FILOSOFIA
DA LINGUAGEM: DE AGOSTINHO A TOMÁS
1 - TEORIA DA
LINGUAGEM DE AGOSTINHO
Santo Agostinho (354-430 d.C.),
um dos mais influentes filósofos da Idade Média, desenvolveu uma teoria da
linguagem complexa e multifacetada, explorando a natureza dos signos, a origem
da linguagem e a relação entre pensamento e linguagem. Suas ideias, expressas
em obras como "De Magistro" e "Confissões", continuam a
influenciar a filosofia da linguagem até hoje.
Principais
ideias de Agostinho sobre a linguagem:
a) A linguagem como sistema de signos:
Agostinho
via as palavras como signos, ou seja, entidades que representam outras coisas.
Ele explorou a natureza dos signos e como eles funcionam para comunicar
significado. Para ele, as palavras eram ferramentas para abrir novos conteúdos
de conhecimento, essenciais para a argumentação filosófica e teológica.
b) A origem da linguagem:
Em
"Confissões", Agostinho descreve sua teoria da aquisição da
linguagem, na qual as crianças aprendem a associar palavras a objetos por meio
da observação e repetição. Essa teoria, conhecida como teoria ostensiva da
aprendizagem linguística, foi criticada por Wittgenstein, mas ainda é relevante
para a discussão sobre a aquisição da linguagem.
c) A relação entre pensamento e
linguagem:
Agostinho
argumentava que o pensamento precede a linguagem e que as palavras são usadas
para expressar os pensamentos internos. Ele introduziu o conceito do
"verbo interior", a ideia de que o pensamento é uma forma de
linguagem interna que precede a linguagem externa. O conceito é a palavra
interior ou verbo interno. Na realidade, o que se quer comunicar é o verbo
interior, e por isso usamos os verbos exteriores, orais ou escritos.
d) A finalidade da linguagem:
Seguindo
os estoicos, para Agostinho a linguagem tem como finalidade ensinar ou
recordar. De fato, para ele, ensinar e recordar se identificam, de acordo com a
teoria do conhecimento como recordação (anámnese) que toma dos neoplatônicos.
e) A natureza do significado:
Agostinho
explorou a natureza do significado, distinguindo entre o significado das
palavras e a referência dos objetos que elas representam. Ele também reconheceu
a distinção entre uso e menção, ou seja, entre usar uma palavra para se referir
a um objeto e usar uma palavra para se referir a si mesma.
f) A linguagem como ferramenta para
o conhecimento:
Agostinho
via a linguagem como um meio de entender e interpretar a realidade, mas não
como a fonte do conhecimento em si. Ele argumentava que o conhecimento
verdadeiro vem da iluminação divina, do "mestre interior" que habita
em cada pessoa.
Em resumo, Agostinho desenvolveu
uma teoria da linguagem sofisticada e influente, que explorou a natureza dos
signos, a origem da linguagem, a relação entre pensamento e linguagem, e a
natureza do significado.
2 - A LINGUAGEM
DURANTE A IDADE MÉDIA
Durante a Idade Média, a filosofia da
linguagem passou por um desenvolvimento significativo, com filósofos explorando
as complexidades da linguagem e sua relação com o pensamento e a realidade. Selecionamos
as principais ideias sobre a linguagem deste período:
a) A relação entre linguagem e pensamento: Filósofos como São
Tomás de Aquino enfatizaram a conexão intrínseca entre linguagem e pensamento.
Eles argumentaram que as palavras são sinais de conceitos mentais e que esses
conceitos, por sua vez, refletem a realidade. A ideia do “verbo mental” ou conceito como intermediário entre o
signo linguístico externo e o objeto significado foi uma contribuição de Santo
Tomás de Aquino, tomando ideias de Aristóteles e Santo Agostinho.
b) A teoria da suposição: A teoria da
suposição, que examina como os termos se referem a coisas em diferentes
contextos, foi um tema central na lógica medieval. Filósofos como William de Sherwood e Pedro Hispano desenvolveram
classificações elaboradas de suposição, distinguindo entre diferentes tipos de
referência.
