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sexta-feira, 17 de maio de 2019

Epistemologia da Religião


AS CRENÇAS RELIGIOSAS E O CONHECIMENTO RELIGIOSO

José Aristides da Silva Gamito
1.    Introdução


Há uma linha de debate na epistemologia que foca nas crenças e no conhecimento religioso. Introduziremos dois nomes nesta breve incursão no problema: Alvin Plantinga (posição calvinista) e Linda Zagzebski (posição católica).
            O debate é recente. Ele começa na década de 80, depois de um período de desconfiança das crenças religiosas por influência do iluminismo.
Em 1983, Alvin Plantinga e Nicholas Wolterstorff publicaram o livro Faith and Rationality, iniciando assim a fase da Epistemologia Reformada. Este movimento parte do pressuposto de que a crença em Deus não necessita de outras crenças e nem de evidências para ser racional. Zagzebski opera como crítica da Epistemologia Reformada.

2.    As influências da tese do sensus divinitatis de Alvin Plantinga
2.1.   Sensus divinitatis em Tomás de Aquino

No livro IV da Suma contra os Gentios, Tomás de Aquino trata do conhecimento natural de Deus:

O intelecto humano, que das coisas sensíveis recebe o conhecimento que lhe é conatural, para intuir em si mesmo a essência divina, que transcende infinitamente todas as coisas sensíveis, e até todos os entes, por si mesmo não é capaz de atingir a essência divina.[1]

Ao defender o conhecimento natural de Deus, Tomás argumento que existe uma ordem de perfeição na natureza cujo topo é Deus, na expressão de Tomás, o “sumo vértice das coisas”. Portanto, o homem partindo das coisas inferiores ascende até o divino. O conhecimento natural de Deus se dá por intuição intelectiva.
Tomás apresente um tríplice grau de conhecimento de Deus. Primeiramente, o homem conhece pela razão natural, depois, conhece pela revelação divina as coisas que excedem a capacidade do intelecto, e por último, após a morte, conhece por intuição pura.

Há, pois, três conhecimentos do homem referentes às coisas divinas: o primeiro, enquanto o homem mediante a luz natural da razão e pelas criaturas sobe até o conhecimento de Deus; o segundo enquanto a verdade divina que excede o intelecto humano, desce até nós pela revelação, não para ser vista como demonstração, mas para ser crida como pronunciada por palavras; terceiro, enquanto a mente humana é elevada à perfeita intuição das coisas reveladas.[2]

2.2. Sensus divinitatis em João Calvino

No capítulo III da obra “Institutas da Religião Cristã”, Calvino formula a noção de sensus divinitatis:

Que existe na mente humana, e na verdade por disposição natural, certo senso da divindade, consideramos como além de qualquer dúvida. Ora, para que ninguém se refugiasse no pretexto de ignorância, Deus mesmo infundiu em todos certa noção de sua divina realidade, da qual, renovando constantemente a lembrança, de quando em  quando  instila  novas  gotas,  de  sorte  que,  como  todos  à  uma  reconhecem  que Deus existe e é seu Criador, são por seu próprio testemunho condenados, já que não só não lhe rendem o culto devido, mas ainda não consagram a vida a sua vontade.[3]

Segundo Calvino, existe uma disposição natural na mente humana de um senso de divindade.  Esta lembrança vai sendo reavivada constantemente. A prova apresentada desta tese é a de que mesmo povos mais simples podem ter uma noção de religiosidade. Esta onipresença da religião em todas as culturas serve de argumento para o autor protestante sustentar a disposição natural para o conhecimento religioso. O recurso à adoração de ídolos é uma forma encontrada por vários povos para satisfazer sua necessidade de uma divindade.
Àqueles que afirmaram na época de Calvino que a religião era invenção humana, o autor respondia que mesmo que os povos tenham inventado muitas formas de religião, mas todas as elas foram motivadas pelo sensus divinitatis. Calvino não deixa lugar para a possibilidade do ateísmo:

Isto, sem dúvida, será sempre evidente aos que julgam com acerto, ou, seja, que está gravado na mente humana um senso da divindade que jamais se pode apagar. Mais: esta convicção de que há algum Deus não só é a todos ingênita por natureza, mas ainda que lhes está encravada no íntimo, como que na própria medula, que a contumácia  dos  ímpios  é  testemunha  qualificada,  a  saber,  lutando  furiosamente,contudo não conseguem desvencilhar-se do medo de Deus.[4]

João Calvino recebe influência da explicação de Tomás e desenvolve sua tese. Esta dupla influência recairá sobre o epistemólogo contemporâneo Alvin Plantinga que formulou o Modelo Aquino-Calvino, base da Epistemologia Reformada que surgiu nos anos 80.

