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quarta-feira, 2 de julho de 2025

TEORIA DA MENTE EPICURISTA

 TEORIA DA MENTE EPICURISTA SEGUNDO NIKOLAI A. GUTIERREZ

 

A Teoria da Mente Epicurista é um tópico central na filosofia de Epicuro, gerando debates significativos sobre se ele era um reducionista ou um não-reducionista em relação à mente. A avaliação correta dessa posição tem amplas implicações para a plausibilidade do Epicurismo como uma explicação da mente.

Os especialistas se dividem em suas interpretações:

Ø  Julia Annas argumenta que Epicuro era um não-reducionista.

Ø  Tim O’Keefe argumenta que Epicuro era um reducionista.

A discussão sobre o reducionismo de Epicuro está profundamente ligada ao debate entre reducionismo e não-reducionismo na filosofia da mente contemporânea. O autor do texto argumenta que há evidências de que os epicuristas eram não-reducionistas, e que eles mantinham uma forma primitiva do que se pode chamar de visão "emergentista" das propriedades mentais.

Duas Perspectivas Sobre o Reducionismo Epicurista

1. A Não-Redução de Annas Julia Annas, em sua obra Hellenistic Philosophy of Mind, defende que Epicuro era um não-reducionista. Seu argumento é primariamente negativo: ela argumenta que Epicuro não poderia ter sido um reducionista, baseando-se em uma passagem da obra de Epicuro Sobre a Natureza 25. Annas descreve o pensamento epicurista como fisicalista, significando que tudo o que existe é físico e pode ser explicado pelas leis da física. Isso se contrasta com o dualismo, que postula duas categorias radicalmente diferentes de coisas no universo: físicas e psicológicas. Os epicuristas eram fisicalistas, pois acreditavam que todos os fenômenos resultam do movimento de átomos através do vazio.

Annas define os termos chave da seguinte forma:

v  Fisicalismo: A ideia de que tudo o que existe é físico, ou seja, se enquadra nas leis da física e pode ser descrito e explicado usando apenas conceitos e métodos da física.

v  Reducionismo: A tese de que itens de um tipo podem ser 'reduzidos' a itens de outro tipo, por exemplo, a mente pode ser reduzida ao corpo. Pode ser caracterizado pela máxima "existem X, mas eles podem ser reduzidos a Y".

v  Eliminativismo: Um tipo particular de reducionismo que sugere que nossa linguagem "pré-filosófica" sobre certos fenômenos "não corresponde a nada real". É caracterizado pela máxima "na verdade não existem X, apenas Y".

Para Annas, Epicuro é um não-reducionista porque ele nega que as propriedades mentais possam ser facilmente reduzidas a propriedades atômicas. Ela baseia essa conclusão em Sobre a Natureza 25, onde Epicuro argumenta contra um proponente do atomismo democriteano que afirmava que tudo acontece por necessidade. Epicuro considerava essa posição inconsistente e autorrefutável.

No entanto, O'Keefe critica Annas por confundir reducionismo com eliminativismo. Para Annas, o reducionista quer tratar os fatos sobre a agência humana como "mera aparência" dos fatos sobre os átomos, sugerindo que não são reais. O'Keefe argumenta que o reducionista pode aceitar que a mente é real; é o eliminativista quem "explica" os fenômenos mentais para que deixem de existir.

Annas explica que a alma (psique) epicurista é composta por quatro tipos de átomos: semelhantes ao fogo, ao ar, ao sopro (pneuma) e um tipo inominável. Ela enfatiza que esses átomos são semelhantes aos elementos, não idênticos, e que o elemento inominável é crucial para a sensação, pensamento e emoção, sendo a única entidade puramente teórica no Epicurismo. A relação entre a alma e o corpo é de interdependência, onde "alma e corpo epicuristas precisam um do outro para existir e funcionar como alma e corpo".

2. O Reducionismo de O'Keefe Tim O'Keefe, por outro lado, defende que Epicuro era um reducionista em relação à mente. Ele interpreta Sobre a Natureza 25 como uma evidência que apoia sua própria visão.

O'Keefe define o reducionismo epicurista da seguinte forma: "corpos macroscópicos não são 'irredutivelmente diferentes' em tipo dos átomos, nem possuem poder causal além dos átomos. Em vez disso, são apenas agregados de átomos, de modo que quaisquer propriedades que possuam, incluindo poderes causais, podem ser explicadas referindo-se aos átomos que os constituem, juntamente com suas relações espaciais, movimento, etc.". Para ele, os processos mentais são identificados com processos atômicos.