c)
As formas de
significação:
A teoria dos modos de significação, que explora como as palavras adquirem
significado por meio de suas relações com outras palavras em uma frase, também
foi uma área de interesse. São Tomás de Aquino reuniu a tradição dos "modi
significandi" ou "modistae" com os estudos das
"proprietates terminorum". Os “modi significandi” correspondem aos
modos de compreender e estes aos modos de ser.
d)
A distinção entre
significância e suposição: Os filósofos medievais distinguiam cuidadosamente
entre o significado de um termo (seu significado geral) e sua suposição (sua
referência em um contexto específico). São Vicente Ferrer, por exemplo,
antecipou conceitos da filosofia analítica moderna ao separar claramente esses
dois aspectos do significado.
e)
Lógica terminista: A lógica
terminista, que se concentrava na análise de termos individuais e suas
propriedades semânticas, foi uma inovação importante desse período. Filósofos
como William de Ockham e John Buridan contribuíram para o desenvolvimento deste
ramo da lógica.
Em suma, os filósofos do início da Idade
Média fizeram contribuições importantes para a filosofia da linguagem,
explorando a relação entre linguagem, pensamento e realidade e desenvolvendo
teorias sofisticadas de significado e referência.
3 - FILOSOFIA DA
LINGUAGEM E A LÓGICA TERMINISTA
O estudo da linguagem na filosofia
desenvolvida na Idade Média, em grande parte, se resume a uma lógica
terminista. Ela se concentra no estudo e na análise dos "termos" ou
palavras dentro das proposições. Diferentemente da lógica aristotélica
tradicional, que se concentrava na estrutura geral dos silogismos, a lógica
terminista investiga as propriedades semânticas de termos individuais e sua
função dentro de frases.
Seguem alguns temas da lógica terminista:
Ø Propriedades dos termos: Os lógicos
terministas estavam interessados nas várias propriedades dos termos, como sua
significação (o que a palavra significa em si mesma) e sua suposição (como a
palavra se refere às coisas dentro de uma proposição). Eles também analisaram a
cópula (a função dos adjetivos e verbos) e o apelo (a referência de um termo a
algo existente).
Ø Suposição: A
teoria da suposição era central para a lógica terminista. Diferentes tipos de
suposição foram explorados, como suposição material (quando um termo se refere
a si mesmo), suposição simples (quando se refere a um conceito) e suposição
pessoal (quando se refere a indivíduos). Foram analisadas as complexidades de
como os termos mudam de significado e referência dependendo do contexto da
proposição.
Ø Análise da linguagem: A
lógica terminista envolvia uma análise detalhada da linguagem, prestando
atenção às sutilezas da gramática e da semântica. Ela procurou esclarecer as
ambiguidades e paradoxos que surgem do uso da linguagem natural.
Ø Nominalismo: Muitos
lógicos terministas se inclinaram para o nominalismo, a ideia de que universais
(conceitos gerais) são simplesmente nomes ou conceitos mentais, em vez de
entidades reais. Essa abordagem influenciou sua análise de suposição e sua
compreensão de como os termos se referem às coisas.
Ø Inovações:
A lógica terminista medieval trouxe inovações ao campo da semântica e abriu
caminho para desenvolvimentos posteriores na lógica e na filosofia da
linguagem.
Os
filósofos medievais contribuíram significativamente para o desenvolvimento da
lógica terminista, especialmente durante o final da Idade Média. São:
Ø Guilherme de Ockham (1295-1349): Ele
é considerado um dos principais expoentes do nominalismo e teve grande
influência na lógica terminista. Ele fez uma análise profunda dos termos e suas
propriedades, especialmente a suposição. Seu foco na linguagem e na lógica
influenciou o desenvolvimento posterior da filosofia da linguagem.
Ø Walter Burley (1274/1275-pós 1345): Ele
também fez contribuições importantes para a lógica terminista, especialmente no
estudo da suposição. Sua obra foi caracterizada pelo rigor formal e pela defesa
da lógica tradicional contra inovações nominalistas.
Ø John Buridan (c. 1358 ou 1366): Ele
foi outro importante lógico terminista que trabalhou na tradição nominalista de
Ockham. Ele fez uma análise detalhada da suposição e outras propriedades dos
termos. Suas obras tiveram grande influência na lógica posterior.