3.    Posição de Alvin Plantinga

Segundo Plantinga, as crenças religiosas são propriamente básicas mesmo que não sejam inferidas de outras crenças que lhes servem como evidências.
            Ele segue a posição de Calvino que sustentava que existe um senso de divindade na mente humana que nos torna imediatamente consciente de Deus. Seu modelo é chamado de Aquino-Calvino, pela recepção dessas posições.
No modelo de Calvino e Plantinga, as crenças religiosas são mais como crenças perceptivas baseadas na experiência sensorial do que como teoremas geométricos inferidos de axiomas mais básicos.
            O conhecimento sobre Deus seria em função do sensus divinitatis. Este sensus seria uma faculdade cognitiva que garante a consciência religiosa mesmo sem os argumentos.
“Plantinga define o sensus divinitatis como uma faculdade cognitiva humana, natural, inata, voltada para a produção de crenças sobre Deus.”
            O indivíduo não tem controle e nem consciência da atividade esta faculdade. Ela atua sob certas condições de produção de crenças religiosas.
            As condições apresentadas por Plantinga são:
a)      Contemplação dos espetáculos da natureza;
b)      A sensação de culpa moral;
c)      A necessidade de proteção.
O modelo de Plantinga pressupõe que as circunstâncias funcionam como entradas na mente que se convertem em saídas como crenças religiosas.
            Hans Van Eyghen e os naturalistas não admitem a existência de uma faculdade específica para a produção de crenças religiosas porque não pode ser demonstrado fisiologicamente (VAN EYGHEN, 2016).

4.    Posição de Linda Zagzebski

Zagzebski parte sua epistemologia religiosa da tradição católica. As crenças exercem um papel central na religião. São essas crenças também que nos permitem diferenciar uma religião da outra. De modo geral, elas buscam responder aos problemas fundamentais da humanidade. Religião é um tipo de prática no qual as crenças vêm primeiro, depois segue a prática, incluindo as emoções, atos e ritos que derivam sua justificação da justificação independente das crenças religiosas.
William Alston considera que a experiência religiosa pode justificar as crenças religiosas para aquelas pessoas que possuem aquelas experiências ao modo de justificação a partir da experiência sensorial. É uma postura que atrai os empiristas. Porém, a religião é uma prática coletiva e o conhecimento vinculado em determinada religião é adquirida na comunidade religiosa a partir de um ensinamento autorizado.
Não se pode afirmar de todo que o conhecimento religioso parte unicamente de uma experiência pessoal. O ponto de partida é a confiança. A confiança em nós mesmos nos conduza a confiar no que outros também nos dizem. A autoconfiança ampara a confiança na autoridade e na sabedoria de alguns indivíduos. Existe um desejo natural de verdade e há uma crença natural que o desejo natural pela verdade pode ser satisfeito.
Como não confiamos em tudo que nós pensamos, buscamos avaliar outras pessoas que parecem mais confiáveis. A emoção da admiração é uma das emoções que nos leva a confiar nas crenças alheias. A admiração nos leva a aderir às crenças alheias. A sabedoria, porém, está mais depositada na comunidade do que nos indivíduos.  A confiança em pessoas sábias e na sabedoria da comunidade é a base da autoridade epistêmica. A confiança na autoridade nos leva ao conhecimento.
O testemunho da autoridade é um meio de conhecimento. O conhecimento religioso é um tipo que pode ser adquirido através da imitação daqueles cuja sabedoria nós admiramos. A imitação de hábitos religiosos de pessoas sábias pode ser passada de geração em geração e constituir uma verdade importante para as pessoas.
A crença religiosa pode ter uma base racional. Racionalidade, conforme Zagzebski, é a capacidade de falar para as outras pessoas e fazer-se entender não importa quais sejam estas pessoas. A posição de Platinga não é suficiente porque se sustenta exclusivamente na intuição do indivíduo. Zabgzebski considera que o conhecimento religioso depende em grande parte da confiança em autoridades e protótipos (exemplars) de sabedoria, mas é um conhecimento como os demais.


Referências

AQUINO, Tomás. Suma contra os Gentios. Volume II, p. 690-691.

CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. Volume I. Edição Clássica, p. 53-55.

PINHEIRO, Maurício Mota Saboya. Experiência Religiosa e Garantia da Crença na Existência de Deus em Alvin Plantinga. Numen: revista de estudos e pesquisa da religião, Juiz de Fora, v. 9, n. 1, p. 93-110.

VAN EYGHEN, Hans. There is no Sensus Divinitatis. Journal for the Study of Religions and Ideologies, vol. 15, issue 45 (2016): 24-40.




[1] AQUINO, Tomás. Suma contra os Gentios. Volume II, p. 690.
[2] AQUINO, Tomás. Suma contra os Gentios, p. 691.
[3] CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. Volume I. Edição Clássica, p. 53.
[4] CALVINO, p. 55.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001