O'Keefe aponta três implicações de sua visão de reducionismo:

 

v  A mente é real: Afirmar que a mente é real não impede o reducionismo. A mente é identificada com um grupo de átomos, e se os átomos são reais, a mente também é.

v  Agregados podem ter propriedades que as partes não têm: A alma possui capacidades (perceber, deliberar, sentir emoções) que os átomos individuais não possuem, mas isso não significa que Epicuro não seja um reducionista. Um reducionista pode explicar essas propriedades de "nível superior" (como chorar) em termos das propriedades e arranjos dos agregados atômicos.

v  Elementos estruturais são utilizados nas explicações: Epicuro e Lucrécio utilizam as propriedades estruturais dos corpos (tipos de átomos, relações espaciais, emaranhados) para explicar seu comportamento. Isso é consistente com o reducionismo, que pode considerar a organização das partes.

O'Keefe argumenta que Lucrécio frequentemente explica as capacidades mentais "de baixo para cima" (bottom-up), apelando para as propriedades e relações espaciais dos átomos que compõem a mente. Ele cita passagens onde os temperamentos são explicados pelos tipos de átomos predominantes na alma dos animais e das pessoas.

Em relação a Sobre a Natureza 25, O'Keefe interpreta que Epicuro está argumentando que os humanos podem modificar seus temperamentos naturais através da razão, que ele explica como um processo onde as disposições congênitas são reformadas. Ele enfatiza que isso não é devido a um "eu radicalmente emergente agindo sobre os átomos de maneira misteriosa, mas, diz Lucrécio, simplesmente a razão". A razão permite aos humanos receber e responder a informações do ambiente de maneiras que os animais não conseguem, e as crenças também desempenham um papel, permitindo que a responsabilidade (louvor/culpa) seja atribuída.

Implicações do Reducionismo e a Proposta do Emergentismo Epicurista

O autor do texto argumenta que a distinção de O'Keefe entre reducionismo e eliminativismo, embora importante, não resolve o dilema fundamental para os epicuristas. A principal preocupação dos epicuristas e de seus críticos é a eficácia causal das propriedades mentais e sua autonomia.

A intuição subjacente é que explicar a mente em termos de átomos, ou identificar a mente com propriedades atômicas, parece minar a ideia de que a mente tem poder causal próprio. Se o reducionismo deixa todo o "trabalho pesado" causal para eventos físicos, não fica claro como os estados mentais desempenham um papel na "cadeia causal".

O reducionismo, mesmo que evite o eliminativismo, ainda parece classificar os fenômenos mentais como "de necessidade" ou "por acaso", categorias que Epicuro queria evitar. Epicuro buscava uma terceira categoria: fenômenos que acontecem "por nossa própria agência" (em grego, "par' hemas", "que dependem de nós"). Mesmo a superveniência sincrônica (onde uma mudança nos estados mentais é acompanhada por uma mudança nos estados físicos, mas não necessariamente uma relação causal), embora evite o determinismo causal direto, ainda não mostra como os estados mentais são "nossos" ou têm poderes causais novos.

Para superar essa dificuldade, o autor propõe uma interpretação emergentista da mente epicurista.

O Emergentismo na Teoria da Mente Epicurista O emergentismo, na filosofia da mente contemporânea, sugere que sistemas complexos exibem propriedades genuinamente novas que são irredutíveis e não podem ser totalmente previstas ou explicadas apenas pelas propriedades de suas partes constituintes. No entanto, o autor tenta argumentar que o Epicurismo pode ser emergentista e ainda assim fundamentalmente fisicalista.

Os dois componentes essenciais do emergentismo são:

1. Superveniência: Os estados mentais covariam de forma confiável com os estados físicos. Isso estabelece uma ligação confiável entre o físico e o mental, mas não explica por que essa dependência existe, e por si só não é suficiente para o fisicalismo.

2. Causalidade Descendente (Downward Causation): As propriedades de nível superior (mentais) têm uma influência causal sobre o fluxo de eventos em um nível inferior (físico), os mesmos níveis dos quais elas emergem. É essa causalidade descendente que permite categorizar o comportamento humano e os estados mentais como "que dependem de nós".