Ø Pedro Hispano (1205-1277): Seu
"Tractatus" ou "Summule logicales" foram de grande
importância para o desenvolvimento da lógica terminista. Em suas obras, ele
discute as propriedades dos termos significação, suposição e cópula.
Ø Guilherme de Sherwood (1200/1210-1267):
Ele é visto como o grande sistematizador de muitos elementos dispersos. Em suas
obras, as propriedades dos termos significado, suposição, cópula e apelo são
bem detalhadas.
4
- LINGUAGEM E SIGNIFICAÇÃO EM TOMÁS DE AQUINO
Tomás de Aquino (1225-1274), um
dos maiores filósofos da Idade Média, desenvolveu uma teoria da linguagem que
buscava integrar as tradições filosóficas gregas e medievais. Sua abordagem,
profundamente influenciada por Aristóteles e Agostinho, explorou a relação
entre linguagem, pensamento e realidade.
Principais
ideias de Tomás de Aquino sobre a linguagem:
a) O conceito como mediador:
v Tomás de Aquino via o conceito,
ou "verbo mental", como um intermediário entre a palavra e a coisa.
Essa ideia, inspirada em Aristóteles e Agostinho, enfatiza o papel do
pensamento na significação.
v A palavra é um signo do conceito,
que por sua vez é um signo da coisa. Assim, a palavra nos leva a compreender o
conceito, que nos conduz ao objeto.
b) Significatio, suppositio e modi
significandi:
v Tomás de Aquino integrou as
teorias dos "modi significandi" (modos de significar) e das
"proprietates terminorum" (propriedades dos termos).
v Os "modi significandi"
exploram como as palavras adquirem significado em relação a outras palavras na
oração.
v As "proprietates
terminorum" analisam as propriedades semânticas dos termos, como a
significação (o conteúdo da palavra) e a suposição (a referência da palavra no
contexto).
v Tomás de Aquino também explora a
copulação, que é a capacidade dos adjetivos de serem predicados.
c) A semântica da proposição:
v Tomás de Aquino aprofundou a
análise da semântica da proposição, explorando a relação entre sujeito (S) e
predicado (P).
v Ele combinou as relações de
inerência e identidade, argumentando que S e P se relacionam como matéria e
forma, indicando tanto identidade material quanto distinção formal.
v Tomás de Aquino rejeita a teoria
da identidade nominalista, e se aproxima de conceitos que serão propostos por
Frege e Russel.
d) A importância da linguagem:
v Para Tomás de Aquino, a linguagem
humana é um sistema de signos sensíveis pelos quais o homem transmite mensagens
de caráter espiritual.
v A linguagem tem a missão de
conduzir o ser humano para além do meramente transitório.
Tomás de Aquino desenvolveu uma
teoria da linguagem que buscava integrar as tradições filosóficas gregas e
medievais. Sua abordagem, que enfatizava o papel do pensamento na significação
e explorava as complexidades da semântica proposicional, teve um impacto
duradouro na filosofia da linguagem.
ANEXO
TABELA SOBRE LINGUAGEM NA IDADE MÉDIA
Nº
|
AUTOR
|
IDEIAS SOBRE LINGUAGEM
|
01
|
Porfírio de Tiro
|
Questionou se gêneros e espécies são
realidades subsistentes ou conceitos mentais.
Levantou o problema da relação entre
nomes e coisas.
|
02
|
Severino Boécio
|
Defendeu que universais são entes
reais e incorpóreos.
Argumentou que universais são
essências imanentes aos objetos concretos.
Considerou universais como ideias de
Deus, com influência platônica.
|
03
|
Pedro Abelardo
|
Adotou o nominalismo, vendo
universais como nomes e noções, não coisas reais.
Argumentou que termos gerais são
predicados lógicos, não substâncias.
Desenvolveu o conceitualismo, vendo
universais como conteúdo do pensamento com significados lógicos.
|
04
|
Guilherme de Ockham
|
Defendeu o nominalismo extremo, vendo
universais como criações mentais sem existência real. Desenvolveu o
conceitualismo, considerando universais como entidades mentais.
Criou a teoria da suposição
(material, pessoal, simples) para explicar como termos substituem objetos em
proposições.
|