em uma morada subterrânea em forma de caverna. A entrada se abre para a luz em toda a largura da fachada. Os homens estão no interior desde a infância, acorrentados pelas pernas e pelo pescoço, de modo que não podem mudar de lugar nem voltar a cabeça para ver algo que não esteja diante deles. A luz lhes vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, no alto. Entre os prisioneiros e o fogo, há um caminho que sobe. Imagine que esse caminho é cortado por um pequeno muro, semelhante ao tapume que os exibidores de marionetes dispõem entre eles e o público, acima do qual manobram as marionetes e apresentam o espetáculo. (Platão, A República, Livro VII).

         Platão escolheu uma alegoria para falar da situação do conhecimento frente ao conhecimento da realidade. Analisemos o texto.  Alguns termos são repetitivos no texto como imagine, homens, caverna, caminho, fogo, acorrentados. A presença insistente de certos termos determina o assunto. Logo, sabemos que se trata "homens numa caverna". O texto inicia com uma palavra-chave "imagine", um imperativo. Precisamos recorrer ao texto grego, pois para recriar em nossa imaginação aquilo que o autor sugere. Pergunta fundamental: De que tipo de caverna fala o autor? O termo utilizado no texto grego é  σπήλαιον: Caverna, cavidade, lugar escondido. Como podemos analisar o texto por categorias? Tempo: Agora (na imaginação). Agentes: Homens (acorrentados). Lugar: Caverna. Relação: Acesso à exteriodade ao muro. Resumindo: O autor nos sugere imaginar homens prisioneiros em uma caverna sem acesso ao espaço exterior. Problema a ser levantado: Acontecem coisas lá fora e eles não têm acesso, como podem de saber da totalidade que é a realidade? A tese defendida notamos na primeira oração: A nossa natureza depende do grau de educação (παιδεία) que recebemos.
         Assim comenta Marilena Chauí sobre a alegoria da caverna:

O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo a condenação de Sócrates à morte pela assembléia ateniense) (?) Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro (CHAUÍ, 2005).

         Existe uma inter-relação entre conhecimento e realidade. A teoria da ideias de Platão é, na verdade, uma teoria do conhecimento das ideias.  A saída da caverna representa a nossa atitude de questionar as crenças já adquiridas e que estão enraizadas em nós. Elas nos mostram uma fotografia da realidade que não é conclusiva. Os primeiros questionamentos gnosiológicos são: Que justifica nossas crenças e que razões temos para supor que são verdadeiras?



Leitura proposta:
Bíblia - Gênesis;
Teogonia de Hesíodo - Mito de Prometeu.
República de Platão - Alegoria da Caverna.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001