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segunda-feira, 20 de maio de 2019

Epistemologia da Religião II


AS CRENÇAS RELIGIOSAS SÃO BÁSICAS OU DESENVOLVIDAS COMO SUB-PRODUTOS? UMA CRÍTICA AO SENSUS DIVINITATIS DE ALVIN PLANTINGA

José Aristides da Silva Gamito

1.    A crítica de Alston e Van Eyghen à tese do sensus divinitatis

Como resposta à questão de como se formam as crenças religiosas, Alvin Plantinga propõe o conceito de sensus divinitatis. A discussão a respeito do conhecimento religioso pretende verificar a racionalidade das crenças religiosas. Plantinga propõe a tese do sensus divinitatis para salvaguardar a racionalidade da fé.
O sensus divinitatis é “um senso inato e natural de Deus ou de divinidade, que é a origem e a fonte das religiões no mundo”. Isso quer dizer que naturalmente, independente de uma revelação sobrenatural, as pessoas tendem a formar crenças religiosas. A mente humana teria um mecanismo de intuição da existência de Deus.[1] As fontes primárias de Plantinga são Tomás de Aquino e João Calvino.
Este sensus divinitatis depende de algumas circunstâncias para ser despertado. A beleza e a engenhosidade da natureza podem despertar este senso de uma divindade. Em Plantinga, ecoa o argumento cosmológico de Tomás de Aquino, segundo o qual a ordem e a perfeição da natureza remetem a mente humana à existência do divino.[2]
Segundo Van Eyghen, Plantinga tem sempre uma condição “se Deus existe”, então, ele criou a humanidade para reconhecê-lo. A crítica de Van Eyghen é que o conceito de Plantinga cabe exclusivamente na concepção teísta. Além do mais, ele está bem no cristianismo especificamente. Trata-se de uma epistemologia da religião cristianocêntrica. Isto é notável quando ele considera que a leitura das Escrituras e a escuta do testemunho de alguém são eventos que despertam o sensus divinitatis.[3]
William Alston defende que Deus não depende de um mecanismo cognitivo para ser conhecido. Segundo este, as crenças religiosas são formadas por prática doxástica confiável (reliable doxastic practice). A fonte do conhecimento religioso é a percepção provocada pela experiência. A percepção mística dependeria de uma experiência para se ter consciência do divino.[4]
Portanto, a percepção das coisas não depende da formulação de um conceito. Não seria necessário um mecanismo especial para a produção de crenças religiosas e nem circunstâncias específicas como a leitura de um livro sagrado ou o testemunho de um crente. A diferença principal entre Alvin Plantinga e William Alston é que o primeiro vê o problema religioso através de uma perspectiva interna, já o segundo foca no exterior.
Plantinga incluiu, explicitamente, um sentimento de presença divina entre as crenças que podem ser produzidas pelo sensus divinitatis.Plantinga considera que há circunstâncias favoráveis à formação de crenças teístas, mas nem todos se deparam com estas circunstâncias.
Para Alston, as percepções de Deus trazem uma ligação de causa entre a crença e o que é percebido. Porém, para Van Eyghen, as percepções imediatas de Deus são impossíveis. A percepção divina defendida por Alston é indireta e mediada pela natureza. Como nem todas as pessoas têm essas experiências, as crenças religiosas podem ser formadas também ouvindo o testemunho de quem já teve. Assim como percebemos os estados mentais das outras pessoas a partir de suas ações, a percepção de Deus pode ser entendida de modo semelhante.[5]

2.    A contribuição das ciências cognitivas da religião

Na direção contrária ao sensus divinitatis de Alvin Plantinga estão também as ciências cognitivas da religião (CCR). Segundo este campo de estudo, não há um mecanismo cerebral específico para a formação de crenças religiosas. O que ocorre é a superativação de mecanismos ordinários.
Segundo Justin Barrett, as pessoas adquirem crenças em deuses e espíritos através da detecção de agentes com hiperatividade. É a detecção de agentes onde ninguém os vê. A hiperatividade pode ter sido desenvolvida como uma forma segura de nossos ancestrais se defenderem de predadores muito pequenos. A ideia do invisível se formou quando alguém ouvia um barulho, percebia movimentos sem identificar o agente. Vários autores defendem uma explicação semelhante: a) o sentimento da presença de agentes (BARRET); b) conexão social com os estados mentais dos outros (BERING); c) entrada de um senso moral (GRAY); d) um sentimento de base emotiva (GRANQUIST e KIRKPATRICK).[6]
De acordo com Pascal Boyer, as crenças religiosas surgem a partir de conceitos contraintuitivos. Os conceitos contraintuitivos são aqueles eventos que quebram a expectativa do comportamento normal do mundo. Uma parte considerável das crenças religiosas se baseia em violações de expectativas naturais como homens alados, virgem mãe, mortos que ressuscitam, agentes que atravessam paredes. Porém, como observaVan Eyghen, nem todas as quebras de expectativas resultam em crenças religiosas. Por isso, Boyer considera que “conceitos religiosos são uma forma especial de conceitos minimamente contraintuitivos.” [7]
De acordo com Stewart Guthrie, o traço universal da religião é o antropomorfismo. O homem ao observar a natureza deu-lhe feições e comportamentos humanos. Ele tende a ver rostos humanos nas nuvens e de atribuir uma causa para desastres naturais como se fosse a ação de um agente inteligente. Este comportamento fez o animismo se desenvolver na direção das religiões.[8]
As ciências cognitivas da religião consideram as crenças religiosas não como crenças básicas e inatas, mas um sub-produto de mecanismos cognitivos ordinários. A arquitetura mental é uma condição necessária para ocorrer crenças religiosas, porém, não é suficiente.
Na linha dos cognitivistas, acrescentamos Jesse Bering e Robert Mccauley. Eles acreditam que as crenças religiosas são formadas de modo similar ao modo como formamos crenças sobre as mentes dos outros. Os agentes sobrenaturais podem ser sub-produtos  do conhecimento social ordinário.[9]
Em direção semelhante, Will Gervais e Ara Norenzayan encaram a religião como um facilitador de interação em grupo. Portanto, a origem das crenças religiosas está vinculada à socialização. A transmissão das crenças dependeria de predisposições cognitivas em interação como as predisposições culturais.[10]

3.    Considerações finais

     De um modo geral, a tese do sensus divinitatis tem uma ampla relação de críticos. Ela se acomoda bem para um religioso teísta, porém, quando se observa  o fenômeno religioso de modo amplo esbarra-se em muitos obstáculos. As contribuições das ciências cognitivistas e da linha evolucionista ajudam a identificar fatores naturais para a formação de crenças religiosas sem apelar para um mecanismo específico na mente humana que assegure a racionalidade do conhecimento religioso.

Referências

BORTOLONI, Tiago; YAMAMOTO, Maria Emília. Surgimento e manutenção do comportamento religioso. Estudos de Psicologia, v. 18, n. 2, p. 223-229, 2013.

VAN EYGHEN, Hans. There is no Sensus Divinitatis. Journal for the Study of Religions and Ideologies, vol. 15, issue 45, 24-40, 2016.

WESTH, Peter. Anthropocentrism in Gods concepts: The role of narrative. In: GEERTZ, Armind W. (Ed.), Origins of  Religion, Cognition and Culture, n. 2, p. 1-22, 2005.


[1] VAN EYGHEN, Hans. There is no Sensus Divinitatis. Journal for the Study of Religions and Ideologies, vol. 15, issue 45, 2016, p. 24-40.
[2] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[3] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[4] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[5] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[6] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[7] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[8] WESTH, Peter. Anthropocentrism in Gods concepts: The role of narrative. In: GEERTZ, Armind W. (Ed.), Origins of  Religion, Cognition and Culture, n. 2, 2005, p. 1-22.
[9] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[10] BORTOLONI, Tiago; YAMAMOTO, Maria Emília. Surgimento e manutenção do comportamento religioso. Estudos de Psicologia, v. 18, n. 2, p. 223-229, 2013.

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Bibliografia

ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3ª ed. Rev. atual. São Paulo: Moderna, 2003.

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

MONDIN, B. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. 12ª ed. São Paulo: Paulus, 2001