Como o Epicurismo pode ser Emergentista:

v  Composição da Psique: Lucrécio descreve a psique como composta por quatro tipos de átomos: calor, sopro, ar e um elemento inominável. Esses átomos são finos, minúsculos e redondos, e a psique tem uma forma gasosa e dinâmica. O elemento inominável é crucial, pois "imparte o ímpeto do movimento de onde a sensação começa". Isso é consistente com o fisicalismo.

v  A Psique como "Motor" da Sensação: A Carta a Heródoto descreve uma interdependência entre mente e corpo, mas enfatiza que a alma é "mais responsável pela percepção sensorial". O corpo atua como um "recipiente" ou "vaso" para a psique, impedindo que ela se dissipe.

v  A Geração de "Poder" e Fenômenos Mentais: Epicuro afirma que a psique, através de seu movimento, "imediatamente produziu para si mesma uma propriedade de percepção sensorial e então a deu (por causa de sua proximidade e relacionamento harmonioso) também ao corpo". O autor interpreta isso como um processo de três etapas:

1. Os quatro tipos de átomos da psique exibem um tipo particular de movimento.

2. Esses movimentos dão origem a um tipo de "poder" ou capacidade da psique (uma faculdade mental geral).

3. Este "poder" então produz fenômenos mentais individuais, como percepção sensorial, pensamento, emoção e memória.

v  Não-Redutibilidade e Causalidade Descendente: Essa estrutura em três etapas sugere que os fenômenos mentais individuais são propriedades não-redutíveis, pois não podem ser previstos ou são idênticos a qualquer uma das subestruturas físicas da psique. Não há uma correspondência um-para-um entre fenômenos mentais individuais e fenômenos atômicos individuais, o que os torna não-redutíveis. No entanto, são considerados físicos porque a faculdade mental geral (o "poder") emerge de uma subestrutura física subjacente.

v  A Razão como Propriedade Emergente: Lucrécio explica que, embora os temperamentos iniciais em humanos sejam determinados atomicamente (como em animais), a razão pode "apagar" ou "superar" essas "naturezas inatas". A razão é interpretada como um desses estados mentais não-redutíveis produzidos pelo "poder" da psique, que exerce influência causal descendente sobre as disposições atômicas, distinguindo os humanos dos animais e permitindo o louvor e a culpa.

A Ameaça do Determinismo Permanece

Apesar de a interpretação emergentista oferecer uma solução promissora para o dilema epicurista, ela enfrenta sérias questões conceituais inerentes ao próprio emergentismo na filosofia da mente contemporânea.

Os principais desafios incluem:

v  Tensão entre Superveniência e Imprevisibilidade: Se as propriedades emergentes são imprevisíveis a partir de suas partes constituintes, como a superveniência (que implica uma covariância confiável e, portanto, certa previsibilidade) pode ser reconciliada com a irredutibilidade do emergentismo?.

v  Incoerência da Causalidade Descendente: A ideia de causalidade descendente (onde uma propriedade emerge de um nível inferior e, ao mesmo tempo, influencia esse mesmo nível inferior) é vista como paradoxal e com um "ar de autocausalidade". Como um "poder" mental pode exercer influência causal sobre os átomos constituintes da psique se esses mesmos átomos ainda estão dando origem a esse "poder"?.

v  Variedade vs. Faculdade Mental Geral: Há ambiguidade sobre como a grande variedade de eventos mentais individuais pode surgir sem uma mudança significativa na faculdade mental geral ou como essa faculdade mental pode mudar sem uma mudança significativa nos átomos que a constituem.

v  O Problema do Acaso/Aleatoriedade: Se os eventos mentais individuais podem variar amplamente sem necessidade de mudança na faculdade mental geral, há o risco de classificá-los como caóticos e, talvez, aleatórios, o que os epicuristas queriam evitar. A "guinada" (swerve) dos átomos, que Diógenes de Enoanda e Lucrécio mencionam como o que "quebra as leis do destino" e evita a "causa seguindo a causa inexoravelmente para sempre", introduz um elemento de imprevisibilidade. No entanto, os epicuristas não queriam que os eventos mentais fossem meramente acidentais ou por "chance".

Em suma, embora a interpretação emergentista seja a melhor abordagem para o problema do determinismo na mente epicurista, as questões conceituais subjacentes ao emergentismo geral permanecem sem solução satisfatória. A plausibilidade da teoria epicurista, sob essa luz emergentista, depende, portanto, dos desenvolvimentos futuros na filosofia da mente e na neurociência.

 

Resumo de:

 

GUTIERREZ, Nikolai A. Epicurean Theory of Mind. Master’s Thesis. San Diego State University, Fall 2015.